24/12/2003 - 8:00
DINHEIRO ? O PT governa há um ano. Qual é a sua maior crítica?
Antônio Ermírio de Moraes ? O presidente viaja muito. Ele praticamente não pára no Brasil, é um negócio muito sério. Eu fico assustado com isso, porque este é um País complicado demais. Tem de ser entendido e para isso tem de estar perto. Se eu estivesse na posição de Lula, eu procuraria parar mais por aqui, tomar pulso do País. Não deixaria na mão de terceiros fazer isso.
DINHEIRO ? O presidente governa mal, é isso?
Ermírio ? Eu não votei nele, mas acho que Lula é uma grata surpresa. Só acho que ele deveria parar mais no Brasil. Essa última viagem a países inexpressivos como a Líbia e a Síria, por exemplo. Francamente, eu não perderia tanto tempo nesses lugares. Acho que Lula precisaria buscar mais apoio dentro da própria sociedade brasileira. Esses passeios muito constantes não estão ajudando em nada no momento.
DINHEIRO ? Mas Fernando Henrique também viajava bastante. Será que isso não virou uma característica do cargo?
Ermírio ? Talvez, mas acho que Lula deveria ponderar um pouco mais. Fernando Henrique viajou, mas ele já tinha mais experiência do ponto de vista político. Já tinha sido senador, tinha uma cultura política maior. Acho que com Lula ocorre um pouco de precipitação. Foram mais de 20 viagens ao exterior em menos de um ano. Ele deveria falar mais com o povo, incutir mais confiança, inclusive no meio empresarial, para ver o que se pode fazer para sairmos dessa crise. O que temos aqui é uma séria crise de produção.
DINHEIRO ? Como estão os seus contatos com Lula?
Ermírio ? Depois da posse, só estive com ele uma única vez, junto com mais doze pessoas. Ele fez uma exposição de duas horas sobre programas de obras do governo com a iniciativa privada. Disse que ia cobrar o encaminhamento de decisões em duas semanas, mas se passaram três ou quatro meses quando nos chamou pela segunda vez. Procurei falar com ele por telefone umas duas vezes, mas é muito complicado. Tentei, inclusive, para a inauguração na ampliação da nossa fábrica em Alumínio. Ele havia me dito que fazia questão de ir, mas quando foi feito o convite ninguém respondeu a nossa carta. Uma semana antes da inauguração ele mandou dizer que tinha de receber uma condecoração lá na Espanha.
DINHEIRO ? O sr. consegue ao menos falar com o secretário particular Gilberto Carvalho?
Ermírio ? Não é fácil. Ele é muito educado, e me respondeu depois de umas quatro tentativas que fiz de convidar formalmente o presidente. Eu tinha de emitir convites, foi uma aflição total, não podia fazer isso de última hora. O presidente disse que queria vir, mas uma semana antes avisaram que não daria. Problema dele. Na certa uma condecoração na Espanha é mais importante que inaugurar uma usina nacional de certo porte. Aqui estamos lutando contra os maiores produtores do mundo, a Alcoa, a Alcan e a própria Vale do Rio Doce, que é enorme. Mas nós vencemos.
?Palocci é um homem positivo com grande capacidade para
conter despesas?
DINHEIRO ? Qual sua impressão sobre o desempenho dos ministros de Lula?
Ermírio ? Eles não têm experiência administrativa e, pior, metade do ministério é composta por perdedores, gente que está lá para compensar suas derrotas. Pelo amor de Deus! O que eles sabem fazer é nomear rápido. Já preencheram 20 mil cargos. Todo mundo deles. Não esqueça que no próximo ano há eleição municipal e o Lula já está falando em reeleição. Acho engraçado. Pode ser que a memória dele esteja meio fraca, porque quando o Fernando Henrique disse que gostaria de se candidatar de novo depois de três anos no cargo, deu para entender, mas Lula tem apenas 12 meses no cargo!
DINHEIRO ? O sr. não votou em Lula por medo de que ele fizesse um governo verdadeiramente de esquerda?
Ermírio ? Não, não, não. Lula ficou 30 anos praticamente dentro do ABC, era um líder sindical importante, mas que experiência ele tinha?
DINHEIRO ? Com José Serra o que seria diferente?
Ermírio ? É evidente que Serra estava mais preparado para o cargo, mas não sei no que seria diferente. Foram 53 milhões de votos dados a Lula. A derrota de Serra foi contundente.
DINHEIRO ? O presidente tem delegado poder a ministros fortes, como José Dirceu, da Casa Civil, e Antônio Palocci, da Fazenda. Ele fez as escolhas certas?
Ermírio ? Como ele não tem experiência administrativa, acho que
está certo em delegar. Para mim, a figura central do governo é o ministro (Antônio) Palocci (da Fazenda), até mesmo pela sua capacidade de contenção de despesas e bom senso. Como o Brasil estava numa situação ruim no final do ano passado, agora nós praticamente nos equilibramos.
DINHEIRO ? A condução macroeconômica seria, então, seu principal elogio ao governo?
Ermírio ? Exatamente. Melhoramos muito na macroeconomia. O dólar está fixo, as exportações estão bem, o saldo na balança comercial é excelente. Nas outras áreas há muita inexperiência administrativa.
DINHEIRO ? E José Dirceu?
Ermírio ? Ele faz a parte política. Tem muita paciência. Eu
não entendo bem isso de o PT fazer acordos com políticos de
extrema direita, mas parece ser da política. Importante é sair
do marasmo econômico.
DINHEIRO ? Como se faz isso?
Ermírio ? Criando empregos. Houve uma recuperação de alguns setores desde outubro, mas pequena. Os Estados Unidos, com toda a crise, ficaram com 6% de desempregados. Nós temos o dobro. No Estado de São Paulo são 20%! O governo tem de prestigiar a produção. O problema do Brasil não é fome, é emprego. O atual caminho não serve mais.
DINHEIRO ? Em campanha, Lula prometeu criar 10 milhões de empregos em quatro anos, mas no discurso de posse lançou o programa Fome Zero. O que o sr. acha dessa prioridade?
Ermírio ? Discordo. Eu conheço bem o Brasil e não acho que alguém por aqui morra de fome. As pessoas se ajudam. Viajei muito pelas regiões Norte e Nordeste nos anos 50, quando o Brasil era realmente pobre, e da Bahia ao Ceará, naquela zona dura, nunca vi ninguém morrer de fome. O Fome Zero me parece um pouco de exagero.
DINHEIRO ? O governo apresentou um plano de política industrial. O que o sr. achou dele?
Ermírio ? Nada. Nunca houve política industrial no Brasil e agora também não há. Eu trabalho há 54 anos e nunca vi. Nessa ma-
téria o Brasil sempre foi uma brincadeira: cada um por si e Deus
por todos. Crescemos com um trombando no outro. Esse governo, neste campo, não inovou nada.
?Jânio queria dinheiro em verdes. Foi a maior decepção política que eu tive?
DINHEIRO ? O câmbio está correto?
Ermírio ? Se chegar no final do ano em R$ 3,00, acho que
a exportação do Brasil vai se equilibrar. Porque se parar a
exportação, entramos em colapso.
DINHEIRO ? Como o grupo Votorantim fez para crescer?
Ermírio ? Nós, que nunca exportamos nada, agora vendemos 50 por cento do nosso alumínio para o exterior. No caso do níquel, 70 por cento. O zinco, 50 por cento. Sentimos a falta de resposta do mercado nacional e partimos lá para fora. Estamos com três fábricas de alumínio na América do Norte. Queríamos fazer aqui, mas não daríamos vazão à produção. Em cimento, antes tínhamos as grandes obras, que pararam. Numa segunda etapa, os formiguinhas, que hoje estão sem dinheiro. Isso faz com que o mercado caia dez por cento.
DINHEIRO ? O sr. se sente atingido quando o acusam de ser responsável pelos aumentos no preço do cimento?
Ermírio ? O que eu posso fazer? Nós temos 17 fábricas e os outros não querem trabalhar neste setor. Eles que venham!
DINHEIRO ? O sr. vê uma mudança estrutural nas exportações brasileiras?
Ermírio ? Estamos melhorando neste aspecto. Antes, a atividade
era um tapa-buracos para tempos difíceis. Agora, ou você expor-
ta, ou está rifado.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o trabalho de seu colega empresário Luiz Furlan no Ministério do Desenvolvimento?
Ermírio ? Ele é um homem bom. Antes
de ser ministro queria ser presidente da
Fiesp. Dei meu apoio. Dizem que boa parte das exportações brasileiras é resultado do seu trabalho. Não sei. Ele conhece o
campo internacional. Mas quanto a isso acho que a direção tem de ser de cima. Ainda não me explicaram por que o Brasil não vai à China.
DINHEIRO ? Por que a China?
Ermírio ? Porque está dando um show de crescimento. Se fosse comigo, teria ido para lá em primeiro lugar. Cinco anos atrás, a China tinha umas cem produtoras de alumínio de até quinze mil toneladas cada. Hoje produz seis milhões de toneladas, mais do que os Estados Unidos e do Canadá. Quanto tempo esse progresso vai durar eu não sei, mas é fantástico. Acho que se o presidente Lula quer mesmo fazer uma blitzkrieg de exportação tem de ir para a China em lugar de procurar países inexpressivos.
DINHEIRO ? O governo brasileiro está dando o encaminhamento correto à questão da Alca?
Ermírio ? Penso que sim, o problema é que os Estados Unidos são uma potência muito forte. Eles querem que nós baixemos nossas tarifas iniciais de 700 produtos, mas não querem dar compensação ou cumprir a regra de igualdade. Os americanos são meio gulosos.
DINHEIRO ? Seria melhor não assinar o tratado?
Ermírio ? Pior é não assinar. Isso seria uma declaração de guerra, e vencer é meio difícil. Temos de ter paciência.
DINHEIRO ? E o Mercosul?
Ermírio ? Hoje o Mercosul é pior do que a Alca que está sendo montada. Mas não podemos largá-lo de uma vez. Temos de con-
tinuar, até porque, tirando a Argentina, os outros dois países são meio fraquinhos, com todo o respeito. Para minha surpresa, a Argentina está com saldo positivo em relação ao Brasil. Mas como choram! Quando a Argentina estava por cima, eles não tinham pena e nos consideravam ?los macaquitos brasileños?. O Brasil não leva vantagem no Mercosul.
DINHEIRO ? O sr. gosta do plano energético do governo?
Ermírio ? Não. Já vi esboços desse plano, mas o problema é que não sai do esboço. Por enquanto é uma confusão total. O plano é muito complicado. Conversei com a ministra Dilma, que é muito firme, mas não estou nada tranqüilo com essa pasmaceira. Se isso continuar por mais um ano, vamos ter um apagão muito pior do que tivemos dois anos atrás. Mas se houver decisão, o investimento privado aparece.
DINHEIRO ? As parcerias público-privadas vão funcionar?
Ermírio ? Isso também está complicado. Eles ainda não têm absoluta clareza de como vai ser, não há nada reunido numa folha de papel para a gente entender. Atribuo isso à falta de vivência administrativa.
DINHEIRO ? O sr. tem o Banco Votorantim. É fácil ser banqueiro?
Ermírio ? Muito fácil. O banco começou para evitar a exorbitância de cobrança de juros dos bancos e está indo muito bem.
DINHEIRO ? Mas muitas indústrias fizeram mais dinheiro do que os bancos este ano, como é o caso da Petrobras e da CSN. É possível ganhar mais que os bancos?
Ermírio ? Deveria ser, mas não é nada fácil. Para a Petrobras produzir seu lucro teve de desenvolver muita tecnologia. No caso da CSN houve esta troca de acionistas e, no fim, ficou com o grupo Steinbruch. Não tenho nada contra, mas é um caso diferente. Suado foi o desempenho da Petrobras.
DINHEIRO ? Como foi este ano para o seu grupo?
Ermírio ? Não posso me queixar, mas ressalto: pagamos muito
pouco em dividendos e reaplicamos tudo em produção industrial. Ampliamos duas fábricas com investimentos de US$ 1,2 bilhão.
Nunca paramos de investir, nem no governo Lula. Nós temos obrigação com a nação e não com quem está nos governando.
No próximo ano vamos em frente.
DINHEIRO ? O sr. gosta da cara da reforma tributária?
Ermírio ? Não. É outro caso típico de gente que não tem experiência administrativa. Fala-se muito e executa-se pouco.
DINHEIRO ? Como o sr. compara os ministros da Fazenda Pedro Malan e Antônio Palocci?
Ermírio ? Malan ficou oito anos e saiu sem deixar suspeita de nenhuma falcatrua. Foi um homem correto. Houve os que demoraram oito semanas e saíram com o nome machucado. Palocci também acho um homem positivo. Nessa área financeira ele está-se saindo muito bem. Ele também não tinha essa experiência toda, mas para mim é uma grata surpresa.
DINHEIRO ? O que o sr. está achando do papel de Ciro Gomes no Ministério da Integração Regional?
Ermírio ? Depois que ele disse na campanha que Lula seria um desastre, cá entre nós, ele deveria ter ficado na posição dele
em lugar de aceitar um cargo. Não sei se é porque deseja ser presidente da República.
DINHEIRO ? Qual foi o melhor ministro da Fazenda com quem o sr. lidou?
Ermírio ? Otavio Bulhões (1964-1967). Este foi sensacional. Ele trabalhava com uma secretária só, a dona Iolanda. Depois da Revolução de 64, eu corri para falar com o doutor Bulhões. Naquele tempo o Banco do Brasil descontava as nossas duplicatas. Eu fui
pedir para ampliar a nossa linha de descontos. Ele era muito edu-
cado e sereno. Me disse que na próxima semana iria me responder. Pensei: ?Não vai me ligar nunca mais?. Mas na semana seguinte a dona Iolanda me ligou, eu fui e ele me disse que nós só tínhamos
a metade dos títulos descontados pelo grupo Jafet no Banco do
Brasil. Ampliou nossa linha.
DINHEIRO ? Como era Delfim?
Ermírio ? Muito rápido, resolvia tudo, não mandava nada para
o bispo. Ele sempre foi muito inteligente.
DINHEIRO ? Com o sr. lembra hoje sua experiência de candidato a governador de São Paulo em 1986?
Ermírio ? Foi terrível. Eu cheguei a ter 36 por cento dos votos, mas sabia que o PMDB iria ganhar, porque usava a máquina do Estado. A única coisa boa foi ganhar do Maluf por um milhão de votos, mas em compensação perdi do Quércia.
DINHEIRO ? Consta que o sr. terminou a campanha devendo dinheiro para o Jânio Quadros.
Ermírio ? De jeito nenhum. O Jânio era um homem que queria dinheiro em verdes, em dólares, não em reais. Ele foi a maior decepção política que eu tive na minha vida.
DINHEIRO ? Ele tomou dinheiro do senhor?
Ermírio ? Mas não em dólar!
DINHEIRO ? Como o sr. está vendo o próximo ano?
Ermírio ? 2004 será promissor. Não estou esperando nenhum
milagre por parte do governo. Quem está fazendo milagre somos
nós, os empresários que investem em seus negócios. Já passamos tempos piores. Nos últimos 50 anos, o PIB do mundo cresceu em média 3,9% ao ano. Quem crescer menos que isso está indo para trás. Precisamos, portanto, crescer mais de 3%. Rezo e trabalho
para que isso aconteça.