04/08/2001 - 7:00
DINHEIRO ? A saída de Alcides Tápias do governo é uma derrota dos empresários?
EDUARDO GOUVÊA VIEIRA ? Não encaro dessa forma de jeito nenhum. Trata-se de um ministério muito difícil e delicado, pois o desenvolvimento não depende de desejo, mas de uma série de barreiras estruturais que o ministro não conseguiu superar. Duas delas, a reforma tributária e as leis trabalhistas, necessitariam
de uma vontade férrea do governo para serem removidas. Faltou ousadia para o governo nesses pontos. A terceira barreira é
a dos juros altos. Nesse caso havia pouco a fazer, já que a conjuntura internacional era desfavorável e o governo foi
obrigado a aumentar os juros para que essa turbulência não atingisse a estabilidade do País.
DINHEIRO ? Mas a nomeação de um diplomata para o ministério foi realmente a melhor solução?
GOUVÊA VIEIRA ? Bem, pelo menos, ele deve ter habilidade para lidar com a pressão do governo de um lado e a dos empresários do outro. O que precisamos entender é o seguinte: não é tendo um empresário neste ou naquele ministério que seremos mais ou menos ouvidos pelo governo. O Tápias esteve lá e sua presença pouco mudou o diálogo entre o governo e os empresários.
DINHEIRO ? O que seria necessário, então?
GOUVÊA VIEIRA ? É necessário haver boa vontade dos dois lados. O governo teria de ser mais humilde e ouvir os empresários e entender que eles querem o sucesso da economia tanto quanto ele. O governo não tem a mínima idéia de nossas necessidades, não sabe o que é a economia real.
DINHEIRO ? Falta sensibilidade da equipe econômica em entender isso?
GOUVÊA VIEIRA ? Não só da equipe econômica. Toda a máquina governamental tem uma certa má vontade em relação a nós. Mas nós empresários somos culpados por isso. Nossa imagem é péssima. Somos os sujeitos que só vamos a Brasília pedir benefícios individuais, que interessam apenas a nós mesmos. Ligo a tevê na novela das oito e o que ela mostra? Que os empresários são todos uns vigaristas, desonestos. Puxa, a imagem é terrível…
DINHEIRO ? E isso está muito longe da verdade?
GOUVÊA VIEIRA ? Falta ao empresariado uma representação mais eficiente e que não contemplasse os interesses desta ou daquela empresa, deste ou daquele indivíduo. É isso que faz com que o empresariado perca a credibilidade diante do governo e da população. Nós deveríamos ir ao governo defender os interesses nacionais porque assim estaríamos defendendo os nossos interesses. Será que há alguma dúvida de que a desconcentração de renda é interessante para nós empresários? Há alguma dúvida de que o controle da inflação é interessante para nós empresários? Isso tudo é do interesse nacional e, por tabela, do interesse dos empresários.
DINHEIRO ? Há empresários, principalmente ligados à
Fiesp e ao Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), entidades de São Paulo, que acham que o
governo deveria defender mais os interesses do
empresariado nacional…
GOUVÊA VIEIRA ? Vamos tomar cuidado com essa história. O
que muitos deles querem é o fechamento da economia. Esse é um filme que já vimos muito e que já sabemos o final. O resultado
é que as ineficiências acabam sendo repassadas para a sociedade
e ela pague a conta. O Iedi é historicamente nacionalista, que
uma volta ao passado. Gosto do Paulo Cunha e do Eugênio Staub, mas o que eles querem é isso. Não podemos voltar a ser uma
ilha, como querem essas entidades….
DINHEIRO ? O sr. está se referindo a algum caso em especial?
GOUVÊA VIEIRA ? Observe o caso dos materiais da área de informática. Para manter os privilégios de meia dúzia de empresas temos um aumento de custos que permeia todo o processo industrial, pois hoje tudo depende de computadores. Além disso, essa situação impede a democratização do acesso à informática para a população. O contraponto é que não haverá prejuízos para algumas companhias instaladas no Brasil. Elas, porém, não percebem que com produtos mais baratos a demanda cresceria e elas ganhariam muito mais. O resultado é que 70% desses equipamentos são contrabandeados. O Piva (Horácio Piva, presidente da Fiesp) andou defendendo o protecionismo. Eu me dou bem com ele, mas divirjo nesse ponto e ele sabe disso. É claro que se houver barreiras contra nossos produtos no Exterior, temos de ir à revanche e dar o mesmo tratamento para esses países.
DINHEIRO ? O sr. não está sendo muito tolerante com o governo?
GOUVÊA VIEIRA ? O País está muito melhor em agosto de 2001 do que estava em janeiro de 1995, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu. Ele teve de adotar medidas difíceis, como o aumento dos juros, para poder enfrentar a situação externa desfavorável ao Brasil. Algumas das reformas, como a tributária, poderiam ter sido feitas, mas não dependia apenas do governo.
DINHEIRO ? Quando o governo quis realmente aprovar algo no Congresso, ele conseguiu, como foi o caso da reeleição.
GOUVÊA VIEIRA ? Talvez tenha faltado ousadia para o governo em alguns pontos. Na reforma tributária, ele ficou com receio de perder receita se mudasse a estrutura fiscal do País e o superávit era uma prioridade absoluta. Mas ele poderia chamar representantes da sociedade e traçar planos para se precaver dos problemas decorrentes de uma possível queda na arrecadação se os resultados da reforma não fossem condizentes.
DINHEIRO ? O sr. fala em representação dos empresários. O que não falta ao País são entidades e associações empresariais. Elas não cumprem essa missão? Não caberia à CNI o papel de interlocutora do governo?
GOUVÊA VIEIRA ? A CNI tem um problema sério de ser hoje uma entidade político-partidária. É terrível porque isso confunde a todos, pois ninguém sabe se ela está falando em nome do empresariado ou de um partido político. Não tenho nada contra que empresários tenham participação política em partidos ou mandatos. Se é uma vocação deles, tudo bem. Mas o que não é possível é que seja ao mesmo tempo um político e um presidente de confederação ou federação empresarial.
DINHEIRO ? Deveria ser proibido em sua opinião?
GOUVÊA VIEIRA ? Sem dúvida. É assim em toda a parte do mundo, menos no Brasil.
DINHEIRO ? O sr. tem um discurso de candidato. O sr. pretende disputar as eleições da CNI no ano que vem?
GOUVÊA VIEIRA ? Não sou candidato a nada.
DINHEIRO ? Essas entidades não perderam sua importância nos últimos anos?
GOUVÊA VIEIRA ? Elas não souberam se adaptar aos novos tempos. Veja se pode: as federações e confederações empresariais vivem pedindo redução do custo Brasil e estão certas disso. Mas todas são sustentadas por diversas contribuições compulsórias que oneram, e muito, os custos de suas associadas, ou seja, as empresas. Essa estrutura sindical é uma herança da era de Getúlio Vargas, de inspiração fascista. Se era bom na época, hoje seguramente é algo superado, que contraria todos os princípios defendidos nos últimos anos pelos empresários quanto à desoneração da produção. Ora, ao manter essa situação, os dirigentes das entidades podem perder a legitimidade em suas reivindicações porque não conseguem mostrar eficiência nem mesmo na gestão das associações representativas.
DINHEIRO ? Mas o sr. dirige uma entidade que também subsiste dessas contribuições….
GOUVÊA VIEIRA ? Mas tenho feito um esforço imenso para mudar essa situação. Em dois mandatos na Firjan, consegui fazer com que 55% de nosso orçamento viesse de receitas próprias. Quando
assumi a federação, esse porcentual era de 20%. Ainda vamos chegar aos 100%. Esse salto foi obtido graças a uma visão empresarial. Unifiquei as estruturas do Sesi, do Senai e da Firjan. Com isso, o número de funcionários caiu de 4.500 para 3.300. O total de alunos atendidos pelos nossos cursos profissionalizantes pulou de cerca de 100 mil para 600 mil, o que nos torna a segunda maior rede de ensino do Estado. Assim, nossas receitas provenientes de prestação de serviço cresceram tremendamente. Aliás, acho que esse é um caminho que as entidades empresariais devem seguir: estabelecer parcerias com governos e outras empresas para investir em setores como educação e saúde.
DINHEIRO ? Quem é seu candidato à Presidência da República no ano que vem?
GOUVÊA VIEIRA ? Ainda é cedo para qualquer definição nesse sentido. Acho que muita água vai correr por baixo da ponte e outros nomes podem surgir. Minha preocupação, porém, não é com este ou aquele nome, mas sim com o programa de governo que ele defende. Minha única certeza é esse programa deve contemplar a defesa da moeda e a estabilidade e o equilíbrio das contas públicas.