14/05/2008 - 7:00
ALBERTO SARAIVA Ele é médico, mas a verdadeira vocação de Alberto Saraiva é saber desvendar os desejos da classe C. Ele se tornou um dos empresários mais bem-sucedidos desse segmento há 20 anos quando fundou o primeiro Habib?s. Hoje são mais de 350 lojas e o faturamento é de R$ 1 bilhão. Tudo isso vendendo esfihas por R$ 0,98. Agora repete a receita no Ragazzo, sua nova rede de comida italiana. ?Enquanto muitos empresários focaram no lucro, decidi adotar a filosofia de oferecer mais e cobrar menos?, diz ele. |
NO KM 23,5 DA RODOVIA RAPOSO TAVARES, sentido São Paulo-Cotia, o recém inaugurado Ragazzo, restaurante de comida italiana do mesmo grupo do Habib?s, vive lotado. Lá, o consumidor tem estacionamento gratuito, é recebido por garçons bem treinados e tem à sua disposição um farto cardápio com pratos de, por exemplo, R$ 3,90 ? como o nhoque ao sugo, que serve bem uma pessoa. Um jantar para quatro, com direito a entrada e vinho, pode sair por menos de R$ 50. O preço é um dos principais ingredientes de uma bem montada estratégia do empresário Alberto Saraiva, o proprietário da rede, para conquistar a classe C ? uma camada da sociedade brasileira que gasta anualmente R$ 226 bilhões em compras e já representa 33% da população. Saraiva sabe agradar a esse pessoal como ninguém. Sua primeira incursão neste mundo começou há 20 anos com a inauguração da primeira loja Habib?s, hoje um império em fast-food. No ano passado, 150 milhões de consumidores estiveram nas 350 lojas do grupo e consumiram 600 milhões de suas esfihas, gerando um faturamento de R$ 1 bilhão. A receita é a união de uma estrutura verticalizada que permita custo baixo e foco na necessidade do consumidor. O Ragazzo seguirá essa linha. ?O consumidor quer preço baixo e qualidade?, diz ele.
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Satisfazer a classe C, no entanto, não é fácil. Até porque ainda há muita discussão sobre quem seriam essas pessoas. Para classificá-las, o Critério Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, leva em conta os bens da família, a infra-estrutura da residência e a instrução do chefe da casa. Para simplificar, o mercado adotou como consenso considerar como parte deste grupo famílias com renda entre quatro e dez salários mínimos. É justamente por isso que o preço é uma das primeiras estratégias trabalhadas para quem quer crescer neste nicho. ?A Sundown já atuava nesse mercado, mas para comprar uma motocicleta da marca o interessado tinha que ter uma renda individual de R$ 1 mil e isso inibia as vendas?, conta Cláudio Rosa, diretor de produto da montadora, com sede em Manaus. ?Para reverter esse quadro, aceitamos o desafio de fabricar a motocicleta mais barata do Brasil?. Assim, em 2006, era lançada a Hunter 90, um modelo de R$ 2.990, que financiada tem mensalidade de R$ 60. Quem gastava quantia semelhante em transporte público, migrou de produto e impulsionou as vendas da marca que aumentou sua participação no mercado de 3,6% para 5,5% com 87,8 mil unidades em 2007.
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A substituição de gastos é tendência certa nesta classe social. Enquanto a parte do orçamento destinada ao transporte público caiu 32% nos últimos dez anos, a parcela destinada ao veículo próprio subiu 220%. Na Fiat, que produz o popular Uno, a faixa dos primeiros compradores subiu de 7% para 12%. ?Este crescimento aconteceu graças ao financiamento de longo prazo e às parcelas baixas. Em outras palavras, graças à classe C?, avalia o diretor da empresa, Carlos Dutra. A equação crédito, juros e confiança do consumidor em alta é o combustível que move essa nova realidade de consumo brasileiro. ?Mesmo que o aumento da renda esteja abaixo do ideal, essas pessoas conseguiram ter acesso a bens pelo crédito?, explica Marcos Pazzini, diretor da consultoria Target. Outro exemplo? O computador. O desejo de ter um equipamento em casa já existia. A possibilidade de comprá-lo não. Foi então que o grupo Positivo decidiu criar um modelo com parcelas que ficassem abaixo dos R$ 100. ?Nos inspiramos no carro 1.0 e tiramos todo o luxo do computador, mas mantivemos suas funções básicas?, explica o presidente da empresa, Hélio Rotenberg. O PC popular foi lançado com parcelas de R$ 99 e a Positivo passou a vender 65% do 1,1 milhão de computadores do mercado. Agora a empresa prepara-se para lançar o PC da Família com programas de fácil uso para auxiliar no orçamento doméstico e na organização de receitas. Financiadas, essas máquinas sairão por parcelas de R$ 49. ?Diferentemente da classe AB, em que o computador é pessoal, na classe C seu uso é comum.?
HÉLIO ROTENBERG PRESIDENTE DA POSITIVO No início de 2003, Hélio Rotenberg, presidente da Positivo, não conseguia dormir. ?Os negócios não iam bem e começamos a nos perguntar o que iríamos fazer?, conta o executivo. Uma pesquisa apontou o caminho: a classe C sonhava com um computador, mas não tinha como pagar por ele. Rotenberg decidiu construir essa máquina. Dos carros 1.0 veio a idéia de construir o computador popular, com parcelas de R$ 99. As vendas estouraram. Agora, a empresa prepara o PC da Família, que será vendido por mensalidades de R$ 49. |
O compartilhamento do bem pela família reflete um de seus padrões mais fortes: a decisão de compra é tomada em conjunto. De acordo com a Associação Comercial de São Paulo, 68% dos chefes do lar destinam toda a sua renda para a família. Mas, apesar de uma situação financeira sem folgas, o mercado percebeu que já se foi a época em que essa classe se contentava em receber produtos de baixa qualidade. ?Estamos falando de um grupo que aspira ser a classe AB?, explica Margareth Utimura, diretora da Latin- Pannel. ?Eles estão dispostos a gastar mais para viver melhor, com mais conforto.? Há 38 anos no mercado, 12 deles focados no mercado de baixa renda, a mineira Construtora Tenda, já percebeu isso. Hoje dificilmente um prédio é lançado sem uma área social bem equipada. ?Se for para morar em conjunto habitacional, esse grupo prefere pagar aluguel e ir para um lugar melhor?, explica André Vieira, diretor-executivo da empresa, que lançou 23,7 mil empreendimentos no ano passado e prepara- se para lançar 50 mil em 2009. Todas essas vendas são financiadas e a casa própria vira realidade com R$ 1 mil de entrada e parcelas de R$ 240.
JONAS FORTES ? SUPERINTENDENTE DO SHOPPING ITAQUERA Em São Paulo, a classe C foi, durante um bom tempo, excluída de uma das principais fontes de lazer da cidade: os shopping centers. ?Com o aumento da renda dessa população?, explica Jonas Fortes, superintendete do Shopping Metrô Itaquera, ?vimos uma excelente oportunidade de negócio?. Para atraí-las, a localização era essencial. ?Daí a escolha do metrô Itaquera, onde há também uma estação de trem.? Hoje, 60 mil pessoas circulam por lá todos os dias, e até o fim do ano o fluxo deve crescer 30%. Um contingente interessado em lojas, praça de alimentação de qualidade, além de movimentados feirões de carros. |
Os empresários acordaram. Passaram a estudar os hábitos de um grupo que responde por 28% do consumo nacional e que engorda em 20 milhões de pessoas por ano. Todos vindos das classes D e E, que estão diminuindo. Na era Collor, a camada mais pobre da população era de 60%. Hoje, é de 44%. Já a fatia intermediária, justamente essa classe C, cresceu de 26% para 33%. Com ela, o consumo. São essas pessoas que compram, por exemplo, microondas, produto que, se dependessem da classe AB, teria vendas só para substituição. Mas é importante notar que, se de um lado esse grupo almeja produtos topo de linha, de outro também tem necessidades específicas. Foi isso que constatou a Consul, marca do grupo Whirlpool ? a mesma que fabrica a Brastemp. Ana Calderón, diretora de marketing da marca, explica que em muitas casas o fogão ficava em cima de toras de madeira para facilitar a limpeza do chão. A Consul, então, desenvolveu o fogão com pés de 12 centímetros por preço a partir de R$ 320 (45 mil unidades do modelo são vendidas por mês). ?Fomos a fundo para entender essas pessoas, ficamos em suas casas, acompanhamos suas rotinas?, explica. A pesquisa constatou que a geladeira é importante ferramenta de comunicação das famílias, com recados grudados em sua porta. Por isso, a empresa decidiu criar uma geladeira em que a porta do freezer vira uma lousa branca. O preço é de R$ 1,2 mil.
CARLOS TILKIAN Omundo dele parece de faz-de-conta, mas para Carlos Tilkian, presidente da Estrela, brinquedo é assunto sério. Por isso, há cerca de quatro anos, quando a renda das famílias brasileiras começou a aumentar, o executivo montou uma força- tarefa dentro da empresa. ?Era preciso entender quem eram esses novos consumidores?, explica ele. ?O brinquedo é para a criança, o preço para os pais.? Com a estratégia de ampliar o portfólio oferecendo produtos similares com faixas de preços bastante extensas, a Estrela conseguiu ampliar as vendas de brinquedos antes restritas a datas como o Natal ou o aniversário. |
Se decifrar esse novo consumidor já é difícil, imagine quando se fala em crianças. Em seu mundo não há trabalho, renda ou contas. Como atendê-las? Carlos Tilkian, presidente da Estrela, mirou nos pais e nos filhos oferecendo produtos com uma alta elasticidade de preço. Bonecas abaixo de R$ 40 chegam a vender meio milhão de unidades por ano. É a comprovação de que há um grupo ávido por consumo, disposto a inserir na economia bilhões e bilhões de reais. E se você ainda quer uma prova definitiva, aproveite o Dia das Mães e vá ao Shopping Metrô Itaquera, na zona leste de São Paulo. Por lá, afirma Jonas Fortes, superintendente do shopping, circulam 60 mil pessoas por dia. O fluxo em datas fortes de vendas, como essa que se aproxima, sobe para 80 mil. Vá e confira. E há um detalhe importante: para lá o consumidor pode ir, facilmente, de trem ou metrô.
Quanto a classe C compra por dia?
Cerca de 28% do consumo nacional é feito por famílias que ganham entre quatro e dez salários mínimos.