entrev_02.jpg

“Ações, como a da Petrobras, já podem ter atingido a cotação máxima”

 

 

 

entrev_03.jpg

“O Pedro Grendene foi feliz. A empresa chegou à Bolsa na hora certa”

 

 

DINHEIRO ? O clima de euforia que dominou o mercado de ações em 2004 tem fôlego para se manter em 2005?

ALEXANDRE PÓVOA ? Primeiro, é importante fazer uma análise econômica mais geral. Nos últimos dois anos, o Brasil se beneficiou muito da situação externa. Não tivemos nenhuma grande crise econômica, situação que não acontecia desde 95. Então, o cenário ficou favorável aos investimentos, principalmente à atração de recursos estrangeiros para o mercado de capitais nacional. Em 2005, devemos ter cuidado com toda essa euforia e ficar atentos ao cenário internacional. Temos que considerar as incertezas da economia americana. Existe uma ameaça mundial. A desvalorização global do dólar pode ter efeitos desastrosos nos países emergentes.

DINHEIRO ? A tragédia provocada pelo maremoto na Ásia causará impactos na economia?
PÓVOA ? Ainda é cedo para avaliar os impactos desse desastre. Com certeza, a tragédia aumenta os riscos para a economia brasileira. Afinal, o continente asiático reduzirá o seu ritmo de crescimento econômico. As importações vão despencar e os países atingidos precisarão de mais ajuda dos países ricos. Mas a grande ameaça de uma crise internacional para as contas nacionais é o dólar americano.

DINHEIRO ? O que projeta para este ano?
PÓVOA ? Estou preocupado com a Bolsa em 2005. Os investimentos em ações em um país emergente estão muito ligados ao risco internacional. O investidor local, de modo geral, ainda não se anima a pôr dinheiro na Bolsa. Por isso, a dependência dos recursos estrangeiros é enorme. Neste momento, este investidor está disposto a aplicar em países emergentes. Mas existe uma ameaça do gigante americano, que pode mudar o cenário internacional. E eu não vejo um cenário interno capaz de compensar os efeitos de uma eventual crise internacional. Não estimo, por exemplo, uma queda significativa da taxa de juros, que faria o investidor local se animar com a Bolsa. Acho que a taxa continuará alta pelo menos durante este primeiro semestre.

DINHEIRO ? Com os juros tão altos, o que explica o bom desempenho da Bolsa, que anima tanta gente?
PÓVOA ? O Brasil vem sendo muito favorecido pela situação de liquidez mundial e pelo baixo grau de aversão ao risco do investidor estrangeiro neste momento de estabilidade. Negociar o financiamento da dívida externa, diante deste cenário, foi uma tarefa muito fácil. Além disso, os produtos que o Brasil exporta, como aço e outras commodities, estão com os preços elevadíssimos. Todos estão caros no mercado internacional, principalmente por causa da forte demanda da China. Enfim, tivemos uma combinação de fatores externos que favoreceu o Brasil e, como conseqüência, a Bolsa de Valores.

DINHEIRO ? Então a situação mundial está sendo mais importante do que os fundamentos da economia brasileira?
PÓVOA ? Pelo menos 60% desse movimento otimista do mercado deve ser atribuído à situação internacional muito positiva. Se alguém, em dezembro de 2002, pouco depois da eleição do presidente Lula, cogitasse a idéia de o Brasil emitir títulos da dívida externa em reais no mercado externo em 2004, seria taxado de louco. Hoje, esta é a nossa realidade. E tem mais, esses títulos tiveram grande demanda. A boa situação, é claro, também é mérito do governo, que soube se aproveitar do momento internacional favorável. Ele tomou as atitudes corretas, e todos os indicadores externos melhoraram. O único ponto que talvez tenha ficado vulnerável é o nível de reservas, ainda baixo.

DINHEIRO ? O que pode mudar o rumo deste cenário externo favorável para o Brasil?
PÓVOA ? A origem de uma crise internacional, se ela vier a acontecer, não deve ser o Brasil, o México, a Argentina ou a Rússia. Estes países, cada um ao seu modo, já quebraram. Ou seja, o pior para eles já passou. A principal ameaça é, sem dúvida, a economia americana. Existe uma tendência, quase inexorável, de desvalorização do dólar frente às principais moedas mundiais e de elevação dos juros americanos. E os Estados Unidos são um monstro. Qualquer movimento nas suas contas é violentíssimo. Qualquer percalço trará solavancos e problemas para o Brasil. Por isso, principalmente nos países emergentes, os índices de risco já teriam que estar maiores.

DINHEIRO ? Este movimento de desvalorização global do dólar já afeta o Brasil?
PÓVOA ? Grande parte da valorização do real é resultado da melhora dos indicadores da economia , mas uma parcela é explicada pela desvalorização do dólar no mundo inteiro.

DINHEIRO ? Os novos lançamentos de ações mostram que o investidor tem interesse pelas boas oportunidades da Bolsa brasileira. O interesse vai continuar?
PÓVOA ? O pregão nacional tinha poucas opções de companhias e, principalmente, de setores. Era muito concentrado. O lançamento da Grendene, por exemplo, foi muito bem-sucedido. O mercado estava carente de empresas do setor de consumo, e a marca chegou para preencher essa lacuna. E tem mais. Chegou na hora certa, quando os investidores estrangeiros estavam de olho no pregão. O Pedro Grendene (um dos sócios da indústria de calçados) foi muito feliz.

 

DINHEIRO ? O que é preciso saber para investir com segurança nessas novas empresas?
PÓVOA ? O investidor, principalmente da categoria pessoa física, tem que ter cuidado com essa empolgação em torno dos novos papéis. Esses ganhos rápidos, coisa de 30% no dia da estréia, por exemplo, são irracionais.
Não se sustentam no longo prazo. O investidor também precisa ter em mente que nem todas as empresas que abrem capital são boas. Nem tudo que reluz é ouro. É preciso fazer conta. Nesta euforia, é perigoso pagar
caro por um papel que, na verdade, não vale nem a metade do que se imagina.

DINHEIRO ? As cotações das ações negociadas na Bovespa podem ter atingido seu teto de alta? Neste
caso, a tendência seria de queda?
PÓVOA ? Não sei precisar. O fato é que é arriscado continuar apostando na melhora contínua dos indicadores econômicos e nas constantes altas da Bolsa. Olhando apenas do ponto de vista do Risco Brasil, que está um pouco abaixo de 400 pontos, não vejo margem para melhorar muito. Pode chegar a 300 pontos? Sim, pode. Pode até chegar a 250 pontos, forçando muito a barra. Agora, o potencial de piora, caso se confirme um problema na economia americana, é infinitamente maior. E, se piora, piora muito. O risco é assimétrico.

DINHEIRO ? Este cenário mais pessimista derrubaria as cotações das companhias que estão bem cotadas no pregão?
PÓVOA ? Esta análise que faço da Bolsa é macroeconômica. Podemos olhar o
outro lado, as companhias. Os setores que têm puxado as altas da Bovespa são aqueles ligados às commodities: aço, mineração, papel e celulose. E não foram
altas especulativas. Foram fundamentadas. Os preços desses produtos atingiram recordes no mercado internacional. A dúvida que tenho é se os valores desses produtos já atingiram o fim do ciclo de alta. Acho que estão próximos do pico. A Petrobras, por exemplo, já viu passar a alta máxima da cotação do petróleo, que agora começa a recuar.

DINHEIRO ? E para as empresas que não são exportadoras de commodities, quais são as perspectivas?
PÓVOA ? Nos outros setores, a situação também não é confortável. O setor elétrico mostrou uma série de fragilidades no leilão de energia em dezembro. As empresas de telecomunicações também não prometem surpresas. Talvez o setor de consumo consiga mostrar bons resultados.

DINHEIRO ? Qual a sua dica para aquele investidor que está com grande parte da sua carteira focada na Bolsa?
PÓVOA ? Aproveite ao máximo esta onda de euforia para diminuir a sua posição. Nos exageros de cotação, venda os papéis. É fundamental aproveitar a onda de alta, mas é mais importante ainda ficar atento aos riscos, principalmente às ameaças internacionais.

DINHEIRO ? Qual o conselho para quem está fora da Bolsa?
PÓVOA ? Estar fora também é arriscado. Pode-se perder a chance de ganhar. É preciso aproveitar a onda de alta, porém de uma maneira racional. Usar ações apenas para diversificar e fazer uma proteção da carteira com os investimentos em renda fixa ou imóvel. Na Bolsa, os setores ligados ao consumo dependem menos dos fatores externos, que são as principais ameaças, e podem ser boas opções. Mas repito: cuidado, seja seletivo na escolha dos papéis, porque você pode estar chegando no final da festa.

DINHEIRO ? O que há de novo na indústria de fundos de investimento?
PÓVOA ? A última moda são os fundos de direitos creditórios. Os fundos multimercado também são alternativas à mesmice da categoria DI e aos fundos de ações. Acho que a criação de novas modalidades de aplicações no Brasil é um ato heróico, porque, com os juros tão elevados, não há muitos argumentos para convencer o investidor a arriscar em um novo tipo de fundo. Se ele já tem 17% de juros garantidos na renda fixa, por que vai querer ousar e pôr dinheiro em fundo multimercado? Além disso, falta um apoio tributário, um tratamento especial para as aplicações financeiras.

DINHEIRO ? As altas taxas de administração também levam boa parte do rendimento dos fundos e reduzem o crescimento da indústria, não?
PÓVOA ? Certamente é um problema. Quando a taxa de juros realmente começar a cair, os gestores terão que reduzir a taxa de administração, porque o impacto sobre os lucros ficará ainda maior. Em um fundo que ganha 17%, o custo de 1% não causa tanto estrago. Já com um juro de 14%, a mesma taxa de administração terá um peso muito maior. Isso provocará uma revolução na indústria de fundos, porque o investidor vai migrar para produtos mais sofisticados.

DINHEIRO ? A moda dos planos de previdência privada tem data para acabar?

PÓVOA ? Esses produtos só são indicados para aquelas pessoas que não têm disciplina para fazer aplicação de longo prazo. Então, contratam um plano no qual o dinheiro será descontado mensalmente. Já os investidores mais sofisticados encontram outras maneiras, mais interessantes, de formar a poupança para aposentadoria. Os fundos específicos têm altos custos e rendimentos médios. É possível tentar aumentar as chances de lucro.