DINHEIRO ? Edward Snowden, ex-funcionário da consultoria Booz Allen, denunciou que o governo dos EUA espiona dados de usuários de grandes empresas de internet, como Google, Facebook, Microsoft e Apple. Como fica a imagem dessas companhias digitais a partir de agora? 

MIKKO HYPPÖNEN ? Isso prejudica a imagem delas. É por isso que todas negaram ter colaborado com o governo nesse episódio.

 

DINHEIRO ? Mas informações e dados de clientes corporativos e consumidores do mundo inteiro estão nos servidores dessas empresas. 

HYPPÖNEN ? Realmente não sabemos o que a inteligência dos EUA está fazendo com as informações coletadas. O objetivo alegado é encontrar terroristas. Sabemos, no entanto, que eles estão interceptando o tráfego de internet, principalmente o que envolve um número incontável de empresas estrangeiras. E sabemos também que, em outras ocasiões, as agências de inteligência repassaram dados roubados para as empresas locais, a fim de ajudá-las nos negócios. Há uma fenda entre os EUA e o restante do planeta. O país abusa do acesso privilegiado aos dados digitais do mundo inteiro. Os americanos parecem não ter qualquer problema com a vigilância generalizada de usuários inocentes, desde que essa vigilância seja feita em cima de estrangeiros. O problema, claro, é que nós, estrangeiros, constituímos a quase totalidade da população do planeta. Em um Estado de vigilância, todo mundo é considerado culpado.

 

DINHEIRO ? Por falar nisso, antes mesmo da notícia da espionagem patrocinada pelo governo americano, já havia quem considerasse um risco à privacidade o fato de empresas como o Google e o Facebook, pela audiência que possuem e pelo tipo de serviço prestado, terem acesso a informações de bilhões de pessoas. 

HYPPÖNEN ? Aparentemente ainda deve haver pessoas que não veem problemas nisso. Acreditam ser perfeitamente aceitável que toda a informação dos brasileiros esteja nas mãos de uma ou duas empresas americanas. Empresas como o Facebook e o Google sabem mais sobre nós do que os governos. Ainda assim, muitos não se importam. Parece que é o jeito como as coisas devem acontecer. Eu não tenho perfil no Facebook. O Google, por sua vez, é um site muito difícil de evitar.

 

DINHEIRO ? De onde partem os ataques virtuais a governos e empresas? 

HYPPÖNEN ? A maior parte dos ataques criminosos vem da Rússia, Ucrânia, Belarus, Estônia, Romênia e Lituânia. Há também muitas ações vindas da China e da América do Sul. Essas gangues são realmente virtuais ? seus membros não se comunicam no mundo real, não se conhecem pessoalmente e não confiam uns nos outros. Eles apenas se juntam e trabalham em prol do benefício próprio. É diferente do crime organizado.

 

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O amplo acesso a informações pessoais de usuários por empresas

de internet é um tema polêmico

 

DINHEIRO ? Muitas empresas têm receio de usar a computação em nuvem, cujos dados ficam armazenados na internet. Esse sistema é seguro? 

HYPPÖNEN ? Sistemas baseados em nuvem têm duas questões a serem observadas: a primeira é a segurança técnica e a outra é a privacidade. Quando uma informação vai para a nuvem, ela não é mais sua. Você precisa acreditar cegamente no seu provedor. Um exemplo: quando uma empresa deleta um arquivo, que garantias ela tem de que o provedor realmente apagou essa informação? Ele pode apenas estar retirando a informação do sistema do cliente e continuar com os dados guardados em seus servidores. O cliente nunca vai saber. Isso, porém, é relativo e tem a ver com a privacidade. No que se refere à segurança, muitas vezes a nuvem pode representar uma proteção muito maior do que aquela que a empresa teria, caso usasse um servidor próprio. 

 

DINHEIRO ? Muitos especialistas acreditam que estejamos vivendo uma guerra virtual entre países, com ataques e espionagem pela internet. Quais os riscos que as companhias privadas correm diante desse cenário? 

HYPPÖNEN ? Os ataques virtuais a países são de dois tipos. O primeiro é para roubar informação, é espionagem. O outro é para prejudicar empresas de serviços essenciais ou estratégicos, como as dos setores de energia, comunicação, água e alimentação. Muitos países já perceberam isso.

 

DINHEIRO ? Os tablets e os smartphones já são alvos dos hackers?

HYPPÖNEN ? Em aparelhos móveis, o maior alvo são os dispositivos com o sistema operacional Android, do Google. Em Windows Phone Blackberry e iOs, o número de ataque é nulo. No Android, o maior risco são os aplicativos falsos. Você baixa um software que é igual ao oficial, mas na verdade é um vírus. Hoje, os principais alvos são usuários de dispositivos móveis na Rússia e na China.

 

DINHEIRO ? É possível concluir, então, que os brasileiros estão mais seguros nesse aspecto?

HYPPÖNEN ? No Brasil, há alguns ataques a equipamentos móveis, mas em menor número. Mas o curioso é que o primeiro vírus para celulares, ainda no sistema Symbian, da Nokia, foi escrito por um hacker chamado Lasco, que é brasileiro.

 

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Programa do governo Obama monitora dados digitais de usuários

 

DINHEIRO ? O sr. desaconselharia uma pessoa a acessar a conta bancária por meio de celular, tablet ou computador?

HYPPÖNEN ? Acessar sua conta bancária por meio de aplicativos móveis é muito mais seguro, se comparado ao computador. O iPad, por exemplo, é 100% seguro.

 

DINHEIRO ? Em janeiro, o ativista digital Aaron Swartz se suicidou por não suportar submeter-se a um severo processo judicial nos EUA, por acusação de furto de textos acadêmicos de uma rede do MIT. O que o sr. pensa sobre ações judiciais para casos como esse?

HYPPÖNEN ? Aaron Swartz não se encaixa em nenhuma categoria de hacker criminoso. Ele não queria roubar informação, muito menos ganhar dinheiro com isso. Ele lutava pela liberdade. Queria acabar com as injustiças que encontrava ao seu redor. O que ele fez foi estúpido, mas não merecia ser punido. Absolutamente, não deveria ir para a cadeia. Ele queria tornar pública uma informação que era privada. É uma luta pela li­berdade.

 

DINHEIRO ? E como a legislação deve lidar com outros tipos de hackers?

HYPPÖNEN ? Nesses casos, depende. Geralmente são ofensivas internacionais. Investigar crimes com essa abrangência é sempre compli­cado, pois faltam leis globais para os crimes digitais. Precisamos de cola­boração internacional. Houve, no entanto, uma melhora nos últimos dez anos. É preciso procurar os cri­­mi­nosos. Ninguém está defendendo esses hackers, todos os querem presos. Mas as autoridades perdem muito tempo atrás de ativistas digitais, como o grupo Anonymous. Claro que eles quebram certas regras, mas devemos nos focar nas gangues virtuais, nos ladrões de informação. Quando esse problema estiver solucionado, aí sim deveríamos p­ensar em como lidar com os casos motivados por questões políticas. Agora, os ataques feitos por governos nunca serão investigados. Como são eles próprios que promovem ataques, então nunca tocarão nesse assunto.

 

DINHEIRO ? Que futuro o sr. vislumbra para questões como segurança da informação, hackers e defesa tecnológica?

HYPPÖNEN ? Os computadores e a internet estarão em todos os lugares. Tudo terá acesso à rede, da sua geladeira à sua torradeira. Isso quer dizer que todos esses equipamentos podem ser vítimas de hackers. Mas quem vai querer invadir o sistema de sua torradeira? Ninguém, exceto se for possível, a partir desse ato, se aproveitar de alguma outra maneira de seus sistemas. Um exemplo é a moeda virtual Bitcoin. Será muito perigoso se um hacker tiver acesso à sua conta eletrônica por intermédio da torradeira. Ou seja, veremos ataques que nunca sonhamos ver. Por que alguém poderia hackear seu carro? Para roubá-lo. Se o veículo estiver conectado, pode-se entrar em seu sistema, desativar o alarme e levar o veículo para casa. Veremos ataques novos e inimagináveis.