21/12/2001 - 8:00
DINHEIRO ? Sua volta a Brasília foi cercada de expectativas modestas, pois falava-se em fim de governo e o ministro do Desenvolvimento era visto como alguém que sempre perderia as brigas para a equipe econômica. Hoje, o País já tem US$ 2 bilhões de superávit comercial e deve ir mais longe em 2002. O que mudou?
SÉRGIO AMARAL ? De fato, a expectativa era muito baixa. Antes mesmo de assumir, eu quis ter um primeiro contato com os empresários para sentir como eles viam a ação do Ministério. Tive uma primeira reunião na Federação das Indústrias de São Paulo e vi que todos estavam muito céticos. Havia uma enorme frustração em relação a uma série de medidas que eles achavam importantes. Depois disso, eu disse que saía satisfeito não só pelo diálogo, mas também pelo fato de que, com expectativas tão baixas, tudo que eu fizesse seria bem recebido. Hoje, estou até preocupado, porque o Ministério fez muito e as expectativas já são muito altas. O desafio é maior de agora em diante.
DINHEIRO ? Que medidas de incentivo à exportação o sr. poderia citar?
AMARAL ? Várias. E é importante dizer que nenhuma dessas ações de apoio à exportação poderia prejudicar o esforço de ajuste fiscal. Não dá para vestir um santo para despir o outro. Mas avançamos muito. Na área de financiamento, aumentamos os recursos do Proex, com um crédito suplementar de US$ 200 milhões. Também ampliamos a cobertura do seguro de crédito à exportação de 90% para 95%. E houve uma terceira medida, a mais importante, que foi o restabelecimento do Convênio de Créditos Recíprocos, que é um processo de desconto automático pelos bancos centrais dos créditos e débitos relativos à exportação. Isso é muito importante para quem vende em prazos mais longos. Era uma demanda antiga dos empresários. Na área tributária, entrou em vigor o regulamento da exoneração de PIS e Cofins, que cobre praticamente todas as etapas do processo produtivo. E estamos também começando a trabalhar de uma forma determinada na questão do ICMS.
DINHEIRO ? O que será feito?
AMARAL ? O ICMS é o grande passo que falta dar na desoneração das exportações. É um imposto que faz uma política industrial ao contrário. Se você exporta produtos in natura, não paga ICMS. Se exporta industrializados, paga o tributo. O problema é que a restituição do imposto não está funcionando adequadamente.
DINHEIRO ? Além das questões tributárias e de financiamento, uma política industrial não ajudaria a resolver o problema da dependência externa?
AMARAL ? Estamos agindo nessa direção. A Lei de Informática é o melhor exemplo, que estava pendente há um ano e foi sancionada agora. É uma medida importante porque reduz o IPI nas transações internas e eleva o imposto nas importações. Estamos fazendo uma proteção para atrair fabricantes de componentes, mas não no modelo antigo, em que o Estado oferecia vantagens e escolhia os ganhadores. Além disso, vamos atacar as ineficiências dos portos, que representam o maior gargalo de logística no País. O fato é que as coisas estão andando.
DINHEIRO ? Mas há quem diga que o superávit de
US$ 2 bilhões em 2001 seja fruto da retração da
atividade econômica.
AMARAL ? Há um conjunto de coisas. Tem o câmbio, tem um componente de desaquecimento econômico, mas também há um fator importante, que é a percepção criada entre os empresários de que o governo aposta agora nas exportações. Isso é fundamental, porque a exportação não é mais uma troca de excedentes, mas sim uma decisão de investimento que faz parte da estratégia das grandes corporações. E mais e mais empresas estão decidindo investir para exportar. Na minha posse, o presidente deixou isso claro quando falou em exportar ou morrer.
DINHEIRO ? Qual a sua expectativa para 2002 na
área comercial?
AMARAL ? Eu não gosto de fixar metas, mas temos que fazer previsões para o balanço de pagamentos. Tanto a equipe técnica do Ministério quanto a equipe do Banco Central convergiram para um número de US$ 5 bilhões, que parece bastante razoável.
DINHEIRO ? Esse saldo seria
compatível com um crescimento mais forte da economia?
AMARAL ? Eu trabalho com uma previsão de 3% de crescimento para o Brasil e penso que é plenamente possível atingir um superávit expressivo mesmo nesse cenário. Até porque a economia mundial tende a se recuperar no segundo semestre de 2002. Há até quem diga que os Estados Unidos possam crescer 4% no fim do ano. Se isso for verdade, haverá maior demanda por nossos produtos. Até porque, num ano de recessão, nossas exportações para os Estados Unidos estão crescendo de 7% a 8%. Além disso, as vendas para a Ásia avançaram 12%. No caso do Oriente Médio, a expansão foi de 50%. No Leste Europeu, estamos falando de 80% de crescimento. Definimos um programa prioritário, que compreende sete grandes mercados: Estados Unidos, China,
México, Índia, Japão, Alemanha e Reino Unido. É onde vemos mais potencial de expansão. Para a China, por exemplo, as exportações cresceram 92% em 2001. Vamos fazer missões comerciais e descobrir novas oportunidades.
DINHEIRO ? O sr. acha que essa transformação do País numa plataforma exportadora criará as condições para um crescimento mais forte e para a redução dos juros?
AMARAL ? Não tenho dúvidas. O Brasil tem de reduzir o déficit em conta corrente. Ele tem sido o responsável nos últimos anos pela percepção de vulnerabilidade da nossa economia, aumentando os custos da captação externa e da própria taxa de juros interna. É por isso que o governo tomou medidas claras a favor das exportações. Estou convencido de que o governo Fernando Henrique construiu um quarto consenso na economia brasileira. O Brasil está sendo preparado para o século 21 em torno dos consensos de abertura da economia, da estabilidade monetária, da responsabilidade fiscal e prioridade máxima às exportações.
DINHEIRO ? Este último é um pouco tardio, não?
AMARAL ? É mais tardio, mas sempre há tempo para corrigir
rumos. A afirmação dessa necessidade foi fruto de uma nova realidade econômica.
DINHEIRO ? O ministro José Serra estava certo ao falar em Lei de Responsabilidade Cambial?
AMARAL ? São afirmações que enfatizam um objetivo. Eu também já cheguei a falar em déficit zero. Evidente que isso era uma ênfase retórica. O que eu acho é que o déficit deve ser muito baixo. Até porque existe o problema da natureza do financiamento. Se um país é financiado por investimento direto, ótimo. Mas se esse investimento não produz exportação, cria-se uma dificuldade, porque uma multinacional gera saída de capitais via remessa de lucros e dividendos. Acaba sendo um capital de risco. O que o sistema financeiro tem mostrado de forma incisiva é que temos crises com mais freqüência e mais intensidade. Por isso, não dá para depender de capitais de riscos.
DINHEIRO ? Passando ao capítulo comercial, como o sr. vê o futuro da Alca depois das condições restritivas que o governo Bush terá para negociar?
AMARAL ? O presidente Fernando Henrique foi firme e disse que o Brasil não aceitará um acordo desequilibrado. O fast track que o Congresso americano concedeu ao presidente Bush é simplesmente um manifesto protecionista, indicando as condições que os deputados querem preservar no processo negociador, quer na Organização Mundial do Comércio, quer na Alca. Qual é a conseqüência? Pode-se ter uma leitura otimista, dizendo que é apenas uma barganha e que na negociação prática eles poderão ceder em alguns pontos. Mas pode ser que as forças protecionistas americanas se manifestem no processo negociador, causando uma paralisia na OMC e retirando temas vitais para o Brasil. Nesse caso, não tem acordo.
DINHEIRO ? O Brasil pode se dar ao luxo de ficar isolado nesse processo de negociações multilaterais?
AMARAL ? Não sei se seria só o caso do Brasil. Esses pontos que estão no fast track são vitais para a Argentina e muitos outros países. O que nós vamos fazer é entrar de forma agressiva em
todos os tabuleiros de negociação, como a União Européia, a OMC, sem falar nos próprios acordos bilaterais. No caso da Alca, que absorve 50% das nossas exportações, se o acordo vier a ser equilibrado, ótimo. Mas a minha percepção é que os Estados Unidos só estarão dispostos a abrir mão do protecionismo depois que a economia voltar a crescer.
DINHEIRO ? E o Mercosul? Que futuro pode existir no bloco com uma crise tão aguda na Argentina?
AMARAL ? O Mercosul é uma opção estratégica para o Brasil. Como muitos processos de integração, hoje enfrenta-se um momento de dificuldade em razão da crise argentina. Eu sempre achei que eles só tinham mesmo duas alternativas para retomar o dinamismo: dolarizar ou desvalorizar a moeda.
DINHEIRO ? Para o Brasil, o que é melhor?
AMARAL ? Eles são responsáveis pelas decisões que fizeram e que tomarão no fututo. Mas é claro que, do ponto de vista do Mercosul, a dolarização torna mais remoto o projeto do bloco, que é de criar uma moeda comum. A desvalorização, por sua vez, cria melhores condições para se trabalhar nessa direção, harmonizando as políticas macroeconômicas dos dois países. A flutuação cambial facilita esse projeto de união monetária e o próprio fluxo de comércio.
DINHEIRO ? O que a entrada da China na OMC significa
para o Brasil?
AMARAL ? Neste ano, estamos exportando US$ 1,7 bilhão
para a China e importando US$ 1,1 bilhão. Eu me reuni com autoridades chinesas na reunião de Doha, no Catar, e ficou muito claro que os dois países têm grandes oportunidades. Não falo
apenas de comércio, mas também de investimentos diretos recíprocos e associações entre empresários nacionais e chineses. Queremos empresas brasileiras promovendo e distribuindo seus produtos por lá, contando até com apoio do BNDES, que até
poderia assumir participações minoritárias nessas joint-venture por meio da BNDESpar.
DINHEIRO ? Como o sr. vê as discussões sobre política industrial dentro e fora do governo?
AMARAL ? Eu defendo uma política industrial para o século 21. Nenhum de nós quer uma volta ao passado, com subsídios e barreiras que protejam indústrias ineficientes. Mas nós temos de aceitar a realidade do mundo. Não há país, desenvolvido ou não, que não pratique política industrial. Na Inglaterra, por exemplo, o governo concede 30% em incentivos para investimentos na Irlanda do Norte. O problema é que esse tema se transformou numa espécie de sinalização ideológica. Em vez de discutirmos as políticas, a transparência e os limites das medidas, há pessoas que, aprioristicamente, são contra ou a favor. E isso não é bom.
DINHEIRO ? O Brasil já não teria exemplos explícitos de política industrial, como o caso da Embraer, que foi até criticado por um economista do Banco Mundial?
AMARAL ? Claro, mas eu gostaria que o Banco Mundial também condenasse a substituição de importações na União Européia. No caso do café, eles colocaram uma barreira de 9% na compra do solúvel brasileiro e desenvolveram sua própria indústria. A mesma coisa os Estados Unidos fizeram com o suco de laranja. Na área eletroeletrônica, em que nós temos um déficit de US$ 8 bilhões, estamos sim fazendo política industrial, mas de forma moderna. Queremos atrair grandes fabricantes para o País.
DINHEIRO ? A sucessão presidencial o preocupa? Há riscos dessa prioridade exportadora ser revertida?
AMARAL ? Não creio. Acho que isso já faz parte da plataforma de todos os candidatos. A exportação hoje é um tema consensual no País, além da abertura, da estabilidade e da responsabilidade fiscal.
DINHEIRO ? O que o sr. achou da afirmação do candidato Luís Inácio Lula da Silva que disse que antes de exportar é preciso acabar com a fome?
AMARAL ? Não sei se ele repetirá mais essa frase.