03/12/2003 - 8:00
DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação dos hackers brasileiros?
BOB KRUGER ? São extremamente sofisticados e capazes. E isso, ao contrário do que muita gente pensa, não é um problema apenas para as empresas de tecnologia, provedores de internet e fabricantes de software antivírus. A ação dos hackers compromete o desempenho da economia de um país. Toda e qualquer companhia que utilize o meio digital para produzir, distribuir ou vender um bem é uma potencial vítima. Montadoras de automóveis e fabricantes de móveis de escritório podem ficar um ou dois dias parados por causa de um ataque digital. É por isso que todos precisam tomar uma atitude contra isso. Os hackers mancham a imagem do Brasil.
DINHEIRO ? O sr. não está exagerando?
KRUGER ? Se considerarmos que o Brasil quer ser reconhecido internacionalmente pela qualidade de seus programas, não acho que eu esteja valorizando demais. Existem muitos exemplos bem-sucedidos de softwares brasileiros em transações financeiras e banco pela internet. Esse reconhecimento já foi conseguido em grande parte lá fora. Mas ter uma fama ligada a falhas de segurança e prejuízos financeiros certamente irá trazer obstáculos para o caminho que essas companhias querem trilhar.
DINHEIRO ? Num mundo cada dia mais conectado pela internet não fica difícil coibir esse tipo de ação?
KRUGER ? Quanto maior é a população com acesso à rede, mais complicado é identificar o autor de um crime. Além disso, encontrá-lo não resolve a situação. Não raro, o infrator está em outro país, na Rússia, na África ou no Leste Europeu e a polícia de outras regiões nem sempre coopera. Mas acredito que a situação aqui deve mudar com a Alca, a Área Livre de Comércio das Américas.
DINHEIRO ? O que a Alca tem a ver com isso?
KRUGER ? Quando ela for definitivamente instalada, nosso primeiro passo será trabalhar para que países como Paraguai, Peru e Bolívia tenham uma legislação para coibir essas ações. Feito isso, teremos como punir um hacker em qualquer país que faça parte do acordo. Mexicano, chileno ou canadense, não importa. Com a Alca teremos como puni-lo. Caso o país em que ele viva não coopere, o país atingido poderá puni-lo com tarifas alfandegárias em outros setores da economia. Sob esse ponto de vista, os acordos regionais de comércio são muito positivos para a segurança digital.
DINHEIRO ? O que vocês têm feito para reduzir a impunidade?
KRUGER ? Temos coordenado diversas ações na Justiça para punir os responsáveis por crimes digitais. Quando fazemos isso, nossa intenção é passar a mensagem de que violar a legislação sai muito mais caro do que aderir a ela. Muita gente copia software e carrega músicas da internet no computador porque pensa que não corre risco nenhum. Nós queremos dizer exatamente o contrário. Um comportamento ilegal pode trazer várias conseqüências indesejáveis. No Brasil, fizemos um trabalho em conjunto com a Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) e este ano realizamos 180 ações judiciais contra a pirataria de software, que resultaram em mais de R$ 7 milhões em multas. Além disso, demos prosseguimento a aproximadamente 1 mil ações de busca e apreensão, que recolheram 987 mil programas falsificados. São números relevantes.
DINHEIRO ? Isso é suficiente para inibir a pirataria?
KRUGER ? Todas as leis do mundo de proteção à propriedade intelectual não valem nada se não tivermos o consentimento do usuário. Para conseguir isso, estamos concentrando nossos esforços em projetos educacionais. Nosso principal alvo são as crianças entre 9 e 11 anos. Elas são uma audiência importante porque usam muito a internet e ainda estão formando suas opiniões. É mais importante mostrar a importância do respeito à propriedade intelectual para elas do que para os adultos que carregam músicas da rede no computador do trabalho, que são o tipo de pirata mais comum em todo o mundo.
DINHEIRO ? Por quê?
KRUGER ? A população on-line no Brasil ainda é pequena. Apenas
10% tem acesso à internet, o que é um índice muito baixo em relação aos países desenvolvidos. Sabemos também que a adoção da tecnologia é mais intensa entre crianças e jovens, enquanto que os mais velhos têm mais resistência ao computador. Por enquanto, essa geração familiarizada com tecnologia não está interessada em copiar ilegalmente programas corporativos. Mas isso irá acontecer quando elas entrarem na faculdade e começarem a trabalhar. E quando chegar essa hora teremos um contingente on-line muito maior. É
nisso que estamos preocupados.
DINHEIRO ? O crescimento da banda larga interfere nas taxas de pirataria?
KRUGER ? Fazer o download de um software inteiro pela internet atualmente é muito difícil. Diferentemente das músicas que são pequenas e podem ser carregadas em poucos minutos, os arquivos de software são muito extensos e exigem muita paciência do pirata. Mas esse quadro irá mudar em alguns anos com a proliferação de usuários de banda larga. Por causa disso, os fabricantes de software não podem achar que isso é um problema exclusivo da indústria de música. Amanhã será um obstáculo para toda a indústria de software e para todo mundo que tem um produto sendo feito na forma digital, incluindo editoras de jornais e revistas. O livre download de arquivos na internet é algo que deve preocupar todo mundo.
DINHEIRO ? A pirataria on-line irá suplantar a venda de CDs nas ruas?
KRUGER ? Não tenho dúvidas de que isso vai ocorrer um dia. Antes do advento da internet, uma pessoa poderia abrir uma loja ilegal e começar a vender produtos ilegais. Quantos consumidores ela conseguia alcançar em um dia? Cinco mil? Dez mil? Com a internet, não há mais limite. Os produtos ficam disponíveis em qualquer cidade do mundo, 24 horas por dia, sete dias por semana. Além disso, acredito que ficará cada dia mais difícil para os desenvolvedores e artistas protegerem seus direitos de propriedade. Quando um documento é roubado numa empresa as câmeras de vigilância podem ter filmado o infrator, testemunhas podem tê-lo visto. Mas quando o crime é cometido eletronicamente não há muitas pistas. O ladrão pode estar no México, no Brasil ou no Canadá. A internet deu uma contribuição significativa para o comércio e para a educação das pessoas. Mas também possibilitou a proliferação de ações ilegais em uma escala até então inimaginável. A rede tem o potencial de transformar todos os outros tipos de pirataria em algo do passado. Esse é um cenário sombrio que temos de evitar.
DINHEIRO ? A tecnologia pode ser uma aliada?
KRUGER ? Entendo que a tecnologia
não é boa ou má por si só. Isso depen-
de de como ela é utilizada. Para se proteger da pirataria, muitas empresas
de software inseriram códigos em seus programas que só permitem o uso depois do consumidor ativá-lo pela internet. Se isso não for feito, o software trava. Contudo, a indústria ainda está hesi-
tante em adotar essa tecnologia por-
que teme incomodar seu cliente.
DINHEIRO ? A Business Software Alliance monitora sites de internet?
KRUGER ? Temos usado programas especiais para vigiar o que está ocorrendo na rede. Toda vez que aparece uma cópia ilegal de um software de um membro da nossa entidade um software, um robô, coleta essa informação e a insere num relatório. Todas as manhãs, uma equipe de investigadores colhe esse material e envia um comunicado para os sites que estão hospedando esse material irregular. Essa estratégia se mostrou muito eficiente junto aos sites de leilões. Toda vez que enviamos um alerta para o eBay, o Yahoo
ou Mercado Livre eles prontamente tiram o produto. Esse é um exemplo de que a internet pode ser eficaz no combate à venda
ilegal de programas.
DINHEIRO ? Qual é o software mais pirateado?
KRUGER ? Muitos pensam que os mais copiados são os mais caros. Mas isso não é verdade. Existe muito software barato que foi parar nas mesas dos camelôs. A principal condição para que isso aconteça é que o software seja muito usado. Quanto melhor for a sua aceitação no mercado, mais os piratas ficarão tentados em vendê-lo. Costumo brincar que, se uma empresa quer que seu software não seja pirateado, basta fazer um programa que ninguém quer.
DINHEIRO ? Existem muitos grupos organizados que copiam software ilegalmente?
KRUGER ? A pirataria é um negócio muito atraente para os grupos criminosos porque as margens de lucro são muito grandes. Não é preciso investir em pesquisa e em desenvolvimento. Esses grupos só gastam com material, que são uma parcela ínfima do custo total. Em todo o mundo, temos visto muitas evidências da atuação dessas organizações. Elas costumam trabalhar mais a aparência de seus produtos, cuidando mais da embalagem. Não estamos falando aqui do crime organizado que faz lavagem de dinheiro e atua com comércio de drogas. Este é um outro caso. Os dois tipos têm em comum a percepção de que a chance de serem pegos é pequena.
DINHEIRO ? O sr. tem esperanças com relação ao Brasil?
KRUGER ? Estamos num bom momento para agir. É muito mais difícil atacar o problema depois que ele alcança grandes proporções como nos Estados Unidos e na Europa. Como diz o ditado, depois que o gênio está fora da garrafa já é tarde demais. No Brasil, a fatia da população conectada ainda é pequena e por isso podemos agir antes que ela chegue a patamares maiores.
DINHEIRO ? Qual é o estado atual da pirataria por aqui?
KRUGER ? Hoje temos uma taxa de 55% de pirataria, mas vale lem-
brar que ela já foi de 77% oito anos atrás. Fizemos uma pesquisa em abril com o instituto de pesquisas IDC, International Data Corporation. De acordo com os dados coletados, uma redução de 10% na taxa de pirataria geraria US$ 1 bilhão em impostos e 13 mil novos postos de trabalho seriam criados. Este é um argumento importante para convencer o governo a agir.
?A internet pode ser eficaz no combate à venda ilegal de programas?
?Redução de 10%
na pirataria geraria
US$ 1 bilhão em
impostos no Brasil?