DINHEIRO ? Os Estados Unidos sempre foram considerados o porto seguro do mercado financeiro. Wall Street deixou de ser sinônimo de segurança?
ALVARO DE SOUZA ?
O grande paradigma que se quebrou no dia 11 de setembro foi exatamente esse. O ataque terrorista deixou o centro financeiro do mundo sem operar durante uma semana. Temporariamente, as pessoas vão procurar abrigo em outros lugares. Num primeiro momento, por exemplo, os investidores mais ressabiados correram para a Suíça e o franco suíço subiu, porque o país tradicionalmente adota uma postura neutra nos conflitos. O problema é que a economia local não se compara à dos Estados Unidos, e então o franco suíço caiu. Foi a mesma reação que tiveram os investidores que correram para o ouro. O ouro dá segurança psicológica. Depois as pessoas se perguntaram: onde está o ouro? Elas descobriram que os maiores depositários do mundo estão em Nova York. Acho que o novo porto seguro é uma grande área entre Estados Unidos e Europa, mas não concentrada em um único lugar. Na Europa, eu citaria Inglaterra e Alemanha, dois países de economia forte e politicamente importantes.

DINHEIRO ? O fluxo de
capitais para mercados emergentes, como o Brasil,
vai secar após os atentados?
SOUZA ?
Não acho que vai secar. Talvez seja difícil perceber isso porque ainda estamos sob o impacto do maior atentado da história. Mas os países emergentes são percebidos como lugares promissores, com alto risco e alto retorno. De um lado, as principais economias do mundo, entre elas os EUA, estão reduzindo suas taxas de juros para estimular a economia. De outro lado, as economias emergentes estão pagando juros mais altos. É claro que os emergentes são uma alternativa de investimento inexorável.

DINHEIRO ? Os investimentos terão o volume de antes?
SOUZA ?
No curto prazo, provavelmente não. Vão encolher? É claro que sim. Estima-se que há nos Estados Unidos US$ 2 trilhões investidos em money market, que são aplicações de renda fixa de curtíssimo prazo. Ou seja, esse dinheiro está parado esperando por uma definição do que vai acontecer com a política e a economia americanas. Vale lembrar que a maior parte desses investidores são fundos de pensão. E fundos de pensão têm metas atuariais a cumprir. Colocar todo o dinheiro em T-bonds ou money market não permite ao fundo de pensão das professoras de Minnesota alcançar suas metas de rentabilidade. Hoje, com certeza, esses investidores se sentem confortáveis em deixar o dinheiro parado. Mas daqui a um mês eles pegarão parte desse patrimônio para investir em bolsa ou mercados emergentes, por exemplo.

DINHEIRO ? O sigilo bancário será a primeira vítima na guerra contra o terrorismo?
SOUZA ?
A legislação sobre sigilo bancário evoluiu muito nos últimos dez anos, especialmente no que diz respeito a lavagem de dinheiro. O negócio bancário, que era encarado como um negócio secreto, passou a ser apenas privado. Após os atentados não há mais segredo absoluto. Se o governo americano solicitar a quebra do sigilo de uma conta de supostos terroristas, os paraísos fiscais vão colaborar, não tenha dúvida.

DINHEIRO ? O governo brasileiro está sendo bem-sucedido no controle do câmbio?
SOUZA ?
O governo está obviamente enfrentando problemas. É o que acontece quando você tem uma política de flutuação da moeda. Por outro lado, é justamente essa política clara que propiciou a entrada de US$ 80 bilhões em investimentos diretos nos últimos cinco anos. O dólar sobe porque o tesoureiro de qualquer empresa séria tem que se proteger contra a desvalorização, tem que fazer hedge cambial. É inevitável. O problema é que, quanto mais hedge você compra, mais a moeda sobe e mais necessidade de hedge você cria. É um círculo vicioso.

DINHEIRO ? O governo restringiu as operações em dólar dos bancos e aumentou o depósito compulsório. São medidas eficazes?
SOUZA ?
Sim. A redução da liquidez, dos limites de câmbio, tudo isso ajuda. Resta saber por quanto tempo essas medidas, por si só, serão suficientes. Veja bem, o
governo estava lidando com uma situação de instabilidade de seu vizinho de porta, a Argentina, e de repente o país com a economia mais estável do mundo, os
Estados Unidos, sofreu um ataque
terrorista. Só o tempo dirá se as medidas terão sido suficientes.

DINHEIRO ? Mas os remédios adotados até agora pelo governo não parecem fazer efeito…
SOUZA ?
Está na cara que não deu certo, porque o câmbio está a R$ 2,70, com picos de R$ 2,80. É claro que tem uma série de fatores internacionais influenciando. Mas Armínio Fraga e sua equipe não estão passivos, estão agindo. Estão tentando se defender. O que é certo e o que é errado só dá para dizer quando terminar a festa.

DINHEIRO ? O controle de câmbio seria viável para o Brasil?
SOUZA ?
O controle de câmbio é uma forma light de câmbio fixo. Vale lembrar que isso não é bem visto pelo investidor estrangeiro. Acho inadequado impor restrições cambiais num momento em que o Brasil tem uma vulnerabilidade grande na balança de pagamentos. Há seis anos, metade do dinheiro que entrava no Brasil era de capital especulativo. Hoje, são apenas 20%. Você tem de incentivar o empresário que traz investimentos para o Brasil e criar regras claras para os especuladores, isso é importante.

DINHEIRO ? O sucesso da equipe econômica neste momento de instabilidade passa por uma mexida nos juros?
SOUZA ?
O BC mexeu, indiretamente. O aumento do depósito compulsório dos bancos, indiretamente, encarece o custo do dinheiro. Foi muito engenhoso. Quando você aumenta o compulsório sobre depósitos a prazo, aumenta a taxa de juros sem mexer na taxa referencial, a Selic. A taxa primária continua igual, mas a liquidez do mercado diminui. A lei de oferta e procura não foi revogada. Se você tira liquidez do mercado, o juro vai subir.

DINHEIRO ? Mas o sr. acha inevitável mexer na taxa de juros?
SOUZA ?
O governo tem uma caixa de ferramentas para conduzir sua política econômica. Os juros são parte de seu arsenal. Se tudo isso que o BC fez até agora puder conter a alta do dólar, não há porque abrir a caixa de ferramentas. Mas se as cotações continuarem subindo, será inevitável. Não tem jeito.

DINHEIRO ? No passado, o BC norteou sua política de defesa da moeda queimando reservas. O sr. acha que as medidas adotadas hoje são mais inteligentes que as do passado?
SOUZA ?
Todo mundo que defendeu o câmbio queimando reservas se deu mal. O governo percebeu isso. O governo pode mexer nos juros? Claro, é uma das ferramentas que tem. Se a Argentina derreter, a pressão sobre os juros será insuportável. Nesse momento crucial o governo pode continuar emitindo títulos cambiais ou decidir, simplesmente, que não vai gastar um tostão. Por que não deixar o câmbio flutuar? A cada movimento de chicotada do câmbio, o governo não gasta nada e deixa o mercado fixar o novo patamar. Essa, é claro, é uma medida extrema, que só deveria ser adotada caso o pior aconteça com a Argentina.

DINHEIRO ? Que acontecerá com a Argentina?
SOUZA ?
Lamentavelmente o país está a caminho do terceiro ano consecutivo de redução do PIB. Isso, apesar das injeções de capital feitas tanto pelo FMI quanto pelo governo americano. É muito difícil prever o que vai acontecer com o país, principalmente após os ataques terroristas.

DINHEIRO ? O ministro Cavallo tomou as decisões certas?
SOUZA ?
As medidas adotadas apostam numa recuperação da economia. Tudo o que foi feito até agora, o plano zero de
déficit, depende do aumento na arrecadação e do crescimento do país. Profunda falta de sorte foi o atentado terrorista, que
empurrou a economia mundial para a beira de uma recessão. E a Argentina, que precisava desse crescimento, não o terá. A desvalorização cambial, ou seja, se livrar do regime de câmbio
fixo, deixou de ser uma alternativa. Essa saída é discutida, claro, mas não é mais ?a? solução. Há quatro meses o ministro Cavallo tinha três ou quatro botes salva-vidas para onde pular. Ele elegeu um e está difícil de se salvar.

DINHEIRO ? Agora ele não tem nenhum bote?
SOUZA ?
Eu acho que não. A Argentina, que já estava muito debilitada, ficou mais vulnerável ainda. Eles têm tudo para dar certo, mas infelizmente… São um país rico do ponto de vista de recursos minerais, com uma população bem educada, com uma agricultura espetacular. Não vou cair no chavão, no lugar comum, e dizer que eles vão quebrar. De fato os seus indicadores, segundo os critérios de solvência internacionais, são muito ruins. Mas os caras têm uma fibra, uma resistência que evitou que jogassem a toalha até agora.

DINHEIRO ? O que o sr. faria se fosse o ministro da economia da Argentina?
SOUZA ?
Como as eleições mostraram, o problema na Argentina é político, e não econômico. Para o mal ou para o bem, o país é liderado por um presidente que não tem apoio da coalizão que o elegeu. Politicamente fraco. Cada passo que ele dá tem que ser negociado. Eu vejo o problema econômico da Argentina, mas o embasamento é um problema político da maior gravidade.

DINHEIRO ? Então a saída do ministro Cavallo seria um desastre?
SOUZA ?
Na medida em que a Argentina continua nessa via crucis, sem solução visível, a possibilidade de troca política e econômica existe. Se você está doente, está fazendo tudo que o médico manda e não melhora, um dia troca de médico. Não tem jeito.

DINHEIRO ? Pode haver moratória?
SOUZA ?
Não acredito em moratória. Não acredito que nenhum país que esteja inserido no mercado de capitais declare moratória unilateral e não negociável. Todo mundo perde. No curto prazo perdem os investidores, no longo prazo perde o país. O Brasil já cometeu esse erro e por isso paga spreads altos até hoje. Com as ferramentas que o mercado de capitais oferece, por que não renegociar a dívida?

DINHEIRO ? Qual a sua opinião sobre a proposta de anistiar o dinheiro que os brasileiros têm ilegalmente no exterior como forma de combater a alta do dólar?
SOUZA ?
Eu já vi países fazerem isso. O México fez isso logo após a moratória. Deu uma anistia parcial para investidores com dinheiro, legal ou não, no exterior. No México, a experiência fracassou. O problema é que o dinheiro que está no exterior reage a duas variáveis: taxa de juros e segurança. Enquanto não tiver segurança, pode dar a melhor vantagem do mundo que ninguém traz de volta. No caso do Brasil, pode ser uma idéia interessante. Para quem mandou o dinheiro para fora com o câmbio a R$ 1,70, trazê-lo de volta a R$ 2,70…