14/05/2003 - 7:00
DINHEIRO ? A Vale decidiu comprar 50% da Caemi por US$ 426 milhões e essa operação parou na Comissão de Valores Mobiliários. É uma aquisição cara?
AGNELLI ? Essas informações a respeito do preço saíram de
forma não autorizada. Mas hoje não há mais analistas que
questionem o valor e o movimento estratégico que está sendo tomado pela Vale do Rio Doce. Também não há acionista nenhum questionando esses aspectos.
DINHEIRO ? Mas não há uma denúncia formal na CVM?
AGNELLI ? Uma denúncia de um acionista minoritário.
DINHEIRO ? Do Opportunity, de Daniel Dantas?
AGNELLI ? Uma empresa do grupo Opportunity que diz que o preço é US$ 100 milhões acima do que foi pago dois anos atrás, quando a Vale comprou outros 50% da Caemi. Mas agora a operação é diferente. Estamos comprando 50% das ordinárias e 40% das preferenciais. O preço por ação de hoje é o mesmo de dois anos atrás. Há um outro detalhe. O valor que nós pagamos no passado, de fato, foi agressivo, porque um de nossos concorrentes, a australiana BHP, estava na disputa. E se a Caemi vale aquilo para a BHP, vale algo mais para a Vale, uma vez que nós temos sinergias que eles não têm. Além disso, há um outro ponto. De 2001 para cá, a China vem crescendo de forma surpreendente. E a demanda por minério transoceânico, que é o que nós vendemos no mercado internacional, explodiu. Portanto, o preço pago foi plenamente justificado.
DINHEIRO ? Fala-se que haveria um conflito de interesses nessa operação. Isso porque a Vale compra a Caemi da Mitsui, que por sua vez adquire participações no controle da Vale em poder da Bradespar e da Previ. Uma alegação é que o caixa da empresa estaria sendo usado para favorecer sócios controladores.
AGNELLI ? Não há conflito de interesses. Há convergência de interesses. Temos plena confiança na Mitsui. Os japoneses nos ajudaram demais quando fizemos o projeto Carajás. Também nos ajudaram a viabilizar a indústria de alumínio. E eles têm acesso ao banco de fomento japonês, que nos auxilia a obter capital de longo prazo. A Mitsui é a ponta de lança do relacionamento japonês com o mundo externo. Eles são um parceiro importante, muito bem-vindo no capital da Vale do Rio Doce. O conflito de interesses não existe com a Mitsui. Existe do lado de lá.
DINHEIRO ? De que lado? Do Opportunity?
AGNELLI ? O acionista que pensa no curtíssimo prazo, que só quer saber de dividendo, sempre questiona uma operação. Sempre que você faz uma aquisição, ele logo pensa no bolso dele e diz: ‘Vai faltar dinheiro para pagar o meu dividendo?’ Qual é o objetivo do grupo Opportunity? Será que é buscar liquidez para as suas ações? Ou imaginar que os dividendos poderiam ser prejudicados no curto prazo?
DINHEIRO ? Isso não é legítimo?
AGNELLI ? Não estou dizendo que não é legítimo. O que não é legítimo é a forma de usar informações privilegiadas. Vamos ver por quanto tempo eles estão dispostos a continuar na Vale. O sócio japonês, ao contrário, sempre pensa no longo prazo. Além disso, antes da Mitsui, quem estava no controle da Valepar era um de nossos maiores concorrentes. Era a BHP Billliton, que tem interesses conflitantes conosco. É incompatível ter a terceira maior mineradora do mundo dentro da maior mineradora de ferro do mundo.
DINHEIRO ? A Mitsui terá que poder de veto nas decisões da Vale?
AGNELLI ? Eles terão 15% no bloco de controle, sem nenhum poder de veto.
DINHEIRO ? Não se diz que isso contraria o espírito da privatização porque coloca um representante dos compradores de minério dentro da maior exportadora brasileira?
AGNELLI ? Eles são apenas uma trading. Quem levanta essa tese desconhece a verdade sobre o nosso negócio.
DINHEIRO ? Uma trading que compra para as siderúrgicas japonesas, não?
AGNELLI ? Eles já estavam num outro consórcio da privatização. Iriam entrar na Vale junto com o grupo Votorantim. Dizem que ter a Mitsui é conflitante. Não tem nada pior do que ter um concorrente como acionista, que era a situação anterior. E só a Mitsui tinha um ativo tão bom quanto a Caemi, que está sendo agregado a todos os acionistas da Vale.
DINHEIRO ? Qual é o estágio da apuração na CVM sobre
o valor do negócio?
AGNELLI ? A CVM está investigando o vazamento da informação, que é grave. Saíram notícias sobre a compra antes da divulgação oficial da empresa. A negociação ainda estava em andamento e isso atrapalhou muito.
DINHEIRO ? O caso será analisado por órgãos antitruste internacionais?
AGNELLI ? Encaminhamos o assunto aos organismos antitruste da Comunidade Européia. A compra depende do aval das autoridades regulatórias européias porque haveria concentração no fornecimento de minério para as siderúrgicas deles. Mas a nossa expectativa é que o assunto seja rapidamente aprovado porque todas as dúvidas foram sanadas quando compramos a primeira metade da Caemi.
DINHEIRO ? A concentração de mercado não é um problema
para os clientes?
AGNELLI ? As siderúrgicas precisam de empresas fortes, capitalizadas, capazes de garantir a qualidade e um bom suprimento no médio e longo prazo. A concentração em si não é um problema. Nós temos outros dois grandes concorrentes australianos que são fortíssimos: a BHP e a Rio Tinto. Além disso, do outro lado da mesa, na siderurgia, também tem havido uma concentração muito forte.
DINHEIRO ? Há exemplos?
AGNELLI ? A Arcelor é um deles. É um fusão entre Usinor, Arbed e Arceralia. Um único grupo produz duas vezes o que o Brasil produz e compra uma quantidade enorme de minério de ferro.
DINHEIRO ? Essa concentração não levará à fusão das
siderúrgicas brasileiras?
AGNELLI ? O fato é que as nossas aquisições são no melhor interesse da Vale do Rio Doce, do Brasil e dos nossos clientes aqui no País. Quando a Vale foi privatizada, estimava-se que as reservas durariam 20 anos. Quando fizemos as aquisições de empresas como Socoimex, Samitri, Ferteco e Caemi, isso nos permitiu otimizar toda a nossa operação. Agora, em alguns casos, as reservas chegam a até 60 anos. E nós compramos minas de empresas siderúrgicas estrangeiras, como Arbed e Thyssen, que precisavam se capitalizar. Portanto, podemos garantir um suprimento maior de matéria-prima para a siderurgia brasileira. Antes de nós, a prioridade das mineradoras era garantir o suprimento aos seus antigos donos. Não mais. Mas a siderurgia brasileira precisa ganhar escala e nós somos parceiros nesse esforço. Quanto mais aço for produzido aqui, mais valor agregado haverá nas exportações.
DINHEIRO ? Quais são os investimentos prioritários da Vale do Rio Doce?
AGNELLI ? Estamos batendo recordes consecutivos de produção e de produtividade em todas as operações da Vale do Rio Doce, o que irá se repetir em 2003. Nos próximos cinco anos, investiremos US$ 6 bilhões. É o maior investimento privado da América Latina.
DINHEIRO ? Em que serão aplicados os recursos?
AGNELLI ? Aumentar a capacidade de produção e de exportação. Vendemos no ano passado US$ 5 bilhões, dos quais 85% no mercado externo. É razoável esperar um crescimento da ordem de 10% neste ano. E não só no minério de ferro. Hoje o Brasil é importador de cobre. Em pouco tempo, seremos também exportadores. Em Minas, estamos criando a maior mina de bauxita do mundo. Vamos ser uma das maiores mineradoras diversificadas globalmente. Isso vai resultar na redução do nosso custo de capital, no aumento da geração de divisas e no desenvolvimento regional. No Pará, em Minas, no Espírito Santo, no Maranhão e na Bahia, existem mais de 20 mil empregos sendo gerados por empresas que prestam serviços para a Vale.
DINHEIRO ? Vocês estão construindo usinas de energia?
AGNELLI ? Estamos investindo em várias usinas hidrelétricas e duas delas serão concluídas neste ano. Queremos garantir um suprimento constante, a preços razoáveis. Até o fim da década, vamos dobrar o consumo de energia da Vale e nossa geração própria irá atender 50% do total. Outra prioridade é a logística, condição essencial para a expansão da mineração no Brasil.
DINHEIRO ? O investimento em mais ferrovias pela Vale não enfrenta problemas regulatórios?
AGNELLI ? O governo impôs algumas restrições ao volume de participações e nós já estamos no limite. Na privatização, tentou-se pulverizar o controle das ferrovias. Mas cometeu-se um erro porque esse setor é um monopólio natural. Ninguém constrói uma ferrovia ao lado da outra. Essa pulverização não eliminou monopólios regionais e fragilizou as empresas concessionárias. Os acionistas atuais não tiveram e nem terão retorno rápido nesse negócio. Nós, ao contrário, temos uma visão de longo prazo e queremos investir. Por isso, estamos buscando a permissão do governo para ampliar as nossas participações acionárias. Já somos um dos maiores transportadores de soja do País e as ferrovias são cruciais para evitar o caos no transporte rodoviário.
DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação sobre os primeiros meses do governo Lula?
ROGER AGNELLI ? O sucesso inicial do governo petista é uma prova da consolidação da democracia no Brasil. E o presidente Lula tem feito tudo aquilo a que se comprometeu fazer durante a campanha presidencial. O mundo inteiro está percebendo que se o governo Lula der certo, o Brasil dispara e definitivamente sai dessa situação de ficar patinando durante anos. Já fizemos muitas reformas e pagamos um preço muito bom para chegar até aqui. Agora falta pouco e Lula já entregou as reformas tributária e da Previdência. Se elas foram aprovadas, o Brasil dará um tremendo salto de qualidade. Tanto é claro que esse é o caminho que o dólar caiu, o risco-Brasil desabou e os investidores voltaram. Além disso, a auto-estima do brasileiro melhorou muito, assim como a confiança externa. Estou extremamente otimista porque Lula sabe o que deve ser feito.