DINHEIRO ? A crise política vai contagiar a economia?
EMILSON ALONSO
? Não creio. Como os fundamentos da economia estão fortes, a percepção que temos hoje no mercado é que essa é uma crise política, mas não uma crise institucional. A figura do presidente da República está, até o momento, preservada. O mesmo se dá com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O que o mercado financeiro internacional olha são os fundamentos da economia. E o presidente Lula tem um compromisso muito forte com a política econômica, que está funcionando e que tem mantido as condições de percepção do mercado positivas. Até agora não houve contaminação. E não esperamos que haja contaminação.

DINHEIRO ? A crise atual acabou antecipando as discussões sobre as eleições presidenciais do ano que vem. Isso não é um sinal de que 2006 será um ano difícil?
ALONSO
? Estamos entrando em 2006 bem melhor do que entramos em 2002 do ponto de vista macroeconômico. Houve uma continuidade nesses últimos anos da política econômica e não se espera que alguém vá chegar aqui e fazer proselitismo com o chapéu dos outros. Espera?se que haja a continuidade mínima de alguns fundamentos. O atual governo, do ponto de vista macroeconômico, é mais conservador do que o anterior. Uma nova eleição traz uma certa flexibilidade ao governo para aprovar algumas reformas que são cruciais, como a tributária, a previdênciária e a trabalhista.

DINHEIRO ? Com as CPIs no Congresso, o sr. acredita que dá tempo para fazer alguma reforma?
ALONSO
? Neste ano, não. Algumas coisas pontuais e pequenas podem até sair. Talvez essa crise atual gere a urgência de uma reforma política. Mas não acredito em uma grande agenda neste ano. Até porque a agenda econômica pode ficar um pouco prejudicada em função do calendário político. Mas 2006 será um ano de debates, de discussões, uma luta férrea dos partidos políticos para fazer o próximo presidente da República. Só que no Brasil, não tem jeito, tem de fazer alianças. Sem aliança não se elege um presidente.

DINHEIRO ? O sr. acha que a crise política pode influenciar o comportamento das taxas de juro?
ALONSO
? O Banco Central tem um comportamento independente, mas a crise política pode acelerar o início da queda da taxa básica de juros, o que é bom. Falta espaço para novos aumentos. As taxas de inflação estão caindo. Todos os índices mostram isso. Por isso, não acredito que o Copom tenha espaço para aumentar os juros.

DINHEIRO ? O BC não esperou demais para interromper as altas dos juros?
ALONSO
? O Banco Central tem a missão de defender e preservar a moeda. Mas só a política monetária não é suficiente para controlar a inflação. O fato de termos deflação é provocado pela taxa de câmbio, que levou os índices para baixo. Mas só a política monetária é insuficiente. A política fiscal também é importante. O governo está olhando com mais cuidado para a contenção dos gastos públicos e para tirar o Estado um pouco fora da economia. A redução da taxa de juros e a contenção dos gastos públicos vão fazer com que a iniciativa privada se anime a fazer investimentos e gerar mais emprego e renda.

DINHEIRO ? Se só a política monetária não resolve, como o senhor avalia o apego do governo às taxas de juro?
ALONSO
? A taxa de juro, sozinha, não faz a inflação cair. Nesse sentido, ela é inócua. O que ajudou dramaticamente na queda da inflação foi o câmbio. O governo elevou as taxas de juro a níveis tão altos que o câmbio caiu. Daí, os índices de inflação mudaram de direção. Alguns indicaram até deflação.

DINHEIRO ? Mas até quando o câmbio vai ficar nesse nível atual?
ALONSO
? Enquanto a percepção dos mercados for de que a taxa de juro vai ficar no nível atual, o câmbio se mantém. Se, em agosto, a taxa de juro cair, o câmbio começa a se recuperar. Se chegar naquele ponto mínimo, o investidor já pensa que está na hora de comprar dólar de volta, de investir, de exportar. Esse movimento faz com que a taxa de câmbio aumente.

DINHEIRO ? Mesmo com as altas taxas de juro, temos visto que os investidores estrangeiros estão deixando a Bolsa de Valores. Há chance desses investidores voltarem ainda neste ano?
ALONSO
? O que há é um movimento misto dos estrangeiros. Alguns saem, outros entram. E entram na renda fixa, que é praticamente imbatível. Quando a Bolsa bateu em 24 mil pontos, os estrangeiros voltaram. Aí, quando chega a 26 mil pontos, eles realizam os lucros. O índice abaixa, alguns voltam. Quando sobe, eles realizam. É um movimento especulativo.

DINHEIRO ? Pelo visto, 2005 será mais um ano de investimentos em renda fixa?
ALONSO
? Acho que sim.

DINHEIRO ? E como será 2006, com as eleições a caminho?
ALONSO
? Acho que também será da renda fixa. O cenário político atual jogou incertezas no quadro político de 2006. Se há três meses a eleição do presidente Lula era dada como certa, hoje há dúvidas. Enquanto esse quadro eleitoral não se esclarecer, haverá um pouco de instabilidade. Nesse cenário, a renda fixa é uma alternativa.

DINHEIRO ? Qual seria a taxa de juro ideal, que desse equilíbrio à economia e satisfizesse os banqueiros?
ALONSO
? A taxa de juro no Brasil pode ser muito mais baixa. Até porque os banqueiros têm posições relativamente pequenas a mercado. É o investidor em fundos que se alimenta desses juros. Os aumentos das taxas de juro são ruins para a economia real e para nós, bancos. Nosso negócio não é emprestar dinheiro para o governo, mas para pessoas físicas e jurídicas. Acho que poderíamos trabalhar com juros reais entre 4% e 5% ao ano, mais uma inflação anual de 6%. Ou seja, uma taxa de juro de 10% a 12% ao ano seria razoável. Agora, sair de 19,75% ao ano para 12% ao ano seria uma confusão. Tem que se fazer isso com uma transição lenta e adequada.

DINHEIRO ? Quais os impactos dessas questões políticas e macroeconômicas no resultado dos bancos?
ALONSO
? Vai depender dos desdobramentos. Seguindo esse cenário de crescimento de 3% do PIB, acho que os bancos terão um bom ano. Há uma nova onda de crescimento do crédito. A economia brasileira tem uma possibilidade de crescimento da relação crédito-PIB muito grande. Hoje estamos na casa dos 30% e podemos dobrar isso nos próximos dez anos. Os grandes bancos que estão no crédito vão se beneficiar. Se esse quadro se deteriorar, a crise vem pela inadimplência. Se as pessoas não pagam, aí poderemos ter perdas. No médio prazo, o grande desafio do sistema financeiro é a redução das taxas de juros. Hoje há uma troca muito grande de créditos de alto custo por créditos de baixo custo, como o empréstimo consignado.

DINHEIRO ? O sr. teme uma nova onda de inadimplência no Brasil, como aquela que veio logo depois da implantação do Plano Real?
ALONSO
? Não sei se tão grave, mas haverá uma onda de inadimplência, que vai nos custar caro. O ambiente de inadimplência em 2005 é pior que o de 2004. Quando se tem geração de emprego e renda, as pessoas se endividam. Na hora em que o emprego não cresce na mesma proporção, o cidadão deixa de fazer dívidas. E a inflação corrói o rendimento do trabalhador. Se ele perde o emprego, não faz novas dívidas e não paga as antigas. Espero que no segundo semestre, com a recuperação da economia, a inadimplência melhore um pouco.

DINHEIRO ? O HSBC foi o primeiro banco a ampliar o horário de atendimento no país. Por que as outras instituições não acompanharam?
ALONSO
? Copiei essa idéia do HSBC do México, onde somos a única instituição que abre das 9h às 18h. E abrimos sábados e domingos lá também, mas isso ainda não conseguimos. Quando implantamos esse modelo aqui, sabíamos que nem todos iriam nos seguir. Além da estratégia de cada banco, tem o processo operacional dentro da agência. A nossa agência nos permite fechar o caixa às 18h e o malote da compensação passar às 18h15. Outros bancos têm diferentes tipos de processamento que demandam mais tempo dentro da agência.

DINHEIRO ? A ampliação do horário de atendimento não aumentou seus custos?
ALONSO
? Meus custos aumentaram R$ 1.500 por agência que teve o horário ampliado em função dos dois turnos de trabalho. Não pagamos hora?extra. Em compensação, minha arrecadação de títulos e tributos aumentou 20%.

DINHEIRO ? O banco ganhou mais clientes por causa dessa estratégia?
ALONSO
? Sim. Se pegarmos nossas agências normais, o crescimento médio de clientes foi de 10%. Já nas agências com horário ampliado o aumento foi de 20%. As transações cresceram de 25% a 30%.

DINHEIRO ? O sr. acha necessário exigir do presidente Lula uma nova Carta ao Povo Brasileiro, como tem sido sugerido por alguns setores?
ALONSO
? Acho que não. Naquele momento, a Carta ao Povo Brasileiro foi para se estabelecer um pouco mais o espírito de alianças. Agora, o governo será avaliado pelo que fez durante os seus quatro anos. Quem não está no poder, mas quer entrar, faz um programa. Agora, quem já ficou no governo, tem o que mostrar.

DINHEIRO ? Que nota o sr. dá para o presidente Lula?
ALONSO
? Dou uma nota seis. A parte econômica foi muito sólida. Precisamos dessa economia sólida para atrair investimentos, para gerar emprego e melhorar a qualidade de vida da população. Não tem como fazer o contrário. Não tem como fazer gasto público a mais como forma de melhorar a situação do povo brasileiro. Isso é proselitismo. A conta vai sobrar para a sociedade e ela não tem mais como pagar. Por isso, dou uma nota de seis para cima. Evidentemente, tenho tristeza por essas denúncias de corrupção, que têm de ser apuradas.

DINHEIRO ? Nota seis dá para passar de ano?
ALONSO
? Sim, passa. Dá até para ser reeleito.