24/08/2005 - 7:00
DINHEIRO ? A política econômica é eficaz?
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN ? Gosto muito da política fiscal e de algumas medidas microeconômicas que ajudaram a melhorar o ambiente dos negócios do Brasil. Mas pela política monetária não tenho a mesma simpatia.
As taxas de juros no Brasil são excessivas. O Banco Central não tem levado em conta o custo fiscal dessa política. Eu não ficarei surpreso se o custo real da dívida (os juros que são pagos menos a inflação) exceder os 5% do PIB neste ano. O esforço fiscal terá sido em vão.
DINHEIRO ? Esses 5% superam a meta de superávit, de 4,25% deste ano.
SCHEINKMAN ? É. O BC fará com que todo o superávit vá embora e ainda falte. Os juros irão engolir a poupança.
DINHEIRO ? O Banco Central está jogando o esforço fiscal pela janela?
SCHEINKMAN ? É isso mesmo. E isso faz com que o objetivo do superávit, que é reduzir a relação dívida/PIB, não seja atingido.
DINHEIRO ? O Brasil precisa ter a taxa de juros mais alta do mundo?
SCHEINKMAN ? Em termos reais não sei se continua sendo a mais alta. O fato é que o BC perdeu muitas oportunidades para cortar o juro. Ele já poderia estar bem menor.
DINHEIRO ? Qual seria o juro adequado para o Brasil?
SCHEINKMAN ? É difícil responder, mas com certeza seria muito inferior ao atual. No médio prazo, deveríamos almejar uma taxa real de no máximo 7%, o que equivale a uma Selic em torno de 13% ou 12%, dependendo do ritmo da inflação.
DINHEIRO ? Mudar a meta de inflação pode ajudar?
SCHEINKMAN ? Talvez, mas o grande problema é como se implementa essa meta. É preciso ter um modelo que mensure como a inflação impacta a economia e só depois determinar um índice correto. Esse índice teria de excluir os preços administrados e fixados no exterior, como petróleo e algumas commodities. Só isso faria com que a inflação brasileira fosse menor hoje e possibilitaria uma política monetária menos apertada.
DINHEIRO ? O ex-ministro Delfim Netto propôs o déficit nominal zero. O que o sr. achou da proposta?
SCHEINKMAN ? A idéia de se ter um déficit nominal zero quer dizer que o pagamento do juro terá de ser compensado no superávit primário. E isso significa dar ao Copom a decisão sobre gastos e impostos gerais. Não conheço país que tenha feito isso. E eu não seria favorável a isso.
DINHEIRO ? O sr. não gosta da idéia?
SCHEINKMAN ? Não consigo entender como isso se implementaria na prática. Uma forma seria o Copom fixar o juro onde quiser e o resto da economia se adaptar para fazer um déficit nominal zero. E creio que isso não é desejável, não valeria a pena.
DINHEIRO ? A política monetária prejudica a economia?
SCHEINKMAN ? Ela traz muitas distorções, entre elas essa taxa de juros absurda. Isso, evidentemente, torna muitos projetos de investimentos inviáveis. Além do impacto negativo na política fiscal e na taxa de câmbio. O Brasil destoa do ciclo mundial de taxa de juros. Quase todos os países estão com taxas reais muito baixas em relação a seus próprios níveis históricos. A do Brasil é incomparável com qualquer país do mundo, só perde para o juro do próprio Brasil, na época de implantação do Plano Real.
DINHEIRO ? O real precisa se apreciar?
SCHEINKMAN ? Esse câmbio reflete a política de juros, que atrai muito capital.
DINHEIRO ? Um controle de capitais pode ser alternativa?
SCHEINKMAN ? Preferiria muito mais uma queda na taxa de juros do que um controle de capitais, que só traria mais distorções para a economia brasileira.
DINHEIRO ? A crise política já começou a prejudicar a economia?
SCHEINKMAN ? Indiretamente sim. Um exemplo é a elevação do salário mínimo pelo Senado, que foi para R$ 384 na última semana.
DINHEIRO ? Mas esse aumentou foi vetado pela Câmara.
SCHEINKMAN ? O bom senso ajudou, mas o grande problema desse reajuste não seria o custo. Ao tomar a decisão, os senadores não pensaram nos reflexos para a economia como um todo e que iria além do custo fiscal. Tem a queda da confiança e uma piora no nível de informalidade, que deprime a nossa produtividade e empobrece o País. Medidas desse tipo podem acontecer de novo a qualquer momento.
DINHEIRO ? A informalidade é outro problema sério e que o governo parece não encontrar solução?
SCHEINKMAN ? Para acabar com ela é preciso diminuir a burocracia, principalmente para a abertura de novos negócios. No Brasil é difícil se manter legal. Essa burocracia, que existe supostamente para nos proteger, acaba tendo efeito inverso. O empresário brasileiro enfrenta mais obstáculos para abrir e manter um negócio que o australiano ou o canadense. A justificativa é proteger o consumidor. Mas, evidentemente, o consumidor do Brasil não é mais protegido que o do Canadá ou Austrália. Então, não funciona.
DINHEIRO ? O que mais?
SCHEINKMAN ? Há também o problema dos impostos. Precisamos de uma reforma tributária que reduza impostos para o setor legal e que cobre mais das pessoas que não pagam. Falta fiscalização e a racionalização do sistema.
DINHEIRO ? O sr. acha que o Brasil vai continuar batendo recordes de exportações com o dólar a R$ 2,30?
SCHEINKMAN ? O saldo da balança comercial é bastante positivo e segue a despeito do câmbio. Mas eu acho que economia brasileira poderia ter menos barreiras às importações. Isso causaria um aumento do volume global do comércio e da participação do Brasil nele. Mas enquanto isso não acontece, exportar muito é uma boa noticia.
DINHEIRO ? O PIB deve crescer no máximo 3,5% este ano. Será a menor taxa entre os emergentes. O Brasil está desperdiçando um momento favorável da economia mundial?
SCHEINKMAN ? Estamos num período surpreendente. O ano de 2004 foi um dos melhores anos da economia mundial e, em 2005, a desaceleração esperada não se confirmou. Os EUA e a Europa estão crescendo. Sem falar da Ásia, México, Canadá. A China tem puxado a expansão de outros países. O Brasil, é claro, deveria estar crescendo mais.
DINHEIRO ? Quando o País perdeu esse bonde do crescimento?
SCHEINKMAN ? Quando o foco do ajuste fiscal foi centrado na contenção dos investimentos em infra-estrutura. O ajuste deveria ter sido focado em outros gastos. O Brasil arrecada em torno de 38% do PIB em impostos. O superávit primário é de 4,25%. Onde países que têm esforço semelhante estão gastando? Coréia e Chile, por exemplo, gastam menos de um terço do PIB nessa conta e fornecem serviços adequados.
DINHEIRO ? O Brasil arrecada muito e gasta mal?
SCHEINKMAN ? Apesar de arrecadarmos mais de 30% do PIB, não conseguimos cumprir os investimentos mínimos e básicos em educação e infra-estrutura.
DINHEIRO ? O problema é o foco?
SCHEINKMAN ? O problema é que não há foco em nada. O governo torra muito em gastos correntes. Precisaria haver um enxugamento da máquina, no gasto de custeio. É nisso que gastamos mais do que outros países e mais do que deveríamos.
DINHEIRO ? O sr. foi um dos criadores da chamada ?Agenda Perdida? na eleição de 2002, duramente criticada pelo PT. Como o sr. recebeu aqueles ataques?
SCHEINKMAN ? O problema das críticas de militantes petistas como o Guido Mantega e a Maria da Conceição Tavares não era a agressividade, mas a preguiça de seus autores. Eu vivo no meio acadêmico americano e estou acostumado a lidar com embates muito fortes o tempo todo. Nenhum deles apontou uma justificativa empírica para provar que determinada proposta não funcionava.
DINHEIRO ? Foi muito criticado o ponto que propunha a focalização dos gastos sociais. Dizia-se que isso acabaria com o sistema de ensino e de saúde do País.
SCHEINKMAN ? Precisamos de uma visão global, sem deixar de discutir programa a programa. Em certos casos, sai mais barato fazer um projeto universal. Agora, dizer que temos um programa universal de educação é falso. A educação universitária, por exemplo, é focalizada no grupo das pessoas mais ricas, que tiveram acesso a escola particular no ensino primário e fundamental. Isso está certo?
DINHEIRO ? O sr. aceitaria um cargo no governo?
SCHEINKMAN ? Eu sou muito feliz no que eu faço. Tenho uma vida muito boa nos EUA. A situação de um acadêmico americano é muito especial . Temos tempo para pensar, pesquisar e é isso que eu gosto de fazer. Eu penso muito no Brasil, mas não penso em sair dos EUA.
DINHEIRO ? E se o presidente fosse Ciro Gomes, em quem o sr. votou em 2002?
SCHEINKMAN ? Mesmo assim, prefiro participar do debate ao meu modo. Sobre a próxima eleição, nem sei quem são os candidatos.
DINHEIRO ? Qual sua opinão sobre o governo Lula?
SCHEINKMAN ? Houve avanços na área econômica comandada pelo ministro Antonio Palocci. A Lei de Falências, a reforma previdenciária, as medidas microeconômicas. O longo prazo nunca foi tão focado como nesse governo, o que é muito bom. No resto, tenho a sensação de uma grande paralisia. Talvez seja a minha impaciência, a mesma que aflige todos os brasileiros.
DINHEIRO ? Qual sua expectativa para o futuro?
SCHEINKMAN ? É difícil fazer projeções sobre o Brasil. Nunca sabemos o que vai acontecer nos próximos cinco meses