25/01/2006 - 8:00
Alexandre Accioly: O U2 é sua estréia no circuito mundial das megaturnês
Seria patético ser bom na música e mau nos negócios.? A frase é de Paul McGuiness, empresário com sobrenome de marca de cerveja e livro de recordes, braço direito do U2 desde o início da banda. Não é mera retórica. Soa como refrão das apresentações dos irlandeses liderados por Bono Vox em São Paulo, nos próximos dias 20 e 21 de fevereiro. Dita também o ritmo dos Rolling Stones de Mick Jagger, com show previsto para 18 de fevereiro na Praia de Copacabana, público estimado em 1,5 milhão de pessoas e investimentos de R$ 10,6 milhões. Música e negócios, eis o tom do verão mais rock?n?roll dos anos 2000.
Luiz Carlos Niemeyer: Os Stones marcam sua volta aos grandes shows
O desembarque das bandas celebra a definitiva entrada do Brasil em um mercado bilionário. Relatório da PricewaterhouseCoopers mostra que o setor de entretenimento faturou US$ 1,3 trilhão em 2004, valor que deve alcançar US$ 1,8 trilhão em 2009. Em 2005, apenas o mercado fonográfico mundial alcançou US$ 39,7 bilhões. Os megaespetáculos baterão nos US$ 19 bilhões.
Um mergulho nas cifras do U2 e dos Stones demonstra que, nesse circuito, eles são os campeões. Apenas com a venda de ingressos, a turnê Vertigo, do U2, rendeu US$ 260 milhões no ano passado. Com 110 apresentações, já foi assistida por mais de 3 milhões de pessoas. Os Stones rolam com números também impressionantes para uma turma de históricos sessentões. A excursão Bigger Bang World Tour teve lotação esgotada nas 40 apresentações realizadas desde agosto de 2005, com renda de US$ 162 milhões. O Brasil, a partir de fevereiro, fará parte da estatística. Os responsáveis por trazê-los a terras tropicais são os empresários cariocas Luiz Oscar Niemeyer e Alexandre Accioly. Juntos, eles cuidam do U2 (e também dos escoceses do Franz Ferdinand, que abrirão a festa). Niemeyer assina sozinho os Stones.
A era do iPod: União com a Apple de olho no futuro
Convencer Bono e a trupe a voar para o Brasil foi complicado. ?O valor arrecadado por aqui nunca será equivalente ao que essas bandas ganham tocando em casa?, avalia Niemeyer. ?O preço do ingresso não se equipara?. Uma entrada nos EUA custa cerca de US$ 300. No Brasil, chega aos US$ 50. Matematicamente é correto, mas é raciocínio que esconde as diferenças de renda em cada país. ?Além disso, há o custo de transportar toda a infra-estrutura para cá?, acrescenta Niemeyer. No caso do U2, serão 400 toneladas em quatro Boeings.
O contrato com o U2 foi acertado depois de sete meses. Os dois produtores brasileiros competiam entre si para trazer a banda antes de selar a união. Na versão de Accioly, o jogador Ronaldo ajudou a seduzir Bono. O atleta viajou com o empresário à Dinamarca apenas para pedir ao cantor que viesse ao Brasil. Niemeyer sorri e diminui a importância dessa aproximação. ?Assim como Ronaldo não trocaria o Real Madrid por um time da Irlanda porque o Bono pediu, o U2 também não decidiu tocar no Brasil só porque houve o aceno do Ronaldo?, diz. ?Tudo foi fruto de uma boa negociação.? Negociação que envolveu grandes patrocínios. Pão de Açúcar, BenQ (braço de celulares da Siemens) e Claro compraram o U2. Motorola e Claro, novamente, bancam os Stones. ?Além de dar visibilidade à empresa, um show gera renda extra com distribuição de conteúdo?, diz Marco Quatorze, diretor de serviço de valor agregado da Claro.
Confusão: 100 mil pessoas para 73 mil ingressos
Tudo corria bem até a segunda-feira da semana passada ? a Monday Bloody Monday, como brincaram os fãs de Bono em referência a um clássico da banda. Naquele dia, a venda de ingressos transformou-se numa batalha. ?O U2 parece uma religião?, espantou-se Accioly diante da confusão. Mais de 100 mil pessoas acotovelaram-se nos 12 postos de venda do Pão de Açúcar. O site Ticketronics saiu do ar. Foi o caos, resultado de uma antiga regra econômica: havia mais procura que oferta. Mas a barafunda serviu de lição (leia artigo à pág. 87). Há, agora, uma louvável gestão de crise. Na próxima sexta-feira, os organizadores anunciarão as novas regras para a compra de bilhetes do segundo show. Os tíquetes serão vendidos em estádios de futebol. Cada pessoa poderá comprar apenas 4 ingressos ? e não os dez da primeira chance. Serão aceitos apenas dinheiro vivo e cheques, e não cartão de crédito. Uma auditoria internacional (negociava-se, na semana passada, com a Ernst&Young e a Century) cuidará das filigranas do negócio até que as 146 mil pessoas tenham cruzado as catracas. ?Aprendemos com os erros?, admite Accioly. Mas cabe atribuir os embates por um lugar diante do U2 sobretudo ao espantoso interesse pela banda, há 25 anos na estrada.
Passado o furacão, e certos de que a segunda rodada de vendas será calma, Niemeyer e Accioly sobem ao palco para exibir o passado profissional que os conduziu ao centro dos negócios da cultura pop. Aos 46 anos, Niemeyer é veterano do showbiz brasileiro. Em 1985, foi coordenador geral, ao lado do publicitário Roberto Medina, da primeira edição do Rock In Rio, evento que fixou o Brasil no circuito internacional. Depois do festival, decidiu atuar sozinho. Produziu alguns dos melhores shows do País. O primeiro foi o Hollywood Rock, em 1988. Em sua conta há nomes como Bob Dylan, Eric Clapton e Paul McCartney. Em 1993, foi contratado como presidente da gravadora BMG no Brasil. Ficou lá 12 anos e saiu quando houve a fusão com a Sony. Retornou às grandes produções em 2005. Essa trajetória chamou a atenção de Accioly, habituado a associar-se com ?gente do ramo?, como se diz no jargão popular. ?Procuro sempre quem tem experiência e conhecimento?, resume Accioly, que ingressou no campo do entretenimento há dois anos.
Em 2000, ele amealhou US$ 80 milhões com a venda de sua empresa de call center ? a 4A ? para a Telefônica. Transformara em ouro o que, anos antes, eram apenas seis linhas telefônicas. Ele gosta de lembrar que faz o que faz, ganha dinheiro com novas oportunidades, desde os 8 anos de idade. Naquele tempo, comprou 8 caixas de engraxate e as distribuiu nas ruas do bairro do Leblon, no Rio. No final do dia, ficava com metade da féria. ?Não engraxava, mas administrava quem sabia engraxar?, resume. Hoje, no Rio, tem participação acionária nas rádios Jovem Pan e Paradiso (com Luciano Huck) e nos restaurantes Gero, Mix By Bronze e Forneria ( em parceria com Rogério Fasano). Fez renascer o projeto Noites Cariocas, de Nelson Motta, com shows no Morro da Urca, e co-patrocinou a chegada de Papai Noel no Maracanã. Agora investe na ampliação da rede de academias de ginástica A!Body Tech, do Rio para São Paulo. No final de 2005, fechou contrato com o Jockey Clube paulistano para a construção da maior academia do mundo em área construída, a um custo de R$ 45 milhões. A soma de todos os negócios de Accioly, com sócios ou não, resulta em R$ 160 milhões ao ano de faturamento.
São números muito bons para os padrões brasileiros. Eles demonstram que, no entretenimento, a originalidade das idéias é a mãe dos lucros. Nesse caminho, o U2 tem muito a ensinar. No ano passado, a banda assinou contrato com a Apple para pôr no mercado uma série de iPods com a grife do grupo. Pela internet já se pode baixar a totalidade da obra dos irlandeses por US$ 149. Não se falou em cifras da transação, mas ao unir-se ao iPod, Bono e cia. rejuvenesceram, ganharam status de banda contemporânea, deram um passo rumo ao futuro. Casaram sua marca com o mais charmoso rótulo do entretenimento do século XXI. Passos como esse é que levaram as hordas de fãs ao desespero na semana passada. É o bilionário circo do rock?n roll.
?PAREÇO UMA CAMISETA?
carlos sambrana
A promoter Alicinha Cavalcanti tem sido muito assediada nos últimos dias. Motivo: ela comanda a lista de convidados dos camarotes da operadora Claro nos shows do U2 e dos Rolling Stones. À DINHEIRO ela releva dificuldades e truques de sua atividade.
Quais são os critérios que fazem uma pessoa ser convidada para eventos como esses?
Sempre observo o que as personalidades fazem. Procuro ficar atenta em quem está em evidência, quem está com quem e quem separou de quem para não gerar conflito.
Qual é a mescla ideal?
Chamo todas as tribos. Atores, empresários, socialites, cantores, modelos, jogadores de futebol…
É verdade que você convida garotas de programa?
Não. No camarote tem que ter solteiros e solteiras. Afinal, é um ambiente que tem flerte. Só casal fica careta. Ficar com alguém dá charme para o evento.
O que será feito para barrar os penetras?
Teremos credencial, cartão com código de barra que mostra a foto da pessoa, camiseta, pulseira e um outro item que não posso divulgar. O mais craque em pirataria não conseguirá entrar.
O assédio aumenta às vésperas dos shows?
Tem momentos em que as pessoas me enxergam como uma camiseta. Olham para mim como se eu fosse uma camiseta do Rolling Stones, do U2, de Lenny Kravitz.
O que você faz para evitar isso?
Não vou a restaurantes badalados, cabeleireiro e outros locais nos quais vou encontrar essas pessoas.
As pessoas pedem na cara de pau?
Normalmente fico no Copacabana Palace e as pessoas ficam no meu pé. Tem gente que vai no restaurante do hotel só para me encontrar e outras que organizam festas e jantares para mim, sem eu saber. O objetivo é sempre entrar no camarote.
Recordações
Niemeyer e as estrelas
Bob Dylan, outubro de 1991: O poeta do pop entrou mudo e saiu calado do Brasil
McCartney, abril de 1990: O show no Maracanã, com 184 mil pessoas, foi parar nas páginas do Livro dos Recordes