05/01/2011 - 21:00
Nos últimos meses, a rotina de seu Guilherme mudou um pouco. Ele não chega mais ao escritório antes das 10 horas da manhã e nem estica o expediente para além das 7 horas da noite.
Trabalhar nos fins de semana, como fazia 30 anos atrás, então, nem pensar. “Posso não estar o tempo todo no escritório, mas estou ligado no trabalho e sempre ao alcance do celular”, diz o sócio da maior operadora de viagens do País, a CVC.
De vendedor a empresário bem-sucedido, Guilherme Paulus demorou três décadas para construir um patrimônio que hoje inclui participações na CVC, em uma companhia aérea, a WebJet, e em uma rede de hotéis, a GJP.
Foi na última década, porém, que ele alcançou um grupo que não para de crescer: o dos bilionários. “Ainda estou longe de figurar na lista da Forbes”, desconversa ele, referindo-se ao famoso ranking produzido todos os anos pela revista americana.
O nome do empresário pode até não estar lá, ainda, mas ele ilustra como poucos uma geração de empreendedores brasileiros que soube conjugar 15 anos de estabilidade econômica, arrojo empresarial e crença no País.
Foi esta combinação, aliás, que engrossou a presença de brasileiros no ranking da publicação americana. Em menos de uma década, o número de bilionários nascidos aqui mais do que dobrou – eram sete no levantamento de 2002. Agora são 17. Isso sem contar outras dezenas de empresários que não são listados, mas que possuem patrimônio de mais de R$ 1 bilhão.
O maior expoente dessa nova geração é o empresário Eike Batista, que, aos 54 anos de idade, tem um patrimônio pessoal avaliado em US$ 27 bilhões. É o oitavo homem mais rico do mundo. Mas, afinal, qual é a receita para pôr o primeiro bilhão na carteira?
“Com certeza não estamos falando de sorte”, diz o próprio Paulus, filho de uma costureira e um zelador de prédios que, na falta de capital para investir, pagou com trabalho os 33% de participação na CVC, 30 anos atrás.
Não há receita única, mas há similaridades no caminho trilhado pelos atuais bilionários brasileiros. O cenário macroeconômico é um dos pontos em comum na trajetória desses empresários.
Em 2002, a inflação medida pelo Índice Geral de Preços ao Consumidor (IPCA) bateu na casa dos 12,5%. Até novembro deste ano o índice foi de 5,63%. Oito anos atrás, a concessão de crédito respondia por 25,1% do PIB.
Agora responde por 45,3%. O Brasil vive a era do pleno emprego. O índice de desemprego caiu de 12,7% da população economicamente ativa, em janeiro de 2003, para 5,7% em novembro deste ano – um percentual igual ao de países como Suécia e Noruega.
Entre outros indicadores, há também o produzido por agências internacionais. Elas vivem de sinalizar aos investidores qual é o risco de colocar dinheiro em um determinado país ou empresa.
Em 2002, uma dessas agências, a Standard & Poor’s, dizia que era arriscado investir por aqui. Hoje, o Brasil é um dos países que a agência recomenda para investidores que buscam rentabilidade com segurança.
Para quem ainda não tem o seu bilhão, pode parecer pouco, mas foi por conta desse tipo de sinalização que Paulus pôde vender 60% do capital da CVC para o fundo de investimentos americano Carlyle, em dezembro de 2009, por cerca de R$ 1 bilhão.
Com a estabilidade econômica e o programa de distribuição de renda Bolsa Família, marca registrada do governo Lula, mais de 40 milhões de brasileiros entraram no mercado.
O resultado foi uma explosão de consumo nunca antes vista na história deste país, como o próprio presidente da República gosta de dizer. Este contingente impulsionou negócios como o de João Alves de Queiroz Filho, dono da Hypermarcas.
Júnior, como é conhecido o dono da Hypermarcas, começou seu patrimônio em 2002, dois anos depois de sua família vender a marca Arisco para a multinacional Bestfoods.
Com foco nas classes de menor poder aquisitivo, a empresa de Júnior produz desde lã de aço até medicamentos e artigos de higiene e beleza.
Só o setor de higiene e beleza vendeu R$ 28,4 bilhões em 2009, o que representa crescimento de 3,2% sobre o ano anterior. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), o Brasil é o maior mercado consumidor de desodorantes do mundo.
São dados como este que fizeram com que o dono das marcas Bozzano e Avanço, entre outras, entrasse para a lista de bilionários, com um patrimônio pessoal estimado em US$ 1,6 bilhão.
A diferença entre Júnior, Luiz Seabra e Guilherme Leal, donos da Natura está menos nos valores que aparecem depois da casa do bilhão e mais no público consumidor que eles buscam.
Enquanto a Hypermarcas está de olho nas classes D e C, a Natura vai atrás da classe média tradicional. “Ninguém ficou para trás nos últimos oito anos em termos de padrão de vida”, diz o professor de ambiente econômico global do Insper, Otto Nogami.
As condições macroeconômicas internacionais também fizeram a diferença. Até a crise de 2008, o mundo viveu um período de crescimento como poucas vezes se viu, o que beneficiou os exportadores. “A demanda global explodiu e aí entra a visão dos empreendedores que souberam traduzir isso em negócios”, diz Nogami.
Ele cita os empresários Blairo Maggi e Rubens Ometto como exemplos do que se convencionou popularmente chamar de tino comercial. Maggi deixou de arrendar terras para se tornar um dos maiores produtores de soja do mundo.
Ometto deixou de ser apenas um usineiro para inscrever seu nome entre os maiores produtores globais de biocombustível e ingressar na emblemática lista de bilionários da Forbes.
Ometto associou-se com a anglo-holandesa Shell e sua empresa, a Cosan, virou parte de um conglomerado com receita de R$ 50 bilhões anuais. “E, se você quiser figurar na lista dos bilionários dentro de alguns anos, recomendo apostar em setores como indústria automobilística, de eletroeletrônicos, de energia, transportes e outros serviços”, diz Evaldo Alves, professor de economia da Fundação Getulio Vargas.
Será este o segredo de Eike Batista, o homem dos US$ 27 bilhões? A trajetória do empresário é uma das mais emblemáticas desses novos titãs da economia brasileira. Ele criou o grupo EBX na década de 80, mas só a partir de 2004, quando foi à bolsa de valores, transformou seus negócios num conglomerado avaliado em R$ 61 bilhões, segundo dados da Economática. “O Brasil é o melhor país do mundo para mexer com recursos naturais”, diz Batista, que tem empreendimentos nas áreas de petróleo e gás, mineração, energia e logística.
Desde 2004 as empresas do grupo EBX levantaram US$ 10 bilhões no mercado de capitais para financiar investimentos ambiciosos em projetos de longo prazo. O empresário captou mais de US$ 8 bilhões com a venda de ativos, criando uma máquina de exploração mineral que emprega 20 mil pessoas em nove Estados.
Investiu US$ 3,4 bilhões até 2009 e está investindo mais US$ 15 bilhões entre este ano e 2012. A trajetória do empresário incluiu negócios da Rússia à Grécia, da Argentina ao Canadá.
A decisão de concentrar os negócios no Brasil veio em 2000, quando o País já dispunha de uma moeda estável e um mercado interno mais promissor. “Tive mais sucesso no Brasil do que no resto do mundo”, diz Batista.
Ele não está sozinho na exploração dos negócios de petróleo e gás. Um concorrente declarado é o empresário Márcio Rocha Mello, que criou a HRT. A empresa tem pouco mais de um ano de idade, ainda não extraiu nenhuma gota de petróleo, mas já amealhou R$ 2,6 bilhões com a abertura de seu capital na Bovespa em outubro passado. Mello não diz, mas o modelo de negócios criado por ele é semelhante, e talvez tenha sido inspirado na OGX de Eike Batista.
Outro setor que se fortaleceu nos últimos oito anos e ajudou a forjar a nova safra de bilionários é o da construção civil. Não por acaso, Elie Horn, sócio da construtora Cyrela, passou a integrar a famosa lista de bilionários da Forbes, com patrimônio estimado em US$ 2,2 bilhões.
A empresa fundada por Horn em 1962 abriu capital em 2005. Hoje, o valor de mercado da empresa listada na bolsa é de R$ 8,5 bilhões. Não é por acaso que este é um dos setores mais pujantes da economia. Depois de anos com a demanda represada, de novo, a atuação do governo federal foi determinante.
O lançamento do programa Minha Casa Minha Vida que, em dois anos, entregou mais de um milhão de moradias. Só em 2010 o setor em que Horn atua deve crescer 11% – um recorde na história do país.
“A área de serviços tende a crescer muito nos próximos anos. E estamos falando desde os serviços mais básicos como turismo até áreas mais sofisticadas, como transporte entre plataformas marinhas de exploração de petróleo e o continente”, diz Alves, da FGV.
Mais pragmático, Guilherme Paulus tem outra dica para quem quer enriquecer: “Com R$ 80 mil o empresário abre uma franquia da CVC”, diz o bilionário da vez, mostrando que não chegou lá por acaso.