20/06/2007 - 7:00

Laçador de negócios
O ?rei do softawe?, Laércio Cosentino, 46 anos, é um executivo de olho na grama do vizinho. Ele gosta de uma aquisição. Para fazer crescer a sua Microsiga, especializada software de gestão, ele comprou a Logocenter em 2005 e a RM Sistemas em 2007. Formou um grupo de R$ 420 milhões e R$ 1 bilhão em valor de mercado. Não se vê como dono, mas sim executivo. ?Não sou CEO. Eu estou CEO. Se tiver alguém melhor, eu saio.?
Uma era acaba de se encerrar definitivamente. Com ela, ficou para trás a figura do presidentes de empresas com poderes imperiais, que tudo dominava e comandava. Se quiser manter-se no cargo, o executivo será obrigado a seguir outra cartilha: a da flexibilidade, tolerância, comunicação e transparência. Essa é a diferença hoje entre ter ou não um emprego, em atingir o sucesso ou o fracasso. Quem dá a sentença é um grupo de profissionais da Booz Allen Hamilton, uma das mais conceituadas consultorias em gestão do mundo. Em um alentado estudo com 2,5 mil grandes companhias mundiais, divulgado em Nova York no final de maio, a Booz Allen apresenta um detalhado perfil do líder ideal para comandar as organizações neste momento de crescimento mundial. No Brasil, o trabalho ganha relevância em função da profunda mudança no cenário corporativo: nunca tantas empresas abriram seu capital na Bolsa de Valores, o que exige uma postura mais aberta, transparente e negociadora por parte delas. Com acionistas e fundos de investimentos de olhos grudados no negócio, mesmo os pequenos deslizes colocam na rua profissionais de primeira linha. ?O CEO não tem mais o poder absoluto. Os acionistas estão mais críticos e intimamente envolvidos no passo-a-passo da estratégia da empresa. Eles já estão tirando os CEOs de suas cadeiras por conta de expectativas negativas em relação ao negócio, e não apenas porque ele não entregou, no passado, aquilo que prometeu?, resumem no relatório Chuck Lucier, Steven Wheeler e Rolf Habbel, diretores da Bozz Allen.
O executivo Roberto Lima entende exatamente o significado das palavras do trio de consultores. Há dois anos no comando da maior operadora de telefonia móvel do país, a Vivo, ele teve de encarar uma das fases mais delicadas da empresa: a reestruturação societária realizada em 2006, desenhada justamente no momento de concorrência predatória. Foi de tirar o sono. Lima cortou custos, centrou energias nos clientes que traziam mais receitas e migrou para uma tecnologia nova, a GSM.
Transparência, a regra número 1
Perdeu participação de mercado, mas, ao final do ano passado, o grupo lucrou R$ 16 milhões, afastando o prejuízo pela primeira vez na história. Entre janeiro a março de 2007, reduziu o vermelho em 90% em relação ao ano passado. Nos próximos dias, a empresa deve comemorar um ganho de mercado superior, em pontos percentuais, ao dos concorrentes em maio. ?A dificuldade nesse processo é ter foco nas metas a curto prazo, sem perder de vista o longo prazo?, diz Lima. ?Não é fácil. Há cobranças, mas é parte do jogo.?

Cidadão do mundo
Franklin Feder, 56 anos, correu o mundo. O presidente da Alcoa América Latina, nasceu nos EUA e no Brasil há mais de 50 anos, depois de estudar na Suíça e trabalhou em seu país de origem. É daqueles executivos antenado com tudo à sua volta. ?Hoje, tudo acontece rápido demais?, diz. ?Às vezes, volto para casa à noite e digo: não dá mais. Então, no dia seguinte, acordo doido para trabalhar. Enquanto isso estiver acontecendo, eu estou feliz.?
Conviver com essa pressão permanente será rotina daqui par frente, segundo o estudo da Booz Allen. Para Nelson Fazenda, presidente da Dixie-Toga, fabricante de embalagens, parte do sucesso está no jogo aberto, entre empresas e investidores. ?Nessa relação temos de estar sempre aparando arestas?, diz ele. ?Eu falo com o Bill Austin, que está à frente do grupo controlador nos EUA, sobre minhas dúvidas. Levo os problemas aos diretores. Mas é assim mesmo: quanto mais subimos numa companhia, mais solitários ficamos?, afirma Fazenda. Os investidores não aprecem muito preocupados com angústias desse tipo e se tornaram mais intolerantes.
Segundo a Booz Allen, a troca de CEOs do comando das empresas cresceu 59% entre 1995 e 2006. Em 1995, um em cada oito presidentes foram forçados a deixar o cargo. Em 2006, um em cada três tiveram de sair contra a vontade.

O comunicador
Nelson Fazenda, 61 anos, parece tímido. Mas bastam dez minutos de conversa e lá se vão as formalidades. ?Gosto de ouvir muito, mas falo bastante. No final decido sozinho, mas sei que tenho companhia?, diz o presidente da Dixie-Toga. Fazenda esteve no centro de uma fase marcante do grupo: em 2005, após três meses como CEO, houve a venda do negócio para a americana Bemis. A matriz bateu o martelo e manteve Fazenda no cargo.
Quase metade (46%) dos executivos deixaram o posto em 2006 sob circunstâncias ?normais?, como aposentadoria ou melhor oferta de trabalho. Essa é a menor taxa em nove anos de estudo.
Além disso, a proporção de presidentes que caíram devido à mudança no controle acionário atingiu 22% em 2006, contra 18% em 2005. Em três anos, entre 2003 e 2006, essa taxa dobrou.

Ele faz acontecer
Em oito anos, Marcel Malczewski, 42, promoveu uma reviravolta na Bematech. A pequena empresa paranaense passou de incubadora de universidade para líder em equipamentos de automação, com ações em Nova York e receita anual de R$ 200 milhões. Fundador e presidente do grupo, Marcel participou de tudo. ?Na época, pensei que estávamos passando por um momento de intensidade, que logo passaria. Mas só aumenta?, brinca.
No Brasil, o índice de rotatividade não é muito diferente. O tempo médio de permanência de um CEO à frente de empresas brasileiras é de quatro anos, quando ele vem de fora dos quadros da companhia, relata pesquisa da Booz Allen feita’ neste ano no País. ?É o mesmo tempo verificado exterior?, diz Edson Kawabata, diretor da consultoria em São Paulo. Há três motivos para o curto tempo de vida nessa posição. Em primeiro lugar, as subsidiárias brasileiras aumentaram a sua participação nos resultados das multinacionais, em parte por causa do câmbio valorizado. Isso aumenta as atenções (e as cobranças) dos controladores às decisões tomadas por aqui. O ex-presidente do Markro, Luiz Antônio Vianna, por exemplo, tentou por dois anos impor o seu ritmo de trabalho à rede, mas os holandeses sempre barravam seus planos. Em fevereiro, Vianna cansou e foi embora. Ainda há outras duas causas mortis no alto escalão: o movimento de aberturas de capital de empresas no Brasil e a chegada dos grandes fundos de private equity ? o volume de recursos desses fundos aplicados em grupos no País deve dobrar nesse ano e atingir US$ 2 bilhões. Companhias abertas atuam dentro de preceitos mais rígidos de governança corporativa. É preciso dar explicações aos investidores que colocaram dinheiro na empresa. Ao mesmo tempo, em muitos casos, esse profissional convive com representantes da família fundadora. O CEO que não transitar bem por esses meandros, dança. Só neste ano, entre 40 e 50 empresas devem abrir capital no país, um recorde histórico. Foram 26 em 2006. ?O executivo precisa entender que ele terá, daqui para frente, 10, 15, 20 chefes. E precisará responder a todos eles. Não sei se é pior ou melhor, mas sei que isso é totalmente diferente do que ele estava acostumado a fazer?, diz Franklin Feder, presidente da Alcoa América Latina, desde 1990 no comando do grupo.

O nômade
O Carlini, 61 anos, já ?rodou? um bocado pelo mercado. Pelos seus cálculos, são pelo menos seis empresas, sendo uma delas sua própria operadora por tuária, onde trabalhou por três anos. Hoje está no comando da CMA CGM, quinta maior transportadora marítima do mundo. Muito conversador, diz que à vezes o cargo dificulta a comunicação. ?As pessoas precisam se sentir à vontade para falar comigo. Isso nem sempre é fácil.?
O engenheiro Marcel Malczewski, presidente da Bematech, fabricante de equipamentos para automação, sentiu essa responsabilidade. No dia da apresentação da empresa aos investidores, em 19 de abril, as bolsas orientais puxaram violentamente pregões de todo o mundo para baixo. Algumas empresas adiaram a abertura de capital, outras precificaram seus papéis abaixo da faixa. Marcel manteve posição. Saiu com R$ 15 por ação, bem acima dos R$ 12,50 mínimos previstos.

Obcecado por resultados
Roberto Lima, 56 anos, ama jogar golf. Isso o ajuda a ?recarregar as baterias?. Ele precisa diante dos desafios que tem na presidência da Vivo. Ele decidiu migrar para o sistema GSM em 2006, após uma polêmica aposta de anos no modelo CDMA, e refazer toda a estrutura de tecnologia do grupo. É ele o homem que está tentando tirar a empresa do vermelho. Sempre cauteloso, Lima é pragmático: ?O que é certo é que estamos trabalhando muito para isso?.
No primeiro dia, os papéis subiram 12%. Feliz, Marcel respirou aliviado próximo de um membro do conselho, a quem chama de guru. Recebeu um tapa nas costas e uma observação: ?Você fez a pole position, agora começa a corrida?. Segundo Patrice Etlin, diretor da Advent International, maior fundo de capital de risco estrangeiro no Brasil, a presença dos private equity provocam mudanças na cultura do executivo brasileiro. ?A cobrança torna-se maior e haverá menos politicagem?, diz ele. ?Não interessa agradar tio, tia ou sobrinho. O que importa é a definição de um plano com foco em resultados.?
A necessidade de um profissional se moldar a um ambiente em mutação constante aparece com todas as letras no estudo da Booz Allen. Laércio Cosentino, principal acionista da Totvs, maior empresa de softwares de gestão do País, percorreu esse trajeto. A companhia passou seis anos, de 1999 a 2005, operando com participação direta de investidores da Advent International. Cosentino queria se preparar para o momento em que iria captar recursos no mercado de capitais, em 2006.

Desbravador de mercados
Carismático e paciente, Hélio de Oliveira, 59, comanda uma das maiores empresas de tecnologia País, a Politec, Oliveira caiu no cargo de CEO em 2005 por uma exigência do mercado: a empresa cresceu demais e era preciso profissionalizar a gestão. Oliveira desbravou mercados. Ganhou, por exemplo, o contrato para fazer o recenseamento da China em 2008. ?Aprendi que é preciso ter paciência e sabedoria para agir no momento certo?, diz.
Adotou políticas de governança corporativa e separou os papéis da presidência e do conselho de administração. ?Eu consegui entender que estou no cargo, mas não sou dono do cargo. Se quiserem me tirar daqui, podem. Se os acionistas entenderem que não ou a melhor escolha, sei que posso sair?, diz.