O Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) é o sonho de consumo de qualquer economista brasileiro que estude a situação da Previdência Social. Essa empresa estatal de gestão de recursos administra o dinheiro do sistema previdenciário canadense que, ao contrário do brasileiro, tem sobras de caixa. Com um patrimônio de 282 bilhões de dólares canadenses (R$ 800 bilhões), o CPPIB ainda deve receber recursos por mais alguns anos, e pode tornar-se um dos dez maiores fundos de pensão do mundo até 2020. A tarefa de seus 600 funcionários nos cinco continentes é multiplicar esse capital, garantindo o pagamento das aposentadorias dos canadenses no futuro. Parte dessa montanha de dinheiro poderá financiar a infraestrutura no Brasil e nos países vizinhos, diz o economista argentino Rodolfo Spielmann, principal executivo do CPPIB para a América Latina. Ele conversou com a DINHEIRO:

DINHEIRO – Por que investir no Brasil, em um momento no qual o risco político e os maus resultados da economia parecem estar afastando os investidores internacionais?
RODOLFO SPIELMANN –
 Somos uma administradora de recursos. Temos um portfólio equivalente a cerca de R$ 800 bilhões. Nossa projeção, mantido o câmbio atual de R$ 2,80 por dólar canadense, é de chegar a R$ 900 bilhões ou mais em 2020, o que nos tornará um dos dez maiores fundos de pensão do mundo. Mesmo trabalhando em conjunto com a seguridade social canadense, nós não somos responsáveis pelas tarefas de cobrar contribuições, fazer cálculos atuariais nem executar o pagamento de pensões. Nossa única tarefa é investir esse dinheiro, que será usado pela Previdência Social canadense. Para isso, temos alguns mandatos bem definidos.

DINHEIRO – Quais são eles?
SPIELMANN –
 O CPPIB começou a traçar sua estratégia de investimentos há quase 20 anos, quando o governo canadense decidiu criar uma entidade independente para fazer a gestão do dinheiro. Em nosso mandato, não há nenhum princípio de devermos investir nisso ou naquilo. Nossa meta é obter o melhor retorno tendo em vista um risco controlado, pensando em um horizonte de longo prazo, dez ou 20 anos. Ou seja, nenhum dos nossos cotistas virá nos cobrar antes de 2026. Isso nos dá uma grande liberdade de ação. Podemos escolher o que oferece uma excelente remuneração, como a infraestrutura, por exemplo. Esses ativos são muito pouco líquidos, é difícil mudar de ideia uma vez que você já investiu neles. Por isso, podemos cobrar um prêmio por enfrentar essa falta de liquidez.

DINHEIRO – Onde o fundo investe hoje?
SPIELMANN –
 Nossos recursos estão espalhados ao redor do mundo. Sendo um fundo canadense, oriundo de um país organizado, arrumado, a decisão de sair do Canadá poderá até ser questionada por alguém de fora. Mas as pessoas esquecem que a economia canadense é pequena. O país tem uma enorme extensão territorial, mas é limitado em termos populacionais e em oportunidades de investimento. Por isso, faz todo o sentido para nós investirmos em outros países. Atualmente, só 20% dos recursos estão aplicados no Canadá. Mais de 80% estão investidos fora, em especial na Europa e na Ásia.

DINHEIRO – E como o Brasil e a América Latina estão nesse cenário?
SPIELMANN – 
A justificativa para a América Latina é a dos países emergentes em geral. A ideia é escolher uma região cujas economias vão crescer ao ritmo de um mercado emergente no futuro, independentemente de crises e oscilações no curto prazo. Pelos últimos números da economia mundial a América Latina representa 7,13% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Salvo algumas exceções bem conhecidas, os países latino-americanos têm crescido de uma forma interessante. No médio e no longo prazo, acreditamos que eles vão crescer mais que as economias desenvolvidas.

DINHEIRO – Mesmo com todas as crises e solavancos?
SPIELMANN – 
Sim. Claro que há problemas na região. Há a volatilidade provocada pelas oscilações dos preços das commodities. Mas, se você olhar para as economias desenvolvidas, verá que o cenário não é assim tão melhor em outros lugares. Vamos olhar, por exemplo, as economias desenvolvidas. Posso falar em primeira pessoa. Eu sou economista, nasci na Argentina, de família alemã. Meu primeiro emprego foi no Deutsche Bank na Alemanha. Para a economia alemã, o Deutsche Bank é tão sólido e grande que é frequentemente confundido com o BundesBank, o Banco Central alemão. E, há pouco tempo, o principal executivo do Deutsche Bank teve de divulgar um comunicado aos investidores e ao mercado dizendo que o banco estava sólido como uma rocha. Quando o maior banco da maior economia da Europa tem problemas, é uma crise.

DINHEIRO – Não só na Europa.
SPIELMANN – 
Não só na Europa. Os Estados Unidos também tem seus problemas. A economia está crescendo pouco e os juros são negativos, o que provoca enormes dificuldades para os bancos e para as empresas de administração de recursos. A China é um mercado importante para investimentos, mas ela está enfrentando uma desaceleração econômica, e ainda não é possível prever o que vai acontecer. Olhando o portfólio de maneira global, não dá para dizer não para a América Latina.

DINHEIRO – Por quê?
SPIELMANN – 
Investimos em cinco países da região. No Brasil, temos dinheiro aplicado em fundos de gestoras como Pátria e SPX, e possuímos participações em alguns shopping centers, em parceria com a administradora Aliansce. Temos também capital aplicado no Chile, na Colômbia, no México e no Peru. São países estratégicos, nos quais estamos sempre buscando oportunidades. Eu viajo para esses lugares de quatro a cinco vezes por ano. Apesar dos ciclos de commodities e do petróleo, são países que fizeram a lição de casa. São equilibrados em termos fiscais, têm políticas monetárias responsáveis, são democracias estáveis e evitam aventuras populistas. Não é o caso de todos. Argentina e Venezuela ainda têm de chegar lá, mas esses cinco países que eu citei são estratégicos para nós, pelo tamanho de suas economias e por suas características.

DINHEIRO – Isso vale para o Brasil?
SPIELMANN –
 No Brasil, estamos em uma situação um pouco mais complicada devido aos ajustes macroeconômicos, que são necessários e ainda estão em curso. Mesmo assim, no médio e no longo prazo, o tamanho da economia e o desenvolvimento da nova classe média oferecem uma vantagem estratégica e comparativa inegável a nível global. Podemos investir e podemos contribuir. Estamos interessados.

DINHEIRO – Onde investir?
SPIELMANN –
 Nosso principal alvo é a infraestrutura. É um setor que precisa de muito capital e de investidores que tenham uma estratégia de longo prazo, ou seja, o nosso perfil. E nós do CPPIB gostamos muito desse negócio no Brasil, pois a demanda por rodovias, portos e aeroportos é indiscutível. Por enquanto, investimos apenas no Chile e no Peru, mas vemos grandes oportunidades no Brasil.

DINHEIRO – E quanto vocês planejam investir? Há um número?
SPIELMANN – 
Não há um número fechado nem uma meta específica, mas podemos fazer uma conta. Hoje, investimos cerca de 2,8% do nosso portfólio na América Latina. A região representa cerca de 7% do PIB mundial. Se quisermos aumentar nossa dotação para 4% ou 5% do patrimônio total do fundo, ninguém diria que isso é um investimento exagerado. Fazendo uma conta, isso representaria mais 10 bilhões de dólares canadenses, o que dá quase R$ 30 bilhões.

DINHEIRO – Há alguns anos, parecia que investidores de todo o mundo estavam interessados na infraestrutura brasileira, mas agora esse interesse arrefeceu. Por que o CPPIB ainda acha que isso é um bom negócio?
SPIELMANN –
 A infraestrutura se adapta ao nosso perfil. Não somos obrigados a investir em nada nem proibidos de investir em nada por princípio, por isso podemos fazer análises bastante objetivas. Para investirmos em algo, esse ativo tem de ter escala. Um investimento tem de ser de, no mínimo, 500 milhões de dólares canadenses, ou R$ 1,4 bilhão. Os projetos são complexos. Uma usina hidrelétrica, por exemplo, oferece riscos ambientais, riscos climáticos, riscos regulatórios e mesmo o risco de concorrer com uma energia mais barata. Tudo isso tem de ser analisado, e para isso usamos nosso pessoal ao redor do mundo, que tem experiência em avaliar investimentos desse tipo.

DINHEIRO – Qual é a sua estratégia?
SPIELMANN –
 A infraestrutura que nos interessa tem volatilidade menor e tem um fluxo de caixa estável. Não vamos construir a nova Transamazônica, que vai ter de atravessar uma reserva indígena ou desapropriar terras de uma área de proteção ambiental. Não temos capacidade para isso, deixamos esse trabalho para as construtoras. O que nós fornecemos é liquidez para esses grupos. Eles nos vendem ativos mais maduros e têm capital para novos projetos. Se investirmos em uma rodovia com dois anos de operação, por exemplo, nosso retorno será menor, mas o risco também será menor. Temos uma experiência ampla. Nosso maior investimento no Canadá é em concessões rodoviárias, são quase 2% de nosso patrimônio total, o que representa cerca de R$ 16 bilhões. Nosso primeiro investimento na América Latina foi no Chile, e lá investimos em rodovias na região de Santiago. Introduzimos algumas melhorias, como a cobrança de pedágio por meio de câmeras, que fotografam a placa do carro e debitam o valor da conta do usuário. Isso reduz muito os custos de arrecadação.

DINHEIRO – E os riscos regulatórios?
SPIELMANN – 
Vou dizer algo que vai contra os estereótipos. Investimos em estradas no Chile e no Peru e nunca tivemos problemas regulatórios. Nenhum. Todos os contratos sempre foram cumpridos à risca. Nosso único problema foi em um país do norte da Europa, cujo nome não vou dizer. Seis meses depois de investirmos em uma estrada, o governo mudou os contratos e alterou as tarifas de maneira unilateral, comprometendo todo o nosso planejamento. Foi um transtorno razoável. E nada nem remotamente parecido com isso ocorreu por aqui.