22/12/2011 - 5:13
DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação sobre o Brasil diante da crise europeia?
RICARDO ESPÍRITO SANTO ? O Brasil está bastante protegido da crise europeia. O governo da presidenta Dilma Rousseff tem tomado as medidas certas para isolar o País e o setor financeiro da crise lá fora. Mesmo assim, existe uma certa reticência de investidores de querer avançar muito fortemente, como no passado. Linhas de crédito para o Brasil e para o setor financeiro já começam a ser reduzidas. Mas é um movimento natural num momento de crise, em que há uma tendência à precaução. A crise europeia tem durado mais do que se esperava. Mas a situação no continente deve se acalmar, rapidamente.
DINHEIRO ? Em 2008, quase todo mundo achava que aquela seria a pior crise desde 1930, o que não se confirmou. Agora, há a expectativa de que esta seja uma crise mais branda que a de 2008. Corremos o risco de errar o prognóstico novamente?
ESPÍRITO SANTO ? Risco a gente sempre corre, mas a de 2008 era uma crise mais concentrada no setor financeiro, nos Estados Unidos. E o governo americano, por ser ele a decidir sozinho, conseguiu tomar as medidas necessárias e controlar a crise. Emitiram mais dinheiro, capitalizaram bancos, indústrias etc., para evitar o contágio. Eles não crescem, mas está tudo sob controle. Na Europa ainda não temos essa união suficiente para controlar a crise. Há sempre fatores políticos de um país ou outro que dificultam a tomada de decisões. Isso tem levado mais tempo para resolver os problemas do continente. A Europa vai superar a crise, daqui a alguns meses, e sairá mais unida.
DINHEIRO ? O sr. não acredita no fantasma da implosão do euro?
ESPÍRITO SANTO ? De jeito nenhum, não acho que seja viável. Seria o pior negócio do mundo para todos, inclusive para a Alemanha. Se cada país voltasse a sua moeda original, a Alemanha teria um marco muito valorizado. E aí, como ela faria para exportar?
DINHEIRO ? Aqui no Brasil, o governo está mirando um crescimento entre 4% e 5% para o ano que vem. Conseguiremos?
ESPÍRITO SANTO ? Capacidade de crescer 5% o Brasil tem. No entanto, é preciso que a crise lá fora não se deteriore mais e não prejudique os potenciais investidores estrangeiros que querem vir para cá, pois para crescer nessa proporção, o País precisa de investimentos externos. As próprias empresas brasileiras precisam do mercado lá fora para poder exportar e crescer. Quando há crise, muitas empresas que viriam se retraem para proteger seu próprio mercado. Liquidez existe, os Estados Unidos têm, mas não têm disposição de assumir o risco de se expor mais. Em resumo: o Brasil tem capacidade? Sim. Mas não dependemos só do Brasil.
DINHEIRO ? A Europa vive reuniões decisivas neste fim de ano…
ESPÍRITO SANTO ? A União Europeia já teve várias reuniões que se diziam decisivas. É um processo, a Europa tem vindo nesse movimento. Ainda falam em encontrar um tiro de bazuca para sair da crise, mas não funciona assim. Talvez se comecem a solucionar os problemas atuais logo, mas os países estão cortando despesas, aumentando impostos, os salários da população estão cada vez menores. E isso cria uma certa recessão. Teremos um período mais difícil, para depois voltar a nos recuperar. Mas os países são maiores que as crises, eles superam, sobrevivem a elas.
DINHEIRO ? As agências de classificação de risco parecem ansiosas para rebaixar as notas dos países da Zona do Euro.
ESPÍRITO SANTO ? É um aviso que elas querem dar.
A premiê alemã Angela Merkel, que busca a união na zona do euro para preservar a moeda comum.
DINHEIRO ? As notas em baixa às vezes se estendem aos bancos…
ESPÍRITO SANTO ? Os bancos estão limitados normalmente ao rating dos países. Não há como ter um banco com rating melhor que seu país de origem. A crise que afeta os países europeus está relacionada aos déficits fiscais. Mas a culpa não é dos bancos. Com exceção da Irlanda, onde a crise foi causada pela entrada dos bancos nas operações subprimes que financiaram os Estados Unidos, todas as outras foram crises dos países que arrastaram os bancos. Mas instituições com grande atividade internacional, como HSBC, Santander, e até o Banco Espírito Santo, acabam por diluir essa importância. Estamos aqui, na França, nos Estados Unidos, na África, Índia, Macau, Líbia, etc., e a soma dessas operações minimiza o risco. Nossa expansão vai para onde empresas portuguesas se expandem e para as nações com as quais Portugal se relaciona. Mesmo com Portugal no meio do furacão europeu, vamos conseguir diluir essas consequências por estarmos em vários países.
DINHEIRO ? Como evitar o contágio em termos de crédito no Brasil?
ESPÍRITO SANTO ? Contágio nós já temos. Temos de parar com as notícias negativas em termos de crise. Esse aviso das agências de ratings nada mais é que um alerta de que, se não for feito nada, todos serão rebaixados, países, empresas e bancos. E na política, se não houver pressão, seja dos eleitores, seja das instituições, ninguém se move.
DINHEIRO ? Qual foi o peso da internacionalização para o BES?
ESPÍRITO SANTO ? A atividade internacional representou cerca de 35% a 45% dos nossos resultados em 2010. Neste ano será mais da metade da receita porque fizemos um grande esforço de provisão em Portugal para adequar o balanço do banco. Nosso objetivo é manter o equilíbrio, dividindo meio a meio entre Portugal e a área internacional. Já estamos entrando em novas frentes, como numa associação na Índia com um banco de fomento. Isso trará resultados no médio prazo.
Protesto na cidade do Porto, contra corte de benefícios.
DINHEIRO ? Qual é o papel do Brasil?
ESPÍRITO SANTO ? Estamos aqui desde 1975 de diversas formas. Como banco de investimento, há 11 anos. E agora queremos aproveitar o momento favorável do Brasil para criar bases sólidas de negócios, apoiar as empresas brasileiras, espanholas e portuguesas e tentar fazer muitos negócios, entre seus países. O Brasil é um país importantíssimo, que agora atrai muitos estrangeiros, inclusive profissionais portugueses.
DINHEIRO ? O grupo BES se desfez de uma participação no Bradesco este ano. Como isso influencia a atividade de vocês?
ESPÍRITO SANTO ? A participação que tivemos no Bradesco, acima de 7%, foi construída nos últimos 11 anos. Seja pela venda do Banco Boavista, no ano 2000, em que recebemos ações do Bradesco, seja por aquisições ao longo destes anos, conseguimos ter essa participação, que nos dava muito orgulho. Só vendemos nossa parte devido à crise europeia. A participação num banco consome capitais próprios muito grandes. Devido às novas exigências da Associação Europeia de Bancos, reduzimos a participação no Bradesco. A venda, por outro lado, nos ajudou a aumentar a liquidez. E ainda detemos 1,5% das ações do banco.
DINHEIRO ? O BES e o Bradesco mantêm uma parceria?
ESPÍRITO SANTO ? Mais do que isso, é uma aliança de amizade, nos entendemos bem. Mantemos uma parceria estratégica. O Bradesco detém 6% do BES, em Portugal, e 20% do nosso banco de investimentos. Temos outra parceria numa empresa de private equity, a 2B Capital, de private equities, que está captando R$ 500 milhões, para investir em empresas de médio porte. E temos uma sociedade numa empresa seguradora, a Europa Assistance do Brasil: nós temos 24% e o Bradesco, 50%. O restante é do fundo italiano Generale.
DINHEIRO ? A atuação da 2B Capital, como private equity, cresceu com a redução de mercado de capitais neste ano?
ESPÍRITO SANTO ? O private equity substitui o mercado de capitais, para dar essa liquidez que ajude as empresas a crescer. Mas, embora o mercado de capitais tenha se reduzido neste ano, não vai ser sempre assim. O Brasil tem fases. Até 2004, nada acontecia no mercado de ações. Aí teve um boom, que foi até 2008, depois em 2010 também. É cíclico.
DINHEIRO ? Como o sr. definiria 2011?
ESPÍRITO SANTO ? Foi um ano mais difícil, mais atribulado, pois a crise mundial afeta lá fora a vontade de os clientes fazerem negócios. E o próprio banco aqui também fica mais cauteloso para assumir riscos, seja em mercado de capitais, seja em financiamento de projetos. Em meio à turbulência mundial, tendemos a ser mais conservadores. Em termos de resultado, em todo caso, estamos bem próximos ao do ano passado. O que é muito bom diante das atuais circunstâncias.
DINHEIRO ? Do ponto de vista econômico, o Brasil evoluiu nos últimos anos, mas o que falta ainda para crescer como nação?
ESPÍRITO SANTO ? Acho que falta educação. E não é só a escolar. Falta cidadania, acho que é preciso transmitir esses valores. Estou aqui desde 1980, entre idas e vindas. Isso está melhorando, mas falta ainda. Acho que talvez seja esse passo que falta dar. Há ainda uma distância entre as rendas mais altas e mais baixas, por exemplo. Esses patamares têm de mudar. É preciso atingir patamares maiores de PIB, e reduzir os níveis de pobreza. Está se caminhando, mas ainda há uma parte importante a superar.