Eles estão longe de ser uma novidade. São feitos há tempos em várias partes do mundo e em várias regiões do Brasil. Só que agora parecem estar por toda parte. Falo dos espumantes “sur lie”. Em um intervalo de apenas 10 dias tive a oportunidade de beber quatro deles, de diferentes produtores nacionais. Apenas um deles eu já conhecia: o Lírica Crua, elaborado em Pinheiro Machado (RS) pela vinícola Hermann, cujo proprietário é também dono da importadora Decanter, uma das maiores do País e que vende o rótulo a R$ 86,30 pela internet. Além dele, entre os nacionais, já havia provado o “sur lie” Casa Valduga (R$ 67,91 no site da vinícola), que recebeu 94 pontos do Guia Descorchados.

Para quem está se perguntado o que é “sur lie”, aqui vai uma breve explicação. O termo é francês e significa “sobre as borras”. No caso dos espumantes, borras são leveduras que ficam dentro da garrafa durante a segunda fermentação. Após consumir o açúcar residual do vinho base e convertê-lo em mais álcool e gás carbônico (a fonte das agradáveis borbulhas), as leveduras vão morrendo e decantam por ação da gravidade. No método tradicional (ou “champenoise”), em que as garrafas são diariamente giradas e inclinadas até ficarem de cabeça para baixo, há uma concentração das borras no gargalo. Expulsá-las (no que se chama “dégorgement”), deixa o líquido restante límpido, cristalino, como se tivesse sido filtrado. No caso dos espumantes “sur lie”, as borras permanecem dentro da garrafa e por isso a aparência é de turbidez. A manutenção das leveduras faz com que o espumante siga evoluindo indefinidamente. E é isso que muitos produtores e enólogos desejam oferecer. Quase sempre, a produção desses rótulos é limitada. Muitos são numerados manualmente e ganham etiquetas explicativas que autenticam seu caráter artesanal.

 

Espumantes “sur lie” da Peterlongo, Hermann e Casa Valduga (Crédito: Divulgação)

 

A tampa é do tipo corona, igual às garrafas de cerveja, uma vez que o espumante não passou pelo “degorgement”, quando essa tampa é removida, as borras expulsas e a garrafa retampada com rolha.

A aparência – turva – é o que primeiro chama a atenção em um espumante “sur lie”. A avaliação visual pode ficar comprometida, mas o nariz e a boca comprovam que a técnica resulta em uma bebida surpreendente. Produzido em Itobi (SP), na região de São José do Rio Pardo, com 100% de uvas sauvignon blanc colhidas no inverno de 2018, o “sur lie” da premiada Casa Verrone (foram 20 medalhas em pouco mais de três anos de mercado) tem vocação para ser bebido no final da tarde, como aperitivo, dado seu frescor e a presença de aromas de melão, abacaxi e maracujá. A produção foi limitada em 2 mil garrafas, cada uma à venda por R$ 110.

No caso do espumante Vita, da centenária vinícola Peterlongo, de Garibaldi (RS), a produção foi ainda menor: apenas 1.000 unidades. Por isso o rótulo sequer está à venda no site da empresa. O mesmo ocorre com o Blanc de Blanc Nature Sur Lie elaborado pelo enólogo Bruno Motter, da Don Guerino, em Alto Feliz (RS). Para quem estiver planejando a desfrutar dos prazeres que o enoturismo oferece na Serra Gaúcha, recomendo visitar essas duas vinícolas e adquirir ali mesmo esses rótulos de produção limitadíssima – e qualidade excepcional. Se tiver sorte, você ainda pode aprender com Bruno Motter a técnica de abrir a garrafa com a expulsão das borras por meio de uma bolha de ar. E beberá um “sur lie” cristalino.

Detalhe do rótulo da Don Guerino: tiragem limitadíssima
Detalhe do rótulo da Don Guerino: tiragem limitadíssima (Crédito:Divulgação)