09/09/2009 - 7:00
DINHEIRO – Um dos argumentos do seu livro é o de que os mercados financeiros do amanhã colidiram com os de ontem. Isso significa uma migração do poder econômico dos Estados Unidos para os emergentes, liderados pela China?
MOHAMED EL-ERIAN – Efetivamente, o fenômeno que nós estamos testemunhando é a chamada ascensão do resto, um grupo de países liderado por economias emergentes sistemicamente importantes, como o Brasil, a China e a Índia. E este processo está sendo acelerado pela dimensão da crise que tomou parte do capitalismo anglo-saxão – em particular nos Estados Unidos
DINHEIRO – Nos últimos anos, o rombo internacional da economia americana cresceu significativamente, enquanto os emergentes acumularam trilhões em reservas internacionais. Essa é uma das causas macroeconômicas da crise?
EL-ERIAN – É, certamente, um dos vários fatores e reflete o fato de que, durante um bom número de anos, houve aberrações na economia global que nem os mercados nem os principais líderes políticos mundiais levaram em consideração. Estavam acontecendo mudanças estruturais importantes na economia mundial. E o resultado é que muitos foram surpreendidos pelos acidentes no mercado financeiro e pelos erros de política econômica.
DINHEIRO – Há, como o sr. mesmo diz, um grande desequilíbrio no comércio internacional. A crise poderá reequilibrar as coisas, fazendo com que as economias emergentes consumam mais e exportem menos?
EL-ERIAN – A crise está, de fato, ajustando alguns desequilíbrios da economia mundial, mas, infelizmente, isso está ocorrendo em um nível de atividade inferior ao que seria necessário. As consequências disso são uma queda no padrão mundial de bemestar econômico e também o aumento do risco de protecionismo comercial.
DINHEIRO – O consumidor da Ásia e de outras nações emergentes poderá substituir o consumidor americano?
EL-ERIAN – Ao longo do tempo, os consumidores dos países emergentes irão certamente tomar o lugar do superalavancado e superendividado consumidor dos Estados Unidos. Mas o crescimento nos mercados emergentes será gradual e ainda terá que superar muitos obstáculos e contratempos. Apesar disso, esse aumento do poder de compra nas nações emergentes é a parte mais importante da história que está sendo escrita para reequilibrar a economia mundial.
DINHEIRO – Nesta crise, as ações das empresas de economias emergentes descolaram mais rapidamente das dos mercados desenvolvidos. Isso significa que os emergentes já são menos vulneráveis aos choques internacionais?
EL-ERIAN – A hipótese do descolamento suave foi confirmada – o que significa que os emergentes podem se recuperar mais rapidamente do que os países mais industrializados. Mas a hipótese de um descolamento maior, com os emergentes assumindo o papel de locomotiva e de grande motor do crescimento econômico mundial, não se provou verdadeira.
DINHEIRO – A recente recuperação da economia e a alta das bolsas foram estimuladas pelos bilionários pacotes de estímulo fiscal e monetário dos governos. O que acontecerá se os governos pisarem no freio?
EL-ERIAN – Eu caracterizo a última fase dessa alta dos mercados como um rali aditivado, puxado por dois fatores importantes, porém temporários: os altíssimos estímulos fiscais e a queima dos estoques das indústrias. Para que esse rali seja sustentável, será preciso encontrar um considerável componente de demanda privada na economia. E isso ainda é muito incerto. Portanto, os valores das ações das empresas em vários mercados estão bem acima do que os fundamentos econômicos permitiriam.
DINHEIRO – Os investidores estão apostando muito no Brasil por uma combinação de fatores: força econômica, estabilidade política e uma importante conexão comercial com a China. O sr. prevê um longo período de crescimento para o Brasil?
EL-ERIAN – O Brasil reúne hoje um extraordinário conjunto de condições para manter sua estabilidade econômica e alcançar uma prosperidade de longo prazo. Portanto, é um país bem posicionado para a nova normalidade que virá depois da crise atual. A única coisa importante a lembrar é que a materialização do progresso não é automática. Ela requer a continuidade de políticas econômicas consistentes e um avanço adicional em reformas que possam ampliar a produtividade da economia.
DINHEIRO – O Brasil ainda tem uma economia que é mais competitiva internacionalmente em commodities agrícolas e minerais. Isso é ruim?
EL-ERIAN – O ponto mais importante é que o crescimento dos países nos próximos anos não será mais fruto de engenharias financeiras. Dependerá do lastro em atividades reais da economia global, que está percorrendo uma estrada acidentada, rumo a um novo padrão de normalidade.
DINHEIRO – Quais são os riscos? Uma nova queda global? O fim do afrouxamento monetário nos Estados Unidos?
EL-ERIAN – Há muitos riscos. O primeiro é de que maneira os Estados Unidos conseguirão se livrar de um período em que adotaram políticas econômicas nada convencionais – e, também, quais serão os efeitos colaterais disso. Aliás, não se trata apenas de uma questão econômica, mas também social e política. O segundo é até quando os governos resistirão às pressões protecionistas que sempre acompanham uma prolongada alta nas taxas de desemprego – e que, nos Estados Unidos, já se aproximam de 10%. O terceiro é a excessiva regulação decorrente da crise financeira. Todos esses três riscos, somados, sugerem ser razoável a possibilidade de uma nova queda em 2010.
DINHEIRO – No seu livro, o sr. comparou o mundo a um avião em que o motor principal, americano, foi desligado, mas vários outros, menores, foram acionados. Isso elimina o risco de pouso forçado?
EL-ERIAN – O risco do pouso forçado deriva da possibilidade de protecionismo e de erros de política econômica que podem ser tomados por autoridades que não compreenderam a dinâmica do atual processo de desalavancagem. Se países ricos impuserem barreiras comerciais, isso desligaria vários motores de países emergentes, que estão mantendo o avião no ar.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a questão cambial? Moedas de países emergentes, como o real, tendem a se valorizar?
EL-ERIAN – Um processo de realinhamento das moedas é parte do processo até que o mundo encontre uma nova normalidade. Isso envolverá uma depreciação do dólar – que eu torço para que seja organizada – e ainda um fortalecimento de moedas emergentes, especialmente de países da Ásia, que mantêm controles artificiais.
DINHEIRO – Nessa nova ordem, qual será o papel do FMI?
EL-ERIAN – O FMI deve agir de forma mais substantiva para enfrentar o desafio e o vácuo que hoje está no centro do sistema financeiro mundial. Para isso, serão necessários novos mecanismos de coordenação e o FMI precisará agir para corrigir os déficits de longo prazo de algumas economias. E isso só ocorrerá se o Fundo tiver representação, legitimidade e especialistas na questão dos déficits externos.
DINHEIRO – E os fundos soberanos? Deveriam ser uma meta de todas as economias emergentes?
EL-ERIAN – Os fundos soberanos são úteis para que as autoridades explicitem o que são reservas cambiais e o que são riquezas a se preservar para futuras gerações. Mas essa é uma questão que deve ser analisada por cada país. De qualquer forma, o sucesso dependerá de um bom desenho institucional, com objetivos claros para cada um desses fundos, e da escolha dos melhores recursos humanos e técnicos para administrá-los
DINHEIRO – A crise atual foi um fenômeno totalmente novo e inesperado, como um cisne negro, ou algo que poderia ter sido previsto?
EL-ERIAN – Ela terminou sendo um cisne negro, muito embora não devesse ter sido. Durante vários anos, foram aparecendo sinais de desequilíbrios macroeconômicos, que iam se aprofundando e deveriam ser interpretados como prenúncio de um colapso financeiro. Todos esses sinais foram desprezados pelas autoridades e agentes do mercado, como se fossem apenas um ruído a mais.
DINHEIRO – Qual é a maior lição dessa crise? Os agentes do mercado saberão identificar os ruídos da próxima colisão?
EL-ERIAN – A crise traz muitas lições. Eu temo que apenas algumas delas, bem poucas, sejam aprendidas. Mas uma grande lição é que toda a sociedade deve desenvolver mecanismos para mitigar riscos. E isso envolve indivíduos, empresas, governos e organismos multilaterais.
DINHEIRO – Considerando sua atuação profissional como gestor de recursos, de que maneira sua experiência o ajudou a enxergar na frente a atual colisão dos mercados?
EL-ERIAN – Paranoia construtiva é uma expressão que ajuda a compreender a nossa cultura empresarial na Pimco. E o resultado disso é que gastamos muito tempo estudando as tendências cíclicas e estruturais na economia global. Isso faz parte de todos os nossos processos. E, além da análise interna, estamos sempre abertos às ideias e opiniões que vêm de fora. A partir de tudo isso, desenvolvemos produtos de investimento que tentam mitigar os riscos e incorporar essas tendências macroeconômicas nos portfólios que administramos para os nossos clientes. Finalmente, reconhecemos ainda que ninguém, dentro ou fora da Pimco, detém o monopólio da verdade e da sabedoria.