Me lembro muito bem de um domingo frio em julho de 2022 em que tive o privilégio de participar de um jantar promovido por empresários, para empresários, com o então candidato à presidência da República Luís Inácio Lula da Silva. Eu, um liberal convicto, e profundamente descrente das ideias de Lula e do PT, e após ter sido um forte opositor das ideias atrasadas, dos desmandos políticos e econômicos, e da corrupção sem precedentes promovida pelo PT no Brasil na primeira década e meia do Século XXI, me vi na oportunidade de conhecer melhor, e pessoalmente, o homem que considerava a encarnação de tudo que eu considerava errado e imoral na política e na economia brasileira.

Entretanto, a decisão de dar um “voto de confiança”, pelo menos em escutar o que Lula tinha para falar, não veio apenas do meu não alinhamento com a política e com o mandatário vigentes no Brasil de 2022, mas também de um sentido cívico e moral de ouvir o “outro lado” e depois me sentir municiado para criticar, ou, aplaudir.

Sim, votei em Bolsonaro em 2018 porque acreditei, de forma incauta, que uma aliança entre liberais, capitaneados por Paulo Guedes, e conservadores nacionalistas, liderados por Jair Bolsonaro, poderia ser um balão de ensaio, ou até mesmo um Cavalo de Troia para promover uma agenda de reformas liberais tão necessárias para desatar os nós da economia brasileira e fazer o nosso País voltar a crescer em linha com países de renda média ou emergentes.

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Não posso esconder que esse “voto de confiança” também se deu pela situação caótica e a “fanfarronice” em que o Brasil se encontrava, com um presidente desprovido de filtros mínimos em sua retórica e comportamentos para representar a nação frente ao mundo, e uma série de decisões populistas, como os vários atentados ao Teto de Gastos que desaguaram em uma política fiscal errática para tentar a reeleição a todo custo.

Havia decidido que não votaria em Bolsonaro, mas não sabia em quem votar uma vez que o esperado candidato, Salvador da Pátria da terceira via, não havia sequer se manifestado e, muito menos, decolado a menos de seis meses do pleito. Por que, então, não fazer uso da pragmática e ouvir as propostas do “inimigo do meu inimigo” que, até então, seria o único homem capaz de derrotar um presidente caricato com ideias retrógradas, surtos autoritários de republiquetas latinas e promotor de um desatino econômico do lado fiscal.

Foi então que conheci o Lula! Devo admitir que o homem exala carisma e sabe trabalhar uma audiência como poucos que vi na maestria dessa sutil arte. Lula jantou, e após o jantar, fez uma apresentação sobre os pontos que norteavam sua campanha. A fala foi objetiva. Muito mais do que os devaneios públicos que observamos após a eleição, e sempre pautada no equilíbrio político e econômico, na responsabilidade fiscal, em programas sociais necessários e que poderiam (e devem) sempre ser melhorados, na redução das desigualdades sem “cavalos de pau” e no retorno do Brasil como participante ativo das discussões e ações globais. Adicionalmente, tudo isso sempre elaborado em parceria com o então candidato a vice-presidente, Geraldo Alckmin. Notava que Lula se apoiava em Alckmin como um avalista frente à Fiesp e à Faria Lima. E Lula disse diversas vezes que todas as decisões com impactos econômicos seriam tomadas em íntima coordenação com o seu vice.

Não é necessário dizer que esse discurso agradou os empresários e banqueiros presentes que já anunciavam, entre uma taça e outra de vinho, que o Lula do primeiro mandato estava de volta, e que ele teria sido o presidente que mais produziu superávits primários na história do País. Assim, muitos de nós, inclusive este que lhes escreve, saímos convencidos e reconfortados. Sabíamos, no entanto, que o Brasil não contaria com privatizações, mas que pelo menos teríamos algum tipo de controle fiscal e isso arrefeceria a inflação e, por conseguinte, reduziria a dívida pública, o que ofereceria oportunidade para um retorno ao crescimento. Uma vez que as plataformas do Lula e do Bolsonaro eram praticamente iguais do lado fiscal, e a de Lula não incluía discursos fóbicos de todos os tipos e arroubos antidemocráticos (até então), havíamos encontrado o nosso candidato.

Lula foi eleito no fim de outubro de 2022, teve dois meses para elaborar um plano econômico, que deveria ter sido feito antes da eleição, foi empossado e somente três meses após ter assumido a Presidência, e aos trancos e barrancos, se dignificou a apresentar um novo Arcabouço Fiscal. A Âncora Fiscal é necessária para nortear o País, e o mercado, quanto a possibilidade de conter o avanço da dívida pública – que somente em juros consumirá em 2023 mais de R$ 650 bilhões –, frear a inflação e oferecer um espaço para investimentos públicos.

A Âncora saiu manca. Um projeto com pouca possibilidade de ser executado por depender quase que integralmente de receitas, muitas extraordinárias, quando o mundo flerta com a recessão, e outras sem a menor ideia de onde virão, seguida por platitudes sobre “zerar o déficit” em 2025 e produzir um superavit primário em 2026. Se trata, basicamente, de um “bingo de palavras fortes” para acalmar o mercado, sem uma parte crucial do plano, que é o COMO!

Nesse período de transição, e início do novo mandato, uma comédia dos erros se abateu sobre o País, e a marca dos 100 primeiros dias da gestão Lula III contradiz tudo aquilo que foi prometido naquele jantar e no resto da campanha. Aquele Lula sóbrio, comedido, propositivo, pragmático e aberto a novas ideias e disponível para discussões deu lugar a um Lula rancoroso, radical, autoritário e negacionista de fatos comprovados.

Esses 100 dias são marcados por uma profunda desorganização entre as equipes. Houve uma série de idas e vindas, como a do desastre do limite máximo de juros para o crédito consignado dos pensionistas da Previdência, que evidenciou a descoordenação e o improviso do time e fez cessar, minutos após o anúncio, a oferta dessa modalidade de crédito, o que forçou o governo a cancelar a medida.

Nesse início de mandato, observamos um descontrole verbal do mandatário, que provocou um embate público com o presidente do Banco Central sobre a taxa de juros, mostrando um despreparo de Lula para lidar com a independência de uma autarquia que faz parte do jogo democrático. E que o próprio Lula criticava nas ações de Bolsonaro. A briga gerou uma profunda desconfiança por parte do mercado, e o Ibovespa despencou abaixo dos 98 mil pontos.

Porém, a bateção de cabeças não termina aí. Ao falar publicamente sobre a Petrobras e da formação de preços do petróleo e seu derivados, Lula e seu homem de confiança na cadeira de CEO, Jean Paul Prates, se mostram despreparados e guiados por ideologia ao contestar e promover uma ruptura com o PPI, o que na gestão Dilma foi responsável por bilhões em prejuízos por não repassar o valor do preço do mercado internacional para a empresa como forma artificial de conter a inflação, e de usar a empresa como ferramenta de política do Executivo.

Por incrível que pareça, tudo isso nos leva crer que Lula não aprendeu nada!

Quando pensamos que tudo isso foi somente o começo, nos enganamos, porque tem muito mais!  Lula interferiu na Lei do Saneamento Básico para dar evidente privilégios a empresas estatais – em detrimento das empresas privadas do setor – ao abolir a exigência de licitação para a contratação dos serviços das empresas públicas. Também alterou a Lei das Estatais para permitir que políticos sejam conduzidos a cargos de gestão através do bom e velho apadrinhamento político, em vez de manter as exigências de conhecimento e experiencia na área como seria de se esperar de um modelo de governança probo. E flertou com uma ideia irresponsável e sem base econômica de formar uma moeda única com a Argentina.

Contudo, o ápice dos desmandos não está nos erros e trapalhadas econômicas sobre os quais fiz uma lista parcial acima. Ele se concentra na área política mesmo.

Lula foi gravado em vídeo falando publicamente que as “coisas estarão boas quando eu f@#er o Moro”, somente para no dia seguinte a Polícia Federal desbaratar um plano do PCC para assassinar pessoas públicas incluindo Sergio Moro. Porém, como se isso não fosse ruim para a reputação do presidente, e de uma total falta de decoro para com o cargo, Lula teve a coragem e desfaçatez de promover uma notícia falsa de que Moro teria criado essa narrativa para se promover, algo indefensável e muito mais sério quando vindo do presidente.

Esses 100 primeiros dias de governo Lula III se tornaram o prólogo de um mandato que tem um pacto macabro com o atraso e com o retrocesso, norteado por ódio e negacionismo de fatos que ocorreram e levaram o presidente à cadeia e a uma caçada à corrupção que foi imoralmente desligada da tomada por pessoas e poderes republicanos que têm muito a explicar, mas também têm o privilégio político de se protegerem da luz da justiça e fazer tudo ficar como sempre foi.