O governo da presidente Dilma Rousseff começou com duas medidas que não se via há algum tempo: o pé no freio nos gastos públicos e a abertura do “saquinho de maldades” do Banco Central. Minutos após tomar posse no Ministério do Planejamento, na segunda-feira 3, a ministra Miriam Belchior anunciou um corte rigoroso nas despesas previstas para este ano. 

 

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As novas faces do poder: a presidente Dilma Rousseff e o vice, Michel Temer,

assumiram o comando do governo federal com o pensamento no futuro: domar a economia

 

Não disse quanto, mas prometeu que todas as despesas serão revistas e adequadas à previsão de receitas, de forma a sobrar dinheiro para o superávit primário e a consequente diminuição da dívida. 

 

“Teremos uma redução considerável de gastos este ano. O parâmetro será tudo o que a gente conseguir reduzir”, confirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Três dias depois, o Diário Oficial da União publicou uma autorização de apenas R$ 2,9 bilhões para os gastos não obrigatórios de janeiro, o equivalente a pouco mais de 5% do orçamento anual. Todo o restante está bloqueado. O padrão, nos anos anteriores, enquanto o orçamento ainda não estava aprovado, era liberar em janeiro o equivalente a 8%, ou 1/12.

 

No mesmo dia, o Banco Central anunciou mais uma medida para conter a queda do dólar diante do real. Haverá um recolhimento de depósito compulsório de 60% das posições vendidas em dólar dos bancos para valores acima de US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência da instituição, o que for menor. 

 

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De companheiro para companheira: no dia da posse, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff

trocaram abraços calorosos. A sintonia ideológica contrasta com suas posturas econômicas:

ele gastou demais, ela terá de cortar gastos públicos

 

A justificativa oficial é de que se trata de uma regra prudencial. Mas, por coincidência, ela foi aplicada três dias após a posse do novo presidente do BC, Alexandre Tombini, mais afinado com o restante da equipe econômica do que o antecessor. 

 

“O BC toma as medidas quando precisa tomá-las”, afirmou Tombini na quinta-feira à tarde, na primeira entrevista após assumir o cargo. O que disparou o alerta, segundo o BC, é que os bancos passaram de uma posição comprada em dólar de US$ 2,9 bilhões no fim de 2009 para uma posição vendida de US$ 16,8 bilhões no fim do ano passado. 

 

Com a nova regra, que entra em vigor em abril, a intenção é reduzir o valor para US$ 10 bilhões. A posição vendida significa uma aposta dos investidores de que a moeda americana vai se desvalorizar ainda mais.

 

O saquinho de maldades do BC foi aberto após uma reunião de Mantega com Dilma, na quarta-feira à tarde. Foi uma reunião marcada às pressas, quando o dólar valia R$ 1,65, o menor nível dos últimos dois anos. 

 

Na mesma tarde, a presidente conversou com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, que falou da reclamação dos empresários do setor exportador. 

 

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No banco central…Henrique Meirelles (à dir.) passou o cargo para Alexandre Tombini,

que, dias depois, já anunciou medidas para conter a queda livre do dólar 

 

No dia anterior, Mantega havia chamado os jornalistas para falar sobre o câmbio. Não anunciou nenhuma medida, só avisou que o governo estava atento aos movimentos do mercado e defenderia a moeda brasileira contra a “guerra cambial” que derrubou a cotação do dólar de R$ 1,71 para R$ 1,65 da segunda quinzena de dezembro até o início de janeiro. 

 

No dia seguinte, as manchetes ironizavam o ministro, dizendo que ele queria segurar o dólar “no gogó”. Mantega não gostou. “Sempre que eu dei um recado sobre medidas, as medidas apareceram”, disse à equipe do Ministério. 

 

Na quinta-feira, após o anúncio do BC, o dólar subiu para R$ 1,688. O ministro tem outras medidas na gaveta, para ser anunciadas conforme o governo julgar necessário, e incluem de aumento de IOF à quarentena sobre capital estrangeiro. “Temos munição”, diz Mantega.

 

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No ministério do desenvolvimento… Fernando Pimentel (à esq.) recebeu de Miguel Jorge o desafio de criar

políticas de proteção ao exportador brasileiro, diante da mais baixa taxa de câmbio desde 2008  

 

As primeiras decisões do governo foram bem recebidas pelos exportadores, que têm visto suas receitas minguarem com a queda da moeda dos Estados Unidos. “Se deixasse como estava, o dólar cairia abaixo de R$ 1,60. 

 

O que está derretendo não é a moeda americana, são as exportações”, diz o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, acha que é um bom sinal. 

 

“Não será suficiente, mas mostra que o BC está de olho e que tomará as medidas necessárias para evitar prejuízos para os exportadores”, avaliou. O empresário Anuar Dequech Jr., presidente da metalúrgica Corona Brasil, que exporta 30% da produção, também acha que o impacto inicial da medida será diluído com a alta dos juros esperada para a próxima reunião do Copom, dias 18 e 19 deste mês. “Não podemos parar de exportar para não ficarmos fora do jogo, mas já não é um bom negócio”, afirma.

 

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No ministério do planejamento…Miriam Belchior recebeu o cargo de Paulo Bernardo com uma missão

imediata: promover um rigoroso corte de gastos públicos e turbinar o superávit primário 

 

O facão no orçamento foi visto como uma grata surpresa. Embora o bloqueio de gastos seja praxe no início do ano, desta vez parece que o corte será para valer, ao contrário da postura mais “gastadora” que caracterizou os últimos anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. 

 

O economista Roberto Padovani, estrategista-chefe para a América Latina do banco  WestLB, considera “surpreendentemente bom” o início do governo Dilma, que demonstra, no discurso, clareza entre a política fiscal, a taxa de juros e a taxa de câmbio. 

 

“Há a percepção clara da importância da política fiscal e isso não estava presente no último governo”, diz Padovani. “É um corte duro. Para os órgãos sobreviverem a pão e água enquanto veem o que vão fazer”, avalia o diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco. 

 

“Vamos fazer mais com menos”, promete a ministra do Planejamento, responsável também pela coordenação das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Miriam Belchior tem o desafio de segurar os gastos e ao mesmo tempo zelar pelo aumento dos investimentos públicos. Entre 2011 e 2014, o orçamento do PAC é de R$ 959 bilhões. “Vou trabalhar com um pé no freio, outro no acelerador”, disse a ministra ao tomar posse. 

 

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O corte de gastos é essencial para cumprir a promessa do governo de realizar a meta do superávit primário, de 3% do PIB, e economizar recursos para pagar dívida e reduzir seu peso nas contas públicas. 

 

A dívida líquida, cuja trajetória de queda foi interrompida em 2009, com a crise, voltou a cair no ano passado, para menos de 40% do PIB. A meta de Dilma é reduzir essa proporção para menos de 30% em quatro anos. 

 

No meio das maldades, o governo fez também uma bondade na primeira semana de governo: criou o PAC do combate à miséria, com uma série de medidas para acabar com a pobreza extrema no País. Foi uma promessa de campanha e destaque o discurso de posse de Dilma. 

 

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A presidente mal apareceu em público na primeira semana de governo, mas mandou diversos recados à sociedade por meio de seus ministros e mostrou que seu estilo de “gerentona” está mais afiado do que nunca. 

 

Numa demonstração de que não está apenas focada no curto prazo, Dilma encarregou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, de dar andamento aos planos de privatização de serviços no setor aéreo.  “Podemos fazer concessões para a construção de terminais, de pista e de todo o aeroporto”, afirmou Jobim. O ano 2011 promete.