27/10/2004 - 7:00
O ambiente de trabalho é informal e frenético ? não há salas exclusivas para diretores e todos se reúnem em grandes mesas de operação, assim como no Garantia. O figurino casual dos executivos (nada de terno e gravata) também é o mesmo do Garantia. Da mesma forma, o apetite para negócios milionários parece insaciável. Na semana passada, por exemplo, eles concluíram o lançamento de US$ 100 milhões em bônus para o Banco J. Safra. A política salarial para os funcionários é igualmente agressiva ? mais de 80% da remuneração anual vem na forma de bônus e gratificações. Enfim, parece o Garantia, pensa como o Garantia e age como o Garantia. Mas não é o Garantia. É a filial brasileira do Credit Suisse First Boston, CSFB, um dos maiores bancos de investimento do mundo e do Brasil. A semelhança entre eles não é casual. O atual CSFB carrega em seu DNA todas as características do modelo do Garantia, o banco fundado por Jorge Paulo Lemann que, com seu ritmo febril de fazer negócios, revolucionou o mercado financeiro brasileiro na década de 90. Até que em 1998, vergado pelas crises russa e asiática, foi arrematado pelos suíços.
Os atuais manda-chuvas do banco não negam a paternidade. ?A cultura Garantia é um ativo de valor incalculável. Eles imprimiam agilidade, criatividade e competitividade aos negócios?, diz Antonio Quintella, presidente do CSFB. Os antigos acionistas se foram, mas o jeitão ficou. Quintella e sua equipe acabam de receber um atestado de que a herança permanece. Uma pesquisa realizada pela revista Institutional Investor, uma das principais publicações financeiras dos Estados Unidos, elegeu os prodigiosos garotos do CSFB como a melhor equipe de analistas do Brasil, superando gigantes como o Itaú e grifes internacionais como Merrill Lynch. A garotada tem colecionado outras marcas invejáveis. Eles colocaram o Credit entre os três maiores negociadores das 10 ações de maior liquidez na Bovespa. Também estão entre os três mais ativos na área de fusões e aquisições no País. O CSFB participa ainda da onda de emissão de papéis de companhias brasileiras aqui e lá fora. Neste mês, coordenou o maior lançamento de ações de 2004, um pacote de US$ 422 milhões da Braskem. No outro extremo, assessorou a Bunge no fechamento de seu capital, o maior já realizado no Brasil, no valor de US$ 300 milhões.
Outra marca indelével dos tempos do Garantia é a discrição. Avessos a badalações, os executivos do Credit fogem de aparições públicas. Quintella, por exemplo, se recusa a tirar fotos. O retrato dos quatro executivos nesta página é exceção. Só aconteceu devido ao prêmio conquistado na pesquisa da Institutional Investor ? uma ocasião tão solene que os levou a se enfiar em ternos e gravatas. A aversão aos holofotes criou um halo de mistério em torno do banco suíço. Até hoje, há quem os chame de Garantia.
O perfil de seus 400 funcionários também se encaixa no modelo Garantia. São jovens profissionais, com sólida formação acadêmica e forte agressividade na condução dos negócios. A seguinte frase de Marcelo Kayath, diretor do setor de análise de empresas do banco, resume o espírito predominante. ?Falam que há muita competitividade interna. Não é verdade. Aqui dentro trabalhamos em equipe. Lá fora, sim, furamos os olhos dos concorrentes?, afirma ele. O funcionário é avaliado com base nesse princípio. Ou seja, caso traga bons negócios para o banco e tenha espírito de equipe, pode ficar rico. Já quem traz poucos resultados e não joga em time não tem lá muito futuro. Os atuais donos até cunharam expressões para definir os dois grupos: os nice guys premium e os bad guys discount.
Os primeiros entram no clube dos sujeitos bem remunerados, muito bem remunerados, diga-se. Segundo informações do mercado, um analista fatura por ano o equivalente a US$ 250 mil, quantia que pode ser multiplicada por muitas vezes caso ele acerte a mão em um negócio. No caso dos chefões, esse valor chega a US$ 1 milhão anual. O dinheiro é bom, e trabalha-se muito. As jornadas estendem-se por até 15 horas. Férias, só às vezes, mas sempre com o celular ligado. Meses atrás, Kayath atreveu-se a passar cinco dias na Disney com a mulher e os filhos, na época em que a Vale do Rio Doce e a canadense Noranda emplacaram um namoro que poderia terminar em fusão. O celular não parava de tocar. ?Minha mulher deu ultimato. Aí fiz um acordo: entre as 8 horas e 9 horas da manhã, enquanto as crianças tomavam café, eu podia trabalhar ao telefone. Depois tinha que desligá-lo.?
O Garantia sempre foi uma fábrica de obcecados por trabalho. Mas também deixou para o Credit uma metodologia de análise de empresas azeitada. Seus profissionais não se limitam a listar pontos fortes e fracos de cada companhia. ?Não estamos aqui para escrever relatórios?, afirma Emerson Leite, analista do setor de energia e petróleo, um dos campeões da Institutional Investor. ?Nossa recomendação é claríssima: ?compre? ou ?venda?.? Os riscos, é claro, são listados. ?Mas não servem de desculpa para possíveis erros, pois nós os conhecíamos antes de fazer a recomendação?, diz Leite. Antes de colocá-la no papel, porém, os analistas saem a campo. Não é raro encontrá-los entre as gôndolas do Pão de Açúcar, falando com donas de casa, observando o atendimento ou analisando o mix de produtos. Volta e meia, Andrew Campbell, analista do setor de telecomunicações e um dos premiados pela publicação americana, desembarca na loja de uma operadora telefônica para verificar como funciona esta ou aquela promoção de venda. Pouco antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, o próprio Kayath conversou com cerca de 50 pessoas, entre empresários, sindicalistas e até amigos pessoais do futuro presidente. ?Com base nesse trabalho, apostei que não haveria mudança de rumo na economia?, diz ele. ?Lula é um homem conservador, não toma decisões se não tiver muita certeza.?
Os relatórios não rendem um centavo para o banco. Mas levam o cliente a comprar ações desta ou daquela empresa. Assim, o Credit ganha na corretagem. ?Em nosso negócio, entregamos o produto, e o cliente paga depois, se quiser pagar?, afirma Roberto Attuch, especialista em bancos e outro destaque no levantamento da revista. Estranho? Pode ser. Mas foi assim que o Garantia marcou época no setor financeiro e foi esse o legado que os prodigiosos garotos do Credit receberam e não parecem dispostos a abandonar.