13/09/2025 - 5:36
Através dos séculos, menores foram retratados como governantes, candidatas a casamento, anjos ou mendigos maltrapilhos. Representação de crianças em várias perspectivas é tema de mostra em Hamburgo a partir de novembro.A encomenda de Filipe 1° ao pintor era clara: suas filhas Leonor e Isabel, à esquerda e à direita de seu filho Carlos, não deveriam de forma alguma parecer pálidas ou doentes mas sim, com bochechas rosadas, encarnar a vida que desabrocha – vestidas com trajes magníficos, a parecerem mais belas quanto possível.
A pintura, concluída em 1502, foi então copiada várias vezes e enviada a outras cortes reais: uma prática comum entre as casas reais da Europa, visando apresentar as filhas como potenciais candidatas ao casamento. A mensagem: aqui pode-se fazer um excelente matrimônio.
“Quando os noivos se encontravam mais tarde, segundo consta, a decepção era realmente maior para um ou outro lado”, disse a historiadora de arte Katrin Dyballa à DW – afinal, as pinturas costumavam ser bastante favoráveis.
O quadro é um exemplo paradigmático da política matrimonial que a nobre família austríaca dos Habsburgos levou ao extremo durante muitos séculos para continuar a expandir o poder da dinastia, afirma Dyballa. Já na primeira infância – as irmãs tinham quatro e quase dois anos –, as meninas eram promovidas no mercado matrimonial.
A especialista chama a atenção para os brasões acima das cabeças das crianças. “Carlos, que mais tarde se tornaria Carlos 5°, tem o brasão completo pairando acima de sua cabeça. Nas duas irmãs, a parte esquerda do brasão está vazia, o que significava simplesmente que o brasão do futuro marido deveria ser inscrito ou pintado ali.”
Os meninos da nobreza também eram preparados desde cedo para seus futuros papéis – e já na infância eram retratados com uniformes da guarda real ou como comandantes militares em armadura.
A exposição Kinder, Kinder! Zwischen Repräsentation und Wirklichkeit (Crianças, crianças! Entre representação e realidade), que estará em cartaz entre novembro próximo e abril de 2026 no museu Bucerius Kunst Forum, em Hamburgo, abordará o tema da representação de crianças em imagens do século 16 ao século 21, mostrando diversas perspectivas, através de pinturas, fotografias e esculturas.
Menino Jesus e querubins
Na Idade Média, pinturas desse tipo eram bastante raras entre as famílias reais, pois a arte se limitava a retratar motivos mitológicos e religiosos. E aqui havia uma criança onipresente: Jesus no colo da Virgem Maria.
As crianças também eram muito populares no papel de anjos: os mais famosos até hoje são provavelmente os querubins de Rafael, que desde 1512/13 relaxam entre as nuvens aos pés da Madona Sistina.
Com o início da era moderna, o indivíduo passou a ocupar o centro da arte pictórica: a burguesia abastada logo começou a imitar a nobreza, mandando retratar seus filhos no opulento estilo barroco. Gostavam de “vesti-los com trajes fantasiosos que lembravam figuras mitológicas ou históricas”, diz Katrin Dyballa. “Com isso, pretendiam transferir simbolicamente às crianças as boas qualidades de uma personalidade histórica.” Por exemplo, a pureza e a castidade da deusa da caça Diana ou a beleza de Adônis.
Camponeses
Constituindo a maior parte da população, camponeses, artesãos e cidadãos de origem humilde, não tinham condições financeiras para encomendar tais obras. “Provavelmente, eles também não tinham interesse nisso, pois outras coisas eram mais importantes”, afirma Dyballa, citando como exemplo o trabalho diário e a família.
“As crianças eram vistas como seres produtivos muito mais cedo do que atualmente, o conceito de lazer não existia”, explica a historiadora Claudia Jarzebowski. Ele lembra que também não existia o conceito de trabalho no sentido de se ir ao escritório ou à fábrica, como hoje, mas sim de tarefas domésticas – e as crianças eram envolvidas desde cedo nos afazeres do lar. Os menores tinham que colher frutas silvestres, cuidar de gansos e muitas vezes não tinham mais do que 10 ou 11 anos quando eram empregados como criados.
Crianças de rua
O espanhol Bartolomé Esteban Murillo, um dos pintores barrocos mais famosos, era especializado principalmente em imagens de santos e madonas. Mas um dia ele começou a pintar quadros gigantescos de crianças de rua – num formato que normalmente era usado para retratar cenas da Antiguidade, da Bíblia ou mesmo famílias abastadas.
Ele queria despertar compaixão e motivar os ricos a praticar a caridade, segundo Dyballa. Logo outros pintores seguiram seu exemplo, principalmente na Inglaterra, onde as pinturas eram muito populares. No entanto, havia uma condição importante: “Eram crianças de rua com pés sujos e roupas esfarrapadas, mas os rostos e os corpos das crianças precisavam ser retratados de forma bonita”. Isso porque a clientela abastada só pendurava as imagens em suas salas “se as crianças não fossem maltratadas ou aleijadas”.
A invenção da “infância moderna”
Em meados do século 20, o sociólogo francês Philippe Ariès apresentou a tese de que, até o século 18, não havia consciência da infância. As crianças eram tratadas como pequenos adultos desde muito cedo. Além disso, devido à alta mortalidade infantil, as pessoas não criariam um vínculo estreito com os filhos.
Katrin Dyballa discorda dessa visão. “Também havia a fase da infância na Idade Média e no século 16, mas é claro que a transição para a vida adulta era mais precoce; a responsabilidade começava mais cedo.”
Ela refuta também a suposta falta de vínculo emocional com as crianças, lembrando haver relatos de que os pais enterravam secretamente bebês mortos e não batizados sob as escadas da igreja ou no altar, porque eles não podiam ser enterrados no cemitério: em “solo sagrado”, havia pelo menos uma chance de ir para o céu, o que, segundo a crença cristã da época, era reservado apenas às crianças batizadas, lembra a historiadora Claudia Jarzebowski.
Havia também retratos de crianças no leito de morte ou alusões à Antiguidade: então, o menor era retratado como o jovem Ganimedes, que certa vez foi raptado por Zeus, o pai dos deuses, e levado para o Olimpo.
O amor pelas crianças existia, portanto, em todos os séculos; já na Antiguidade existem bustos e relevos que refletem essa proximidade. A ideia de uma infância no sentido atual, que deve ser livre e despreocupada, só surgiu nas sociedades burguesas dos séculos 18 e 19, esclarece Jarzebowski – nas classes sociais que podiam se dar ao luxo de não envolver seus filhos em processos de trabalho. Cada vez mais, os pintores retratavam crianças absortas em brincadeiras ou correndo, e os pais orgulhosos decoravam as paredes de suas salas de estar com essas pinturas.
A fotografia muda tudo
Com o advento da fotografia, surgiram de repente possibilidades totalmente novas. No final do século 19, ela já era amplamente difundida: em álbuns de fotos antigos, encontramos crianças rígidas em trajes de domingo ou bisavós nus sobre peles de urso quando bebês.
Nas décadas seguintes, a fotografia se tornou um passatempo acessível para todos e, consequentemente, as crianças passaram a ser fotografadas em todas as poses e fases da vida possíveis. Como bebês no penico, nus na praia com pás e baldes, no primeiro dia de aula ou na festa de aniversário.
“Não era mais necessário contratar um pintor ou escultor, bastava pegar a câmera”, diz Dyballa. “A representação das crianças tornou-se muito mais espontânea e momentânea.” Até a era dos smartphones, essas fotos eram normalmente mostradas apenas para a família, mas o celular deu início a uma nova era. Os pais postam ingenuamente inúmeras fotos de seus filhos na internet; influenciadores apresentam regularmente fotos e vídeos de seus filhos e da vida familiar, pois isso leva a um aumento de seguidores e curtidas – com consequências às vezes nocivas, quando pedófilos acessam essas imagens.
“Durante séculos, as crianças não tinham voz ativa sobre como eram retratadas”, diz Dyballa.
Mas nas sociedades modernas, agora existem convenções que protegem o direito à própria imagem. “E cada vez mais os pais ouvem: você não pode postar essa foto minha no Facebook”, diz Claudia Jarzebowski, com base em sua própria experiência. “Acredito que a conscientização entre os jovens tenha se tornado mais forte.”