06/08/2003 - 7:00
Lá vem o maluco que fala sozinho?, cochicham os garçons de um restaurante paulistano quando vêem Sérgio Rodrigues, presidente da Oracle, chegar para o almoço. ?E então pessoal, o que tem de novo para a gente testar??, pergunta Emílio Umeoka, principal executivo da Microsoft, ao abrir as reuniões de quarta-feira com a sua cúpula de diretores. Como homens fortes das duas principais empresas de software do País, eles estão em campos opostos. Mas têm em comum uma paixão que, somente nos EUA, movimentará US$ 100 bilhões este ano: são os ?gadgets?, bugigangas eletrônicas que tempos atrás eram tidas, de modo preconceituoso, como ?coisa de japonês?. Hoje são brinquedinhos de marmanjos do mundo todo. Formam um exército ao avesso dos neoluditas, aqueles que têm aversão à tecnologia. Ned Ludd, operário inglês, comandou uma série de manifestações, no século 19, contra os teares mecânicos. Liderou o movimento ludista, renascido no século 20 com o avanço da internet e dos chips. As traquitanas de Rodrigues e Umeoka são as armas de quem venceu a batalha. Ser um superplugado, eis um estilo de vida do nosso tempo.
O aparelho preferido de Rodrigues é o viva-voz para celular Bluetooth. Ele tem conexão sem fio e reconhece comando de voz. Basta falar ?alô? para atender a uma chamada, ou dizer o nome da pessoa para quem se quer ligar. As mãos ficam livres o tempo todo. Rodrigues põe o Bluetooth na orelha ao sair de casa toda manhã e só o tira na hora de dormir. São mais de 15 horas de uso diário. No escritório, no carro, no restaurante, na academia, na rua. Às vezes parece mesmo que ele está falando sozinho. O celular sai do bolso só quando o executivo quer checar seus e-mails. Então ele direciona o aparelho para outro de seus gadgets inseparáveis, um poderoso Palm Tungsten (com gravador de voz, MP3 player e alto-falante), e transfere as mensagens por infravermelho. ?Minha produtividade aumenta 40%?, resume. A estatística, embora real, esconde uma mania, quase vício.
Ele invade a sociedade como um vírus. Espalha-se mesmo entre os que não trabalham diretamente com tecnologia. Allan Paiotii, sócio do fundo de investimentos Phoenix, de São Paulo, por exemplo, é cliente preferencial das principais lojas de eletrônicos americanas, como Best Buy e CompUSA. ?Passo facilmente três horas dentro delas?, diz. ?Na última vez comprei um acessório que transforma o meu Palm Tungsten em controle remoto universal para todos os eletrodomésticos da casa.? Sua ambição, agora: um kit para conectar o Palm a um projetor. As redes americanas são uma espécie de parque de diversões para essa turma. Umeoka, na sua mais recente
incursão a uma dessas mecas dos gadgets, adquiriu uma laboratório fotográfico portátil: câmera digital Sony de 4.1 megapixels e uma impressora HP, cujo tamanho é a metade de um pacote de pão de forma. Na verdade é a sua segunda câmera digital, porque a
primeira, que usa disquetes em vez de cartões de memória, virou brinquedo das filhas. Elas também já herdaram três gerações de
video games do pai. ?Ser parente de superplugado é ótimo?, diz o presidente da Microsoft no Brasil. ?Sempre sobra para eles algo que a gente acha que ficou obsoleto.?
Momentos analógicos. De uns tempos para cá, Umeoka anda entusiasmado com o Tablet PC, um tipo de prancheta eletrônica com laptop cujo maior trunfo é permitir que o usuário escreva diretamente na tela. Umeoka está abolindo o papel de seu dia-a-dia. Na tela do Tablet, ele corrige relatórios, esboça discursos e faz anotações. O executivo chegou ao preciosismo de configurar no equipamento o bloco de notas que o acompanha há 20 anos ? folhas amarelas, margem vermelha e pautas cinzas. É igualzinho ao real. No Tablet, ele também lê suas revistas estrangeiras preferidas. Basta conectar o equipamento à internet. Efeitos digitais imitam o folhear das páginas (com o som inclusive). Seu outro grande companheiro é o Partner, um celular GSM da Gradiente que tem funções de handheld. Com o pequeno notável, Umeoka agenda compromissos, guarda mais de 4 mil contatos, recebe e envia e-mails ? inclusive os que trazem recados deixados na secretária eletrônica de seu telefone fixo. ?Não preciso de mais nada?, diz. Mesmo assim, na próxima viagem quer ?dar uma olhada? em uns ímãs de geladeira que recebem a previsão do tempo e condições do trânsito via ondas de rádio.
Rodrigues, da Oracle, também já programou a próxima aquisição: uma nova câmera de vídeo digital. Quer ver como ficam as imagens no seu home theater com telão de 110 polegadas. Em casa, na sala, ele tem um supercontrole remoto que aciona luzes, som, vídeo e ar-condicionado. ?Falta só trazer a cervejinha?, brinca. Mas há limites. ?O segredo é não ser escravo dos gadgets?, ensina Rodrigues. ?Eu os utilizo por prazer, diversão e, mais do que tudo, para sobrar tempo e ter bons momentos analógicos com a minha família.? É nessa hora que rede volta a ter o seu significado original: um pedaço de pano preso à parede, feito para descansar ? de preferência com um MP3 player nos ouvidos, porque ninguém é de ferro.