Lorin Maazel não joga com a 9. Lorin Maazel não faz gols. Lorin Maazel não namora Daniela Cicarelli. Lorin Maazel não é pentacampeão do mundo. Mas Lorin Maazel rivalizava, na semana passada, com Ronaldo na guerra de dólares e euros que precede o início da temporada artística ? um nos palcos, o outro nos gramados. Maazel é regente e diretor da Filarmônica de Nova York. Seu salário anual, por 14 semanas de trabalho, é de US$ 2,3 milhões. Ronaldo, saliente-se, embolsa US$ 20,4 milhões anuais mas ameaça não renovar com o Real Madrid. O maestro francês é uma espécie de Ronaldo da batuta. A discussão em torno de seus vencimentos, por serem os mais espetaculares entre os grandes nomes das orquestras, era assunto nos salões dourados de Nova York. Mas há outros milionários. O argentino Daniel Barenboim, da Sinfônica de Chicago, recebe algo ao redor de US$ 2,14 milhões a cada doze meses. O indiano Zubin Mehta, diretor-executivo da Filarmônica nova-iorquina, não sobe no tablado por menos de US$ 750 mil. Tudo muito bonito, mas é um allegro ma non troppo.

O problema: os músicos de orquestra andam chiando. Alegam receber muito menos que os regentes. Têm aumentos, é verdade, mas num ritmo estupidamente mais lento. Um exemplo: Thomas Morris, o manda-chuva da Orquestra de Cleveland, nos Estados Unidos, teve um crescimento salarial, de 1997 a 2002, de 92% ? neste mesmo período, os músicos viram suas contas crescerem apenas 19%. Deu-se uma dissonância barulhenta. ?É como no mundo corporativo, onde os salários dos CEOs explodiram nas últimas três décadas, com bônus magníficos, enquanto os trabalhadores ficaram estagnados?, diz Robert Frank, economista da Universidade Cornell. No Brasil, há também distância entre os que empunham instrumentos e o condutor. Mas, em pelo menos um caso, é necessário observar detalhes que fazem toda diferença. John Nehsling tirou a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo do anonimato para a glória. A Osesp (e a sala São Paulo, onde são realizados os concertos) tem padrão internacional, com 8 mil assinaturas por ano.

Neshling recebe cerca de US$ 350 mil anuais. Mas conseguiu subir o patamar de salário dos 105 músicos para a casa dos R$ 5 mil, algo que nunca ocorreu – antes, recebiam metade desse valor. Neshling oferece, para repetir as palavras de Oswald de Andrade, biscoito fino para a massa. Induzido a comentar seu salário, ele costuma responder com uma comparação, parente daquela que mistura Ronaldo e Maazel. ?O Brasil tem uma seleção de futebol que é a melhor do mundo e gasta rios de dinheiro. Mas é sensacional, dá uma auto-estima. Também temos de ter auto-estima em termos de orquestra, senão seremos um país pobre e não mais rico?. Ele tem toda razão e, pela qualidade de seu trabalho, merecia mais. É preciso, porém, resolver um dilema prévio ? no Brasil, o dinheiro da orquestra ainda vem basicamente dos cofres públicos, e muito pouco de doações e da iniciativa privada. Não é assim nos Estados Unidos e na Europa.

De um modo ou de outro, há um novo personagem da cultura em todo o mundo ? os maestros que se comportam como divas, ídolos de rock temperamentais, herdeiros de Herbert Von Karajan (1908-1989), o primeiro a transformar erudição em fortuna, em meados do século XX. Gustav Mahler (1860-1911) morreu com apenas US$ 34 mil. Arturo Toscanini (1867-1957) nunca teve mais que uma casa. Norman Lebrecht, autor de O mito do maestro, descreve a nova geração de modo irônico. ?A companhia em que os regentes viviam modificou-se com seu status ascendente. Os amigos de Mahler eram artistas e cientistas. Os de Toscanini eram sobretudo músicos. Um regente de nossos dias cultiva o tipo de gente que conhece em Davos e Saint-Tropez. Ganhando tanto quanto um diretor da IBM, tem interesses comuns com magnatas do petróleo e corretores de valores.?