30/05/2014 - 20:00
Na última semana, o empresário José Lopes, dono da Rochinha, a tradicional fabricante de sorvetes paulista, recebeu o telefonema de um gestor de um fundo de investimentos que, havia meses, o vinha assediando para que aceitasse um generoso aporte financeiro em troca da venda de uma participação no capital de seu negócio. A resposta de Lopes foi: “Agora, já era.” Do outro lado do telefone, o interlocutor não escondeu sua surpresa: “Eu não acredito que o senhor fez isso!” Sim, ele fez. Depois de anos de ofensiva de fundos de investimento, bancos, empresários franceses, americanos e brasileiros – entre eles João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, dono da Hypermarcas –, a fabricante de sorvetes de São Sebastião, no litoral paulista, tem um novo sócio.
Com aquisição de 30% da Rochinha, por um valor estimado pelo mercado em R$ 8 milhões, a Consultoria Hurtado & Moraes, especializada na área de gestão, que passa agora a atuar também como uma venture capital, faz parte do grupo de controle. Por trás da empresa estão Dantes Hurtado, executivo com passagens pela presidência da Philip Morris, pela divisão de alimentos da Unilever e pela Master Blenders no Brasil (dona das marcas Café do Ponto, Pilão e Caboclo), e Lupércio Moraes, ex-diretor da Master Blenders e da rede Fran’s Café. O faturamento da fabricante de sorvetes, que continuará sob o comando da família Lopes, fechará o ano próximo a R$ 20 milhões, segundo analistas de mercado, e com a produção de 140 mil picolés por dia, em média.
A administração e a estratégia comercial ficarão a cargo de Moraes. “Só vimos que era possível porque eles são como a gente, têm os mesmos valores da nossa família”, afirma Lopes. Essa sintonia de valores foi, aparentemente, o ponto-chave para o negócio acontecer. A família Lopes, constituída por evangélicos fervorosos, sempre esteve à frente da Rochinha – desde a esposa, Rosalina Lopes, aos seis filhos, que cuidavam da área de produção, marketing e comercial. A partir de agora, com a nova composição acionária, os Lopes ficam no conselho. “Ter tempo disponível vai ser importante para pensar no que vamos fazer na produção da Rochinha”, diz Lopes, que gosta de participar da criação dos novos sabores.
Ele também deve voltar a se dedicar à antiga profissão de construtor de casas de veraneio no litoral. As reuniões de família, movidas a churrasco, realizadas religiosamente todos os domingos em São Sebastião ou em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, onde está localizada a fábrica, continuam para colocar o restante da família a par dos rumos da Rochinha. E foi numa dessas churrascadas que os Lopes fecharam a venda de parte do negócio para os novos sócios. As conversas entre Hurtado, Morares e a família começaram no fim do ano passado. Até concluir o negócio, foram feitos 90 dias de pré-teste para saber se a nova gestão daria certo.
“Levamos as nossas famílias a um churrasco na casa dos Lopes”, diz Moraes. “Sabíamos que isso era importante para eles.” Lopes já havia recusado inúmeras propostas, por medo de que a Rochinha perdesse a reputação construída ao longo de mais de três décadas. Caso tivesse aceitado, a Rochinha poderia ter tido o mesmo destino da americana de sorvetes Ben&Jerry’s, comprada em 2000 pela Unilever. “Eles perderam totalmente a identidade e tiveram que trazer de volta seus fundadores”, afirma Marcos Machado, sócio-diretor da Top Brands. Lopes também não revela suas receitas, principalmente do seu carro-chefe, o sorvete de coco. “Recebemos o presidente da Melona (empresa coreana de sorvetes) aqui e ele queria a nossa receita”, diz. “Mas essa eu não dou.”
Uma das propostas mais tentadoras que a família recebeu foi a do dono da Hypermarcas, no começo dos anos 2000. Lopes lembra que Júnior entrou em sua fábrica de sorvetes com um projeto ambicioso nas mãos. A ideia era expandir a marca pelo País, o que incluía até a contratação da apresentadora Xuxa como garota-propaganda. “Ele me pediu para dizer quanto eu queria, dei o valor, ele disse que pagava, mas eu não quis”, afirma Lopes. “Não tive coragem.” Logo depois, a Hypermarcas comprou a Geloko, de Santa Catarina, que mais tarde fechou as portas. Até hoje, Lopes afirma que Júnior, que preferiu não comentar a proposta feita pela Rochinha, lamenta que o negócio não tenha dado certo. “Para a família, não era a hora”, afirma Lopes. “Agora é.”