Há 44 anos, caças destruíram reator francês no Iraque de Saddam Hussein, provocando condenação internacional e marcando uma nova doutrina de “ataque preventivo”. Mas justificativa e eficácia da ação ainda geram debate.Aviões de guerra israelenses se deslocam por mais de mil quilômetros, numa ousada e secreta operação militar. O alvo: um reator nuclear. A justificativa: impedir que uma nação hostil aos israelenses desenvolvesse a capacidade de produzir armas atômicas.

Não se trata da campanha militar israelense contra o Irã em 2025, mas de um ataque surpresa contra Iraque do ditador Saddam Hussein ocorrido há mais de quatro décadas. Em 7 de junho de 1981, o mundo assistia à conclusão da Operação Ópera, uma ousada e (até hoje) controversa ação militar contra um complexo nuclear ainda em construção nos subúrbios de Bagdá.

A ação resultou na destruição do reator Osirak, fruto de cooperação entre o Iraque e a França. Para o governo de Israel, o reator era uma ameaça. Mas franceses e iraquianos argumentaram que o dispositivo não tinha propósito militar.

Considerada um sucesso do ponto de vista israelense, a operação unilateral foi alvo de condenação internacional, inclusive por parte dos EUA, que foram pegos de surpresa.

O ataque também marcou o nascimento da chamada “Doutrina Begin”, em referência a Menachem Begin (1977-1983), o primeiro-ministro israelense que autorizou a ação.

Por essa doutrina, que foi adotada por quase todos os governos subsequentes do país, os israelenses se viam no direito de lançar ataques “preventivos” – do seu ponto de vista – para impedir que nações “inimigas” obtivessem armas de destruição em massa – ou, na visão dos críticos, impedir que outras nações desafiassem o monopólio nuclear de Israel na região.

É a mesma doutrina militar que foi evocada para justificar as ações israelenses em andamento contra o Irã.

O alvo: Osirak e a cooperação França-Iraque

Em 1975, os governos do Iraque e da França assinaram um acordo de cooperação, avaliado em 350 milhões de dólares, que previa que os franceses forneceriam um reator nuclear, cerca de 70 quilos de urânio enriquecido, além de ajudarem na instalação do dispositivo e no treinamento de pessoal iraquiano.

O reator foi apelidado de “Osirak” – junção do nome da sua classe, Osiris, e a grafia francesa para Iraque (Irak) – e seria instalado na Central de Pesquisa Nuclear de Tuwaitha, nos arredores de Bagdá.

À época, o então primeiro-ministro francês Jacques Chirac tentou minimizar temores afirmando que se tratava de uma cooperação voltada para pesquisa e que as especificações técnicas do reator impediam que ele fosse convertido para a produção de armas. Além disso, argumentou Chirac, o acordo previa que todo o processo fosse acompanhado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Sabotagem e assassinatos

Os israelenses, no entanto, se mostraram céticos desde o início e tentaram demover, sem sucesso, os franceses de prosseguir com a cooperação.

Israel e o Iraque haviam sido adversários em três guerras (1948, 1967 e 1973). Além disso, o então vice-presidente iraquiano, Saddam Hussein, que estava a caminho de construir uma ditadura pessoal, já havia manifestado publicamente em entrevistas o desejo de construir uma bomba atômica.

Em 1977, o ultranacionalista Menachem Begin assumiu o cargo de premiê de Israel e ordenou que os serviços de segurança e os militares intensificassem planos para destruir o reator.

No início, os israelenses recorreram a atos de sabotagem e assassinatos seletivos.

Em maio de 1979, uma misteriosa explosão danificou o Osirak quando o dispositivo estava embalado num hangar na cidade francesa de La Seyne-sur-Mer pronto para ser despachado para o Iraque. No ano seguinte, um físico egípcio contratado por Saddam para chefiar o programa, e que estava em Paris para acompanhar os reparos do reator, foi misteriosamente assassinado. O mesmo aconteceu com outros dois engenheiros iraquianos durante viagens à Europa.

No entanto, as ações apenas atrasaram a instalação do Osirak. Ainda em 1980, o reator reparado foi exportado para o Iraque e começou a ser instalado ao sudeste de Bagdá.

A próxima ameaça ao reator, porém, não viria dos israelenses, mas dos iranianos. Em setembro de 1980, tropas do regime de Saddam invadiram o Irã, que havia acabado de se converter em um regime fundamentalista islâmico. Em meio à guerra aberta entre os dois países, caças iranianos bombardearam o canteiro de obras de Tuwaitha.

Ataque surpresa israelense

O ataque iraniano, no entanto, não provocou danos decisivos. Em fevereiro de 1981, técnicos franceses iniciaram novos reparos. Mas a essa altura o governo Begin já havia avançado em seus planos de executar um ataque militar surpresa.

A operação envolveu desafios logísticos imensos. Aviões israelenses teriam que se deslocar mais de 1.000 quilômetros, passando pelo território da Jordânia, Arábia Saudita e Iraque. E tudo isso duas vezes.

Alguns membros do governo israelense manifestaram oposição, temendo que o ataque provocasse um abalo nas relações com os franceses e fragilizasse a paz assinada com o Egito em 1979. Diferentes agências israelenses também não concordavam sobre o quão próximo o Iraque estaria de produzir uma bomba, e as estimativas variavam de dois a dez anos.

Mas alguns ministros, entre eles, o futuro premiê Ariel Sharon, apoiaram o plano militar. No final, Begin tomou a decisão de atacar baseado na estimativa mais pessimista, que os iraquianos estavam a apenas dois anos de completar uma bomba.

Na tarde de 7 junho de 1981, um domingo, uma esquadrilha 14 aviões de guerra israelenses decolou rumo ao Iraque. Era o início da Operação Ópera. Aparentemente, os israelenses escolheram um domingo para minimizar o número de baixas entre os técnicos franceses que atuavam no canteiro.

Os aviões alcançaram o alvo em três horas. O ataque durou apenas 1 minuto e 20 segundos. Pelo menos oito das 16 bombas de 900 quilos lançadas acertaram o domo do reator. Desta vez, o complexo de Tuwaitha foi danificado de maneira avassaladora. Dez soldados iraquianos e um engenheiro francês morreram. Os israelenses não sofreram nenhuma baixa. Furioso com a penetração dos caças israelenses, Saddam mandou executar o coronel responsável pela defesa aérea do setor.

Reação negativa dos EUA e do Ocidente

Ao contrário do ataque em andamento contra o Irã em 2025, a reação ao bombardeio de 1981 foi majoritariamente negativa. Até mesmo entre países próximos de Israel, como os EUA, a Alemanha Ocidental e o Reino Unido, que não compartilhavam a visão alarmista dos israelenses sobre o reator.

Num raro consenso, o Conselho de Segurança da ONU, com aval dos EUA, aprovou uma resolução condenando o que foi chamado “ataque premeditado” de Israel. O conselho ainda apontou que Israel deveria indenizar o Iraque e também colocar seu próprio programa nuclear sob a vigilância da AIEA. Os americanos também pausaram uma venda de caças para os israelenses.

Os franceses, por sua vez, afirmaram que o ataque violava a lei internacional e que seu projeto com os iraquianos não tinha nada a ver com a produção de armas. No entanto, o novo presidente francês, François Mitterrand, que havia assumido o cargo semanas antes e via o projeto como uma batata quente deixada pela administração anterior, evitou antagonizar abertamente com os israelenses. No final, os franceses evacuaram todos os seus técnicos do Iraque e o governo Begin concordou em indenizar a família do engenheiro morto.

O complexo de Tuwaitha e o reator Osirak nunca foram reparados. Em 1984, alegando falta de pagamento por parte dos iraquianos, a França se retirou do acordo. Em 1991, as ruínas do complexo foram novamente arrasadas pelos americanos durante a Guerra do Golfo.

Nasce a Doutrina Begin

Dois dias depois do ataque em 1981, o premiê Begin foi a público congratular os pilotos e apresentar suas razões.

Descrevendo o ataque como um ato de “autodefesa antecipado”, Begin profetizou que não se tratava de uma ação isolada, mas o primeiro ato de uma nova doutrina política nacional. Evocando a memória do Holocausto, ele disse que Israel defenderia seu povo “com todos os meios disponíveis”. “Não permitiremos que nenhum inimigo desenvolva armas de destruição em massa que possam ser usadas contra nós”, disse.

Uma semana depois, ele reiterou que essa visão não se limitaria ao seu governo. “Esse ataque será um precedente para todos os futuros governos de Israel. Todo futuro primeiro-ministro israelense agirá, em circunstâncias semelhantes, da mesma maneira.”

Efeitos em Israel

Três semanas após o ataque, em 30 de junho, Begin e seu partido venceram as eleições legislativas de 1981, ultrapassando por pouco uma coligação liderada pelo trabalhista Shimon Peres, que havia sido publicamente contra uma ação militar contra o Iraque.

Nas décadas seguintes, a Operação Ópera ganharia ares míticos em Israel. Futuros governos israelenses continuariam a evocar a “Doutrina Begin” contra programas nucleares de outros países encarados como uma ameaça por Tel Aviv.

Em 2007, durante o governo de Ehud Olmert, os israelenses lançaram um ataque contra a Síria do ditador Bashar al-Assad e arrasaram um complexo suspeito de abrigar um reator. Assim como em 1981, Israel lançou o ataque unilateralmente, à revelia dos seus aliados nos EUA.

A partir de 2010, os israelenses também intensificaram atos de sabotagem no Irã e assassinatos de cientistas no país.

Mas nem todos os políticos israelenses se voltaram automaticamente para a Doutrina Begin. Em 2005, o então premiê Ariel Sharon, que havia apoiado o ataque de 1981, manifestou preferência por pressão diplomática internacional para lidar com o Irã. Ele acabaria sendo criticado pelo seu colega de partido Benjamin Netanyahu, que defendeu que Israel deveria continuar a “seguir o legado ousado e corajoso de Begin”.

Ao voltar ao posto de premiê em 2009, Netanyahu esboçaria em 2010, 2011 e 2012 planos de lançar sua própria Operação Ópera contra o Irã, mas, segundo áudios vazados, foi barrado pela oposição de membros do seu gabinete.

Vitória ou tiro pela culatra?

Não foi apenas em Israel que a Operação Ópera ganhou ares míticos. Nas décadas seguintes, membros de diferentes administrações dos EUA expressariam admiração pelo ataque – minimizando as críticas feitas em 1981.

Em 1991, Dick Cheney, então secretário de Defesa, agradeceu aos pilotos que participaram do ataque, afirmando que eles ajudaram a tornar a recém-encerrada Guerra do Golfo contra o Iraque mais fácil para os americanos. Dez anos depois, já como vice-presidente, Cheney seria um dos arquitetos da “doutrina Bush”, que tinha como pedra angular a possibilidade de ataques “preventivos” unilaterais.

“A fé no sucesso de tais ataques, especialmente os ataques limitados em vez de invasões maciças, baseia-se em grande parte em um relato favorável do 7 de junho de 1981. (…) Mas o ataque ao Osirak foi mesmo bem-sucedido?”, questionou o cientista político Dan Reiter, em 2005.

A visão positiva do ataque de 1981 não é automaticamente compartilhada por alguns historiadores e especialistas em proliferação nuclear, que ainda debatem se a Operação Ópera foi justificada ou até mesmo eficaz.

Ainda em 1981, o cientista político americano Kenneth Waltz advertiu que o ataque poderia ter o efeito indesejado de levar os iraquianos a redobrarem seus esforços para produzir uma bomba.

Cientistas que fugiram do Iraque também compartilharam essa visão, apontando que Saddam passou a investir bilhões de dólares em programas secretos após a Operação Ópera, longe dos olhos da AIEA, ao contrário do que ocorria com o Osirak. Mas, mesmo com esse novo esforço redobrado, Saddam ainda não tinha superado dificuldades técnicas para obter uma bomba quando seu país foi alvo dos americanos na Guerra do Golfo nove anos depois.

Especialistas em proliferação nuclear também sugeriram que toda a Operação Ópera foi executada com uma premissa errada, apontando para o argumento francês de que Osirak não poderia ser usado para produzir armas.

“A destruição do reator de Osirak não atrasou o desenvolvimento de armas nucleares [pelo Iraque] porque ele nunca foi planejado para fazer parte de tal esforço”, afirmou a especialista em estratégia nuclear Malfrid Braut-Hegghammer em um artigo em 2014.

Por outro lado, outros especialistas, mesmo destacando que o Iraque não estava próximo de produzir uma bomba em 1981, especularam que o ataque pode ter tido um efeito dissuasor sobre outros países da região que poderiam estar cogitando construir bombas.

Mais de quatro décadas depois, o debate sobre a Operação Ópera ainda não foi encerrado.