Sociedades médicas brasileiras divulgaram nesta sexta-feira, 12, uma nota de esclarecimento sobre o estudo que associou o uso de semaglutida, ativo dos medicamentos Ozempic, Wegovy e Rybelsus, a um maior risco de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (NOIA-NA), doença ocular rara que atinge o nervo óptico e pode levar à cegueira.

O texto, assinado pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), ressalta que há limitações na pesquisa e, até o momento, não há evidências de causalidade entre o uso de semaglutida e o surgimento de NOIA-NA

“Até o momento, não há evidências de causalidade entre o uso de semaglutida e surgimento de NOIA-NA. No entanto, novos estudos, especialmente os grandes estudos de vida real, dedicados à avaliação da saúde ocular em pacientes usando semaglutida, são aguardados para esclarecer esta questão”, diz a nota.

Os especialistas afirmam que o uso da semaglutida deve continuar sendo indicado normalmente para pessoas assintomáticas, “porém apenas por médicos, sendo fortemente condenado o uso sem prescrição médica e para perda de peso em pessoas sem obesidade ou sem sobrepeso com comorbidades”.

O que dizem as sociedades médicas?

Na nota, as entidades afirmam que seus comitês científicos analisaram detalhadamente o estudo, desenvolvido por pesquisadores do Mass Eye and Ear – hospital-escola da Universidade Harvard com foco na saúde ocular, do ouvido, nariz, garganta, cabeça e pescoço – e publicado na revista científica JAMA Ophthalmology, e destacam os seguintes aspectos:

– de 17.298 pacientes com doenças neuro-oftalmológicas de uma clínica especializada em neuro-oftalmologia, foram selecionadas 710 pessoas com diabetes e 979 com obesidade;

– 555 pacientes selecionados estavam usando semaglutida e, nesses, ocorreram 37 casos de NOIA-NA, ou seja, 6,6%;

– em 1.134 pessoas com diabetes ou obesidade sem uso de semaglutida, houve nove casos de NOIA-NA, ou seja 0,79%;

– essa diferença foi significativa estatisticamente, em termos relativos.

Por outro lado, ponderam que o estudo foi observacional e não foi randomizado, ou seja, as pessoas que usaram semaglutida não foram sorteadas para receber a medicação e, sim, escolhidas a partir dos registros médicos para serem incluídas no estudo de acordo com o uso prévio. Devido a essa seleção, não há como afirmar que aqueles que usaram semaglutida tinham um risco de NOIA-NA semelhante ao das pessoas que não receberam medicação.

Além disso, fatores de risco como tabagismo, duração do diabetes e a morfologia do disco óptico não foram levados em conta, O estudo também não avaliou se, no grupo que utilizou a semaglutida, os pacientes realmente seguiram a prescrição adequadamente, pois não havia controle de adesão à medicação. Também não foram apresentadas informações sobre as doses de semaglutida, impedindo verificar se doses mais altas foram associadas a uma maior incidência de NOIA-NA.

As entidades enfatizam ainda que a NOIA-NA é uma doença rara, com prevalência de 2 a 10 casos para cada 100 mil pessoas na população geral, ou seja, 0,002% a 0,01%, e que o grupo que não usou semaglutida apresentou uma taxa de 0,79% – muito acima do padrão. Para os médicos, isso indica que os resultados foram obtidos em uma população de risco muito maior, o que limita a possibilidade de extrapolar os resultados para a população em geral.

“Portanto, não é possível concluir sobre a existência de uma relação de causa e efeito entre o uso da semaglutida e surgimento de NOIA-NA neste estudo. Não há como afirmar, com estes dados, que a semaglutida tenha causado aumento de casos de NOIA-NA”, diz a nota.

As sociedades também lembram que, em 13.809 pacientes que receberam semaglutida em estudos randomizados anteriormente, não houve nenhum caso de NOIA-NA relatado e enfatizam os benefícios do uso da semaglutida tanto na perda de peso quanto no controle da hiperglicemia de pacientes com diabetes tipo 2, na diminuição de risco de eventos cardiovasculares e na redução da progressão da doença renal do diabetes.

“A SBD, a ABESO, a SBEM e a SBO reconhecem que, apesar de ser possível ter havido um aumento de risco relativo de NOIA-NA em pessoas usando semaglutida, o aumento no risco absoluto foi muito baixo, e não deve ser motivo para suspensão da medicação”, afirma o comunicado.

Recomendações

As sociedades recomendam que o exame da retina seja realizado de forma rotineira e periódica por pessoas com diabetes, como parte do acompanhamento da doença, como já estipulam as diretrizes em vigor.

Atualmente, a maior causa de cegueira em pacientes com diabetes é a retinopatia diabética. A Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e do Wegovy, anunciou que um estudo em andamento está analisando os efeitos de longo prazo da semaglutida 1,0 mg nessa enfermidade. A conclusão da pesquisa está prevista para o segundo semestre de 2027.

Em relação a indivíduos que já tenham tido NOIA-NA ou que apresentem perda súbita ou recente da visão, as entidades médicas afirmam que a semaglutida deve ser imediatamente retirada e o paciente submetido a exame oftalmológico o mais breve possível. A decisão terapêutica deverá ser tomada caso a caso, em conjunto com o oftalmologista.