24/03/2017 - 8:12
Aos 23 anos, o cotidiano do paulistano João Becheli começava na praia. Logo cedo, ele dedicava algumas horas ao surfe antes de partir para o trabalho como roteirista em um canal de televisão de Fortaleza. Morando sozinho pela primeira vez, “descobrindo a vida”, como diz, o jovem, hoje com 33 anos, foi diagnosticado em 2006 com linfoma de Hodgkin, tipo de câncer que afeta as células de defesa do corpo. “Foi um susto. O nome ‘câncer’ inevitavelmente assusta. Não conhecia ninguém que tinha tido. Não sabia o que aconteceria. Foram dias confusos no começo”, relembra.
O diagnóstico inesperado foi sucedido de oito meses de tratamento em 2006, que se repetiram outras duas vezes, quando a doença retornou em 2011 e 2015, ano em que João foi submetido a transplante de medula autólogo (quando o material provém do próprio paciente). “Até já brinquei que poderia pedir música no Fantástico.”
Sem nenhum fator genético que o ligue à doença, João vê as experiências como “fases desconfortáveis e de muito aprendizado”. Afinal, segundo ele, não há diagnósticos que expliquem o motivo de ter enfrentado o linfoma três vezes. “Sempre mantive hábitos saudáveis, amo esportes”, diz o morador do Sacomã, zona sul da capital, que nada regularmente e costuma andar de skate nas imediações do Parque da Independência “sempre que sobra tempo”.
Longe da menopausa. Assim como João, Amanda Cabral Benites descobriu a doença muito jovem, aos 21 anos. Segundo ela, o diagnóstico causou surpresa até nos médicos, pois o câncer de ovário epitelial costuma atingir mulheres que estão na menopausa. “Eu tinha saúde de ferro, não pegava nem gripe. Nunca fumei, nunca bebi, não tinha sobrepeso. Minha vida era muito ativa, eu trabalhava e fazia faculdade. Não imaginava que passaria por isso tão nova”, relembra ela, que também teve resultado negativo no exame de herança genética.
“Era uma vida que você olha e questiona ‘o que aconteceu?’. Não tem explicação. É tudo muito nebuloso, o que deixa a gente, enquanto paciente, até mais confuso”, diz. Amanda relata que ouviu muita especulação de conhecidos e parentes para explicar sua doença, desde comer nuggets na infância até gostar de chocolate. “O tema ainda é tabu. Muita gente não aceita não ter uma explicação, até por medo”, relembra.
Nascida em Maringá, no Paraná, a jovem, agora com 25 anos, está em estágio remissivo há dois anos e meio, depois de ter passado por quimioterapia e uma série de cirurgias, que resultaram em uma menopausa precoce. Desde 2014, ela relata sua experiência no blog Tira o Lenço, que virou um canal no YouTube em 2015.
“Eu tenho uma vida tão saudável quanto antes. Tem um período que a gente acha que é culpado pelo o que aconteceu, mas uma vida saudável não é garantia de que nada vai acontecer, embora diminua os riscos”, comenta a jovem, que pratica exercícios com regularidade, mas não abre mão de eventualmente comer carne ou produtos com açúcar refinado.
“Continuo não bebendo, não fumando. Esse extremismo prejudica. A pessoa acaba ficando triste, refém de si, se expõe ao exagero, a uma situação tão limite quanto na época do tratamento”, opina a tradutora e professora de inglês, que se mudou para São Paulo em 2016 para fazer um mestrado na USP. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.