23/11/2019 - 14:57
A Igreja Católica já estuda um milagre que pode tornar santo o padre Donizetti Tavares de Lima, beatificado oficialmente neste sábado, 23, em Tambaú, interior de São Paulo. Conforme o bispo dom Antônio Emidio Vilar, da diocese de São João da Boa Vista, que inclui Tambaú, é necessário que haja a comprovação pelos médicos, por meio de exames, de que se trata de algo extraordinário para a canonização. “Nós aguardamos os exames para essa comprovação”, disse, sem dar mais detalhes.
O padre Anderson Godoi de Oliveira, vice-postulador da causa do beato Donizetti, confirmou que há vários relatos de milagres que teriam acontecido depois daquele que resultou na beatificação, mas é preciso cumprir as fases do processo de canonização. “Para o segundo milagre, a Igreja pede que seja documentado após a celebração da beatificação. É agora que vamos iniciar o processo e fazer a documentação. Esperamos que não demore tanto”, disse. Segundo ele, o santuário de Tambaú espera receber a comunicação de outras graças alcançadas pela intercessão do beato Donizetti.
A solenidade de beatificação do religioso, que incluiu missa campal, foi assistida por 20 mil pessoas, sob sol forte, neste sábado, em Tambaú. Para muitos, padre Donizetti já é santo. “Os milagres já existem, é só uma questão de tempo para que sejam reconhecidos”, disse Terezinha Cândida Novaes, de 46 anos, que viajou mais de 400 km, desde Itapeva, para assistir a cerimônia.
O aposentado Domingos Antonio Somera, de 73 anos, quis relatar à reportagem o que ainda não havia contado a ninguém. “Quando eu tinha 5 anos, minha mãe me levou para tomar a bênção do padre. E ele me olhou e disse para ela me levar no médico, pois eu estava com apendicite. Ela me levou e descobriram que era um caso agudo e eu podia morrer.”
Houve emoção e aplausos quando o adolescente Bruno Henrique Arruda de Oliveira, de 13 anos, que recebeu o milagre aceito pelo Vaticano para considerar o padre bem-aventurado, subiu ao altar com as relíquias de padre Donizetti. A imagem oficial do padre foi apresentada aos devotos sobre o altar.
O bispo dom Vilar cumpriu o rito de beatificação, pedindo ao cardeal Angelo Becciu, representante do papa Francisco, a inscrição do venerável Donizetti Tavares de Lima no número de bem-aventurados da Igreja Católica. Em seguida, o cardeal leu a carta apostólica na qual o pontífice acolheu o pedido. As letras apostólicas foram lidas em latim, a língua oficial da Igreja.
Na homilia, dom Vilar pediu “pelos governantes do Brasil e do mundo, a fim de que em tudo contribuam para a vida, para a solidariedade e a fé”, e “por todos os que, a exemplo do bem-aventurado Donizetti, se colocam a serviço da justiça e da caridade”.
O bispo lembrou que o padre, vivendo num período complexo da história do Brasil, não excluía ninguém “Para ele, todos os homens eram iguais, (ele) não olhava para a cor da pele, a cultura, a fé da pessoa. Foi um antecipador dos direitos humanos contra a desenfreada corrida imposta pelos interesses econômicos que destroçam a pessoa humana. Desafiou contrariedades e perseguições, arriscou a vida colocando-se na defesa dos doentes e operários.”
Na coletiva à imprensa, o cardeal Angelo Becciu disse que o papa Francisco falaria sobre a beatificação de padre Donizetti, durante a cerimônia do Angelus, deste domingo. 24, no Vaticano. “O papa Francisco quer que ele sirva de exemplo para todos os padres, em toda a Igreja.” Bruno e seus pais, Adriano Hilário de Oliveira, de 42 anos, e Margarete Rosilene Arruda de Oliveira, 46, deram testemunho do milagre e da mudança da vida deles depois do acontecido. “Sei que agora represento a esperança para muitas pessoas que estão doentes e acreditam que, como aconteceu comigo, Deus pode operar um milagre na vida delas”, disse Bruno.
‘Cura foi considerada inexplicável à luz da medicina’
Bruno nasceu com uma deformidade conhecida como pé torto congênito bilateral e não conseguiria andar. Seus pais eram devotos de padre Donizetti e a mãe, depois de tentar desentortar os pés de Bruno com as mãos, começou a chorar e pediu a intercessão do religioso. Ela prometeu levar os sapatinhos de Bruno à casa do padre, em Tambaú, caso fosse atendida.
No dia seguinte, ao acordar, ela pôs o menino em pé sobre a mesa e ele pisou com os pés retos, como se não tivesse a anomalia. Levado outra vez ao ortopedista, o médico constatou que ele não tinha mais nada nos pés e chegou a dizer que Deus tinha curado a criança.
Conforme o padre Anderson, os relatos e documentos referentes à cura foram juntados no processo de beatificação, que tramitava havia 24 anos, e foi decisivo para o decreto do papa. O Tribunal Eclesiástico que avaliou o caso considerou que a cura preenchia os requisitos exigidos pela Igreja para aceitar o fato como milagre.
“O pedido foi feito apenas ao padre Donizetti para que intercedesse junto a Nossa Senhora Aparecida. Se fosse dirigida a mais de um santo ou venerável, não seria aceito pela Igrejá. O menino apresentou cura instantânea, completa, sem deixar sequelas, e duradoura. Vejam como ele está muito bem até hoje. E a cura foi considerada inexplicável à luz da medicina”, disse.
Padre nasceu em MG, mas dedicou 35 anos da sua vida a Tambaú
Tambaú não é a cidade natal do padre Donizetti, que nasceu em Cássia (MG), em 1882, mas foi a ela que o religioso dedicou os últimos 35 anos de sua vida. Foi ali que ele morreu e foi sepultado em junho de 1961, já com a fama de milagreiro. Na história oficial do município, consta que ele curou as pernas cheias de feridas de um vendedor de vinhos. O homem contou o milagre para comerciantes de cidades vizinhas e, em poucos dias, os romeiros começaram a chegar a Tambaú para receber as bênçãos do religioso.
A fama cresceu quando, em outubro de 1929, a igreja de Santo Antônio pegou fogo. O padre entrou nos escombros e saiu com a imagem de Nossa Senhora Aparecida nas mãos, intacta. A história relata que o menino Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, esteve na cidade em 1955 com seu pai e, durante o sermão, o padre teria dito que “há um menino aqui que se tornará um atleta não só conhecido no país, como no mundo”.
Outra história, confirmada pelo protagonista, é a do jornalista Joelmir Betting, nascido em Tambaú, e que foi coroinha do padre. O então garoto Joelmir tinha um problema de gagueira, que desapareceu depois que o sacerdote rezou um Pai Nosso segurando em sua mão.
A cidade, de 23.207 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vive em função do padre. Cerca de 200 mil devotos por ano movimentam a economia local, injetando R$ 6 milhões no comércio e serviços, segundo o diretor municipal de Turismo, Edilson Faria. Somente em julho, mês em que o padre morreu, são 40 mil fiéis.
Segundo ele, os devotos procuram o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, onde fica o jazigo com seus restos mortais, a casa em que o padre morou, aberta à visitação, a réplica da igreja de São José e o mausoléu no cemitério – mesmo sabendo que, o túmulo está vazio desde 2009, quando os ossos foram transferidos para o santuário.
Brasil tem 37 santos e 50 beatos
A Igreja Católica considera que o Brasil tem 37 santos, incluindo os que nasceram em outro país, mas viveram e se santificaram aqui. Dois são nascidos no Brasil: Santo Antônio de Almeida Galvão, nascido em Guaratinguetá (SP), e a recém-canonizada Santa Dulce dos Pobres, nascida em Salvador (BA). Também são muito conhecidos São José de Anchieta (padre Anchieta), nascido na Espanha, e Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus (madre Paulina), nascida na Itália. A lista inclui 30 santos mártires do Rio Grande do Norte e três do Rio Grande do Sul.
Este ano, além do padre Donizetti, o papa Francisco autorizou também a beatificação da menina brasileira Benigna Cardoso da Silva, que morreu mártir aos 13 anos de idade e é chamada de “heroína da castidade”. Ela nasceu em outubro de 1928 em Santana do Cariri (CE) e, em 1941, foi assassinada após recusar a ter relações sexuais com um adolescente.
O Brasil tem outros 50 beatos, alguns bastante conhecidos do povo, como Nhá Chica, como ficou conhecida Francisca de Paula de Jesus, morta em Baependi (MG), e a freira Lindalva Justo de Oliveira, que se tornou mártir em Salvador (BA).