DINHEIRO ? Ainda existe risco de crise energética?
ADJARMA AZEVEDO ? A resposta é sim. Os fatores que
se conjugaram de modo que o racionamento acontecesse
ainda estão aí.

DINHEIRO ? Quais são esses fatores?
AZEVEDO ? Primeiro, eu acho que eles não acreditaram nos
próprios números. Uma falta de água não acontece de uma hora
para outra. Os reservatórios vão baixando lentamente. Nós da Abrace já havíamos avisado que os estoques de água estavam diminuindo. Mas pouco antes, eles negaram a possibilidade.
Espero que agora eles passem a acreditar nos próprios números.
O segundo fator é a falta de interligação energética entre as diversas regiões do País. Na época do racionamento sobrava energia no Sul e faltava no Sudeste porque não havia linha de transmissão. No Norte e Nordeste acontecia o mesmo. Se cumprirem a promessa de interligação do sistema, vamos minimizar o risco. A conexão Sul/Sudeste está sendo construída e deverá ficar pronta até março. E o terceiro fator era a ausência da energia reguladora, a térmica, que seria utilizada nos momentos de risco. Enfim, a possibilidade
de crise ainda existe e é forte. Se ela ocorrer, o racionamento só
vai ser evitado com um custo maior para todos os consumidores,
as empresas e os indivíduos, pois o governo ligará as térmicas e
será necessário pagar por isso.

DINHEIRO ? Qual foi o saldo do racionamento?
AZEVEDO ? Houve uma queda de dois pontos porcentuais no PIB. O PIB deveria crescer 4% e ficou em 1,96%. Houve aumento no desemprego e os impostos caíram 8,2%. O ICMS só não caiu porque as tarifas de energia subiram e ele incidiu sobre uma base maior. E a produtividade caiu 2,5% devido ao aumento de custo. Algumas empresas deixaram de exportar e não terão dificuldades de retomar os clientes. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas, que foi contratada no início do racionamento por nós e previu exatamente o que aconteceu. Isso é o saldo e já passou. Pior: temos uma sensação de que esses números vão
se repetir. Só que desta vez por causa do aumento do custo provocado pela elevação das tarifas e criação de contribuições emergenciais. Os efeitos da revitalização do setor de energia são duradouros.

DINHEIRO ? Qual o quadro que está se desenhando?
AZEVEDO ? Para se ter uma idéia, só nos setores representados pela Abrace, o aumento de custos com energia elétrica é da ordem de US$ 30 milhões por mês, a partir de janeiro deste ano. O mercado de energia é da ordem de US$ 48 bilhões. A despesa dos setores
da Abrace é de US$ 200 milhões a US$ 250 milhões por mês. Além dos aumentos de tarifas contratuais, tivemos de arcar com um aumento para compensar as perdas das concessionárias, de 7,9%.
Aí criaram o seguro apagão, de R$ 4,90 por megawatt/hora, para manter os geradores que serão ligados no caso de proximidade
de racionamento. Se eles tiverem de ser usados, o aumento será ainda maior. Na sexta feira, enquanto todo mundo estava se preparando para ver o Brasil na final da Copa, o governo aumentou esse valor para R$ 5,70. Os grandes consumidores pagam hoje
de R$ 50 a R$ 60 por megawatt/hora. Isso tudo é lei. Saiu uma medida provisória que virou a Lei 10438. Para destravar a votação da CPMF, essa lei passou de qualquer maneira. Esses números
podem ser um pouco menores, um pouco maiores, mas será uma brutalidade qualquer.

DINHEIRO ? Qual o efeito dessa situação?
AZEVEDO ? Os setores da Abrace são da indústria de base. Então, qualquer aumento vai se refletir em toda a cadeia produtiva. Além disso, ela sofre o impacto dos aumentos da energia que ela consome diretamente. No mercado interno, isso significará repasse para o preço, o que significa inflação. E o que tiver como destino o mercado externo, terá sua competitividade reduzida. Se alguém estiver decidindo um investimento, ele certamente repensará sua iniciativa. Pode ser que algumas empresas se tornem tão pouco competitivas que até fechem.

DINHEIRO ? Por exemplo?
AZEVEDO ? O setor de soda e cloro, que pertence à Abrace. Ele é importantíssimo para o desenvolvimento de qualquer país e corre o risco sério no Brasil. Não há nesta sala, nada que não tenha levado cloro ? papel, roupa, madeira, a água que bebemos, Para essa indústria, o consumo de energia representa 50% dos custos. O maior impacto ainda está por vir. Durante o racionamento, houve problemas de abastecimento até para o saneamento básico. Na Paraíba, houve falta de cloro. Acho que as importações de soda foram de 250 mil toneladas. É um número estrondoso. Se essa situação de altos custos de energia demorar cinco anos, a indústria de soda estará detonada, não há sobrevivência. Eu sei porque a indústria de alumínio é a maior consumidora de soda e cloro. O que temos é uma agregação de custos constante. A empresa e o empresário brasileiros são heróis, da mesma estatura dos jogadores do penta, por sobreviverem nessa situação.

DINHEIRO ? Esse quadro já foi levado ao conhecimento do governo?
AZEVEDO ? Levado, dito, escrito… Há um grupo de estudo que recebe nossas sugestões e prometeu analisá-las. O ministro Pedro Parente tem nos ouvido. Mas nós estamos em compasso de espera. O governo está sensível e pode gerar uma resposta.

DINHEIRO ? Não está demorando?
AZEVEDO ? Está, mas acho que essa questão provocou discussões mesmo dentro do governo. Nesse setor de energia, o governo tem de pensar na questão econômica, na industrial, na arrecadação, etc. É uma equação sofisticada. A resolução para o setor deveria ser anunciada em maio, foi adiada para junho e entramos em julho sem resposta. Quem está cuidando de sanar o problema do setor não está preocupado com a indústria. O ministro Pedro Parente está solucionando o problema do setor elétrico. Temos vários interlocutores. Não existe alguém que esteja vendo a situação de forma sistêmica. Estão vendo aos pedaços. Mas, enquanto isso, os aumentos continuam. Enquanto nós conversamos, os custos vão aumentando. As taxas emergenciais continuam sendo pagas…

DINHEIRO ? E pelo histórico do governo, tudo que entra como imposto ou taxa provisória…
AZEVEDO ? … não volta nunca mais, nunca mais sai. Eu acredito que o governo vá se sensibilizar quando as empresas fizerem água. Acho que os responsáveis por essa situação pensam: bem, o pessoal da indústria conseguiu sobreviver sob todas as pressões, então coloca mais 2% que eles conseguem.

DINHEIRO ? Isso não pode ser confundido como choradeira do setor?
AZEVEDO ? Poderia, mas na realidade a choradeira que foi atendida foi a das distribuidoras que tiveram os 7,9%. Eles não choraram de que tinham perdido dinheiro com o racionamento? Então. As empresas que estão chorando não são as que receberam. Não seria choradeira, porque alguns desses setores chegaram ao limite.

DINHEIRO ? Quanto o PIB pode crescer sem risco de crise energética?
AZEVEDO ? Cada ponto do PIB corresponde a um crescimento de um ponto porcentual e meio no crescimento de energia. O consumo de energia este ano saiu do racionamento com uma economia de
7% em relação há um ano e mais 7% em relação à meta estipulada para agora. Então temos um espaço de 14%. Mas não é tanta
folga como parece, porque os investimentos em hidrelétricas são
de longa maturação.

DINHEIRO ? Qual seria a solução?
AZEVEDO ? Mais investimentos em energia. Seriam necessários
US$ 6 bilhões de investimento em geração, distribuição e transmissão por ano. Está no plano decenal do governo. Mas os investimentos em hidrelétricas são de longa maturação. O governo parou de investir na geração, transmissão e distribuição. Quando a iniciativa privada começou a investir em hidrelétricas há sete anos, já não havia tempo de evitar o racionamento. A usina de Machadinho começou a ser construída há cinco anos e só agora começou a operar. A iniciativa privada está participando ativamente. Nós estamos participando da construção de mais de seis mil megawatts. Juntas, as empresas privadas como Votorantim, Alcoa, Vale do Rio Doce e Camargo Corrêa investirão quase US$ 4 bilhões na construção de novas usinas leiloadas pelo governo. Só a Alcoa já se comprometeu com investimentos de US$ 600 milhões e esse montante pode chegar a US$ 1 bilhão. Dois terços das empresas representadas pela Abrace são autogeradoras. Mas tudo isso deveria ter ocorrido no passado. Agora, estamos correndo contra o tempo.

DINHEIRO ? O que poderia ser feito para minimizar esse problema no curto prazo?
AZEVEDO ? Existem algumas medidas que o governo poderia tomar. Ele está fazendo leilões de energia velha, ou seja, das hidrelétricas que já existem. Mas nós concorremos com as distribuidoras de energia, e como elas têm mais escala, não teremos chances. Então, o governo poderia reservar uma parcela da energia velha para os grandes consumidores.

DINHEIRO ? Vocês já falaram com os candidatos à Presidência sobre esse assunto?
AZEVEDO ? Ainda não, mas vamos falar.

DINHEIRO ? Haveria algum mais simpático a essas reivindicações?
AZEVEDO ? Acho que ninguém é contra. Todos querem resolver. Qual deles não quer mais emprego, mais desenvolvimento, mais produção?

DINHEIRO ? O sr. como presidente da Alcoa tem contato permanente com os investidores estrangeiros. Qual a maior preocupação que eles externam a respeito da atual situação econômica do País?
AZEVEDO ? É a quebra de contrato, mudança da regra do jogo. O histórico não é favorável pela moratória de 1987 e pelo confisco de 1990. Mas vamos superar todos esses problemas.