11/08/2019 - 10:14
O fim da primavera de 2015 em Katmandu, capital do Nepal, floria de um jeito mais bonito no coração de Eduardo Veríssimo. Solteiro e aos 37 anos, o homem alimentava dentro de si o desejo de ser pai desde sua adolescência, e encontrou no país a oportunidade de ter seus filhos via barriga de aluguel – sem uma companheira. Ele viajou até lá para o processo de fertilização in vitro (FIV) e, pela primeira vez, pensou estar próximo de realizar o seu sonho.
“Eu sempre gostei de criança e sinto que nasci para ser pai. Sabia que em certo momento isso aconteceria de forma natural”, explica. Veríssimo não encontrou uma parceira interessante para ter filho ao longo da vida, e passou a ver a paternidade como um projeto que dava para tocar sozinho. Ele percebeu, no entanto, que nem tudo era tão fácil quanto parecia, e o que era esperança no começo, transformou-se em frustração e estresse.
Um dia após deixar o material genético na clínica de reprodução e voltar para o Brasil, um terremoto de altas proporções devastou o Nepal – o pior sismo desde 1934. Milhares de pessoas morreram e os serviços básicos foram cortados, deixando a população sem água, luz e moradia. Diante da precariedade, a Suprema Corte nepalesa proibiu estrangeiros de contratarem barrigas de aluguel no país, que até então era um destino marcado por isso devido à falta de leis.
Eduardo Veríssimo não abaixou a cabeça e tentou a fertilização in vitro em Tabasco, no México, dois anos depois. Mas, após quatro tentativas fracassadas, a Justiça mudou o Código Civil e também vetou o processo para pessoas de outros países. “Eu já estava desgastado físico e emocionalmente. Fiquei sabendo da proibição por um amigo no momento em que eu esperava pelo teste de gravidez. Fiquei sem esperanças”, recorda.
Foi aí que ocorreu o que ele menos esperava: o Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil passou a permitir, em 2017, que a FIV fosse realizada em parentes de até quarto grau e entre não-familiares. Nesse último caso, é necessário pedir autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM), sempre dentro do contexto legal de barriga solidária (que não cobra pela cessão temporária do últero). E foi o que Eduardo fez.
Vale ressaltar que o artigo 15 da lei nº 9.434, de 1997, tipifica como crime a compra ou venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, com penas de três a oito anos de prisão e multa. Apesar de alguns juristas levarem em conta essa norma para criminalizarem a a comercialização da gravidez, outros alegam que o ato não se enquadra nessa sanção. “Falta legislação penal [para esse assunto]. A barriga de aluguel, ao meu ver, é mais uma questão moral do que jurídica, apesar de entendimentos contrários”, interpreta Veríssimo, que é advogado. “[No meu caso], estamos falando de uma cessão temporária do útero, e não da compra e venda”, completa.
‘Eu tinha a certeza de que realizaria o sonho de ser pai’
Com a mudança na lei , uma amiga de sua mãe aceitou ceder o útero a ele, e a gravidez foi confirmada pelos médicos em oito de agosto de 2017, em São Paulo. Os dois anos de ansiedade e frustração, entre a Ásia e a América, se converteram em lágrimas no rosto do novo pai durante uma tarde de sol daquele dia. Eduardo recebeu o resultado do exame pelo celular no caminho do trabalho e não conteve a emoção. Ele chorava compulsivamente dentro do carro e um filme passou pela sua cabeça, relembrando as dificuldades e sua persistência para superá-las.
“Eu não acreditava no que estava acontecendo, porque muita coisa tinha dado errada até então. Tentei e alcancei meu sonho porque fui teimoso”, afirma. A partir de então, Eduardo providenciou, via cartório, uma escritura pública de cessão temporária do útero e um termo de conduta e consentimento para direcionar o processo. Isso evita que haja desistência de ambas as partes.
O tempo da gestação foi passando e o homem não sentiu medo de a mulher se apegar afetivamente aos bebês. Ela era casada, aceitou a ideia com o apoio do marido e já tinha filhos. “Meu único receio era um aborto ou que não nascessem com saúde”, recorda.
Havia um sentido especial na preocupação: ele descobriu que teria gêmeos, o que aumenta os perigos na gravidez por FIV. De acordo com o médico responsável pelo processo de Eduardo, Fernando Prado, as gestações múltiplas podem trazer problemas de pressão alta, diabetes e hemorragias para as grávidas. “Para as crianças, o risco de prematuridade é grande e, com isso, sequelas podem aparecer, especialmente quando nascem antes do sétimo mês de gravidez”, alerta.
Apesar do risco, Julia e Vitor nasceram saudáveis, de oito meses, e o advogado se transformou no primeiro pai a registrar filhos fruto de fertilização in vitro só em seu nome no Brasil, conforme atestou o cartório após uma consulta nos bancos de dados nacionais.
“Às vezes, são cinco, seis, sete, oito tentativas [de FIV], e as pessoas cansam, acham que não vai dar certo, que não é para ser”, analisa. “Mas eu tinha algo dentro de mim que dizia que uma hora daria certo. Não sabia quando, onde, mas eu tinha a certeza que realizaria o sonho de ser pai. Isso que me fez seguir em frente”.
‘Sou um pai que honra a paternidade ativa’
Apesar da história de amor, a presença paterna ainda é uma realidade distante da vida de muitos filhos no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o País ganhou 1,1 milhão de famílias formadas por mães solteiras entre 2005 e 2015.
Parte disso se deve ao aumento do número de casais sem filhos e às famílias de uma só pessoa. Mesmo assim, o número expressivo abriu espaço para se discutir a ‘paternidade ativa’, ou seja, pais que não se resumem a sustentar a casa e que se empenham em dar carinho, banho, trocar fraldas e outras posturas ainda ligadas erroneamente apenas ao mundo feminino.
“A divisão de tarefas por gênero, entre pai e mãe, tem que mudar. É um pensamento que não cabe mais na sociedade moderna”, critica. “Temos que olhar para cada momento da criança para não se arrepender no futuro do que não fez. Fora os traumas que a negligência paterna gera na vida da criança. Quando o Vitor e a Julia comem, por exemplo, eu bato palma, eles dão risada… é um tipo de carinho muito importante para a formação de um ser humano do bem e afetuoso. O pai não pode se ausentar disso”, reflete.
Apesar de os números ainda demonstrarem um contraste no comportamento dos homens para com os filhos, Eduardo Veríssimo, de 41 anos, analisa que sua geração, da década de 1980, tem se mostrado participativa em espaços cuja presença do pai era estranha um tempo atrás. “Hoje, quando eu entro em berçários de shopping ou em salão de cabeleireiro, vejo muitos deles presentes. Tem pai trocando fralda enquanto a mãe espera do lado de fora e não me sinto sozinho. Não é mais só a mulher nesses espaços. A postura está mudando”, diz.
Diante disso, o homem se orgulha de cultivar uma relação próxima com seus filhos. Para ele, não cabe no dia a dia a imagem do pai ‘durão’, que cumpre seu papel pondo ‘comida na mesa de casa’, e tampouco comentários preconceituosos sobre a “falta de uma mãe”, como já leu nas redes sociais de um religioso que reprovou a ideia de ser pai solteiro.
Os pequenos Vitor e Julia, que hoje estão com um ano e cinco meses, são criados com o mesmo ‘amor incondicional’ que vieram ao mundo e têm como referência as figuras femininas da avó, madrinha e das tias. A rotina dos três é parecida com a de muitas famílias: Eduardo fica com os pequenos de manhã, busca-os na escola, brinca, dá o jantar e os coloca para dormir. No fim de semana, passam o dia juntos e se reúnem com os outros parentes, como estão fazendo neste Dia dos Pais, 11. “Quero criar cidadãos com princípios e valores e pretendo deixar um legado humano. Sou um pai que honra a paternidade afetiva”.
*Estagiário sob a supervisão de Charlise Morais