Devo não nego, pago quando puder”, essa frase conhecida do repertório popular está cada vez mais presente nos lares brasileiros. Os dados mais recentes divulgados pela Serasa Experian divulgados no dia 27 mostram que o número de inadimplentes alcançou 70,1 milhões de pessoas, 65% da população adulta economicamente ativa. Um triste recorde. Segundo o Mapa de Inadimplência da Serasa, o valor médio das dívidas era de R$ 4.612,28 em janeiro, num total de R$ 323 bilhões. Os segmentos que mais concentram pendências são os mesmos: bancos e cartões (29,6%), contas básicas de água, luz e telefonia/internet (21,5%) e empresas varejistas (11,3%). Diante da realidade, a prioridade do Sistema Financeiro e das empresas é tentar receber pelo menos uma parte do crédito concedido que está em atraso. Por esse motivo, por todo o Brasil e por canais digitais estão de volta os feirões Limpa Nome, com a participação de grandes bancos privados (Itaú, Bradesco), recuperadoras de crédito (Recovery, Ativos), e de redes como Marisa, Renner, Carrefour.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) também lançou no dia 1º de março mais um Mutirão Nacional em parceria com o Banco Central, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Procons de todo o País. Segundo nota da Febraban, a campanha vai até 31 de março. “A renegociação de dívida costuma ocorrer por meio de alongamento de prazos, redução de taxas, alteração nas condições de pagamento ou, ainda, a migração para outras modalidades de crédito mais baratas”, disse Amaury Oliva, diretor-executivo de Cidadania Financeira da Febraban.

Vivian Koblinsky

“Queremos ajudar as pessoas a quitarem suas dívidas e recomeçarem. O Desenrola será para famílias de baixa renda e deve destravar dívidas pequenas que estão negativadas para voltar a ter uma vida mais saudável”  Wagner Sanches CEO da Recovery.

Entre os participantes do Feirão, a Recovery, do grupo Itaú, espera renegociar 1 milhão de contratos somente em março. O CEO da Recovery, Wagner Sanches, falou à DINHEIRO que a empresa possui R$ 150 bilhões de créditos em inadimplência e pretende atender os 34 milhões de clientes da sua base com descontos de até 99%. “Queremos ajudar essas pessoas a quitarem suas dívidas e recomeçarem”, disse. Sanches também contou que está otimista com o Desenrola, o programa de renegociação de dívidas do governo federal, cujo modelo será decidido em reunião do Ministério da Fazenda com o presidente Lula no dia 6 de março. “O Desenrola será para famílias de baixa renda e deve destravar dívidas pequenas que estão negativadas para as pessoas voltarem a ter uma condição de vida mais saudável”, afirmou Sanches.

Entre as empresas não-financeiras há preocupação com os atrasos dos consumidores. Atento a essa demanda, o CEO do Banco ABC Brasil, Sergio Lulia Jacob, contou que a instituição, focada em crédito corporativo, lançou sua recuperadora de débitos. “Vai auxiliar nossos clientes (empresas) a cobrar recursos concedidos para o consumidor final”, disse. Na visão do economista e professor da FAC-SP Denis Medina, os feirões e multirões são oportunidades para bancos, empresas e inadimplentes encontrarem uma solução para dívidas com juros elevados. “ºEstá na hora de destravar e fazer a roda da economia voltar a girar”, afirmou. Que assim seja.

ENTREVISTA: Sergio Lulia Jacob CEO do Banco ABC Brasil
“As emissões de dívidas estão muito fracas, praticamente inexistentes”

Divulgação

Os balanços do setor divulgados nos últimos dias mostraram uma cautela maior dos grandes bancos no crédito corporativo após o caso de Americanas. O que está ocorrendo?
O ano de 2023 começa com uma maior cautela, com taxas de juros altas, economia desacelerando e em decorrência de alguns fatores, um deles é esse caso específico [Americanas] e de outros que vieram a público [Marisa, Light], que o mercado sabia que eram empresas que estavam alavancadas [endividadas]. Nestes últimos, isso é normal, faz parte do capitalismo, no exemplo da citada [a Americanas], daí não. Embora as empresas de um modo geral estejam saudáveis em indicadores de rentabilidade e de endividamento em relação ao caixa, com esses casos todos, isso cria uma cautela maior nos financiadores de caixa.

Como essa cautela maior reflete no mercado?
A cautela maior está vindo principalmente do mercado de capitais, e menos dos bancos. Nos últimos anos, a emissão de dívida via debêntures, commercial papers (notas promissórias), CRI, CRA e todos esses instrumentos de recebíveis vinham contribuindo com uma fatia tão grande quanto os bancos. Quando empresas que títulos no mercado têm problemas causa uma insegurança geral em investidores. As emissões de dívida nesse primeiro bimestre estão muito fracas, e em fevereiro, praticamente inexistentes. Isso sem dúvida coloca uma pressão sobre as companhias que deixam de ter acesso momentaneamente ao mercado de capitais.

A seca do crédito que começou no mercado de capitais deve continuar nos próximos meses?
No geral, as empresas brasileiras estão muito saudáveis, mas neste momento o mercado de capitais dá um soluço e depois retoma porque possui bons emissores e as taxas de rendimento se ajustam um pouco ficando mais atraentes para os investidores. Esse é o cenário básico, em que surgem duas ou três empresas com dificuldades, que renegociam esses títulos, ou decretam recuperação judicial, e os investidores se assustam. Então, o mercado de capitais se retrai para entender o que está acontecendo e depois retoma compreendendo que são casos mais isolados.