Delegados rompem em Roma impasse da COP16, que começou ano passado na Colômbia, e chegam a acordo sobre plano para financiar a proteção da vida selvagem em algumas das nações mais pobres do mundo.Após três dias de intensas negociações, os países romperam um impasse da 16ª Conferência das Nações Unidas (COP16) sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) da ONU, realizada ano passado em Cali, na Colômbia, e chegaram a um acordo sobre um plano de financiamento à proteção da vida selvagem em algumas das nações mais pobres do mundo.

O motivo do impasse era a falta de consenso sobre como fornecer um financiamento de 200 bilhões de dólares (R$ 1,17 trilhão) por ano a iniciativas de biodiversidade em todo o mundo até 2030.

As discordâncias haviam provocado o colapso das negociações, retomadas numa segunda rodada na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, na Itália.

Embora a decisão anunciada na noite desta quinta-feira (27/02) não especifique um novo mecanismo de financiamento, ela delineia um caminho para decidir sobre as instituições que fornecerão o financiamento nos próximos anos.

O acordo foi anunciado sob aplausos de representantes da comunidade internacional presentes na conferência.

“Os aplausos são para todos vocês. Vocês fizeram um trabalho incrível”, disse a presidente da COP16, Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia.

Brian O’Donnell, diretor do movimento global Campaign for Nature, descreveu a decisão como “muito bem-vinda” após anos de negociações. “Nestes tempos turbulentos, é inspirador ver 196 países se unirem e superarem diferenças e desafios nacionais para chegar a uma solução compartilhada.”

Ao abrir as negociações na capital italiana esta semana, a presidente da COP, Susana Muhamad, havia apelado aos delegados para que trabalhassem juntos por “algo que provavelmente é o objetivo mais importante da humanidade no século 21, que é a nossa capacidade coletiva de sustentar a vida neste planeta”.

Por que as negociações haviam emperrado em Cali?

Um dos principais pontos de discórdia girava em torno dos mecanismos de financiamento existentes para a proteção da biodiversidade, especialmente para as nações mais pobres.

Os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil e pelo Grupo Africano, defendiam a criação de um novo fundo alegando que os atuais não atendiam às suas necessidades.

Analista de políticas internacionais da WWF na Alemanha, uma ONG internacional de preservação da vida selvagem, Florian Titze diz que solicitar fundos internacionais segundo as regras atuais pode ser difícil.

“Para os países menos desenvolvidos que não têm muita capacidade, às vezes é muito desafiador passar por esses processos, e isso consome muito tempo. Não é muito eficiente”, sublinha.

Entretanto, as nações ricas, lideradas por União Europeia, Japão e Canadá, advertiram que vários fundos podem fragmentar a ajuda. Eles também enfatizaram a necessidade de prestação de contas sobre os gastos.

“O Norte Global argumenta, obviamente, que ‘é o dinheiro dos nossos contribuintes, portanto, não podemos simplesmente dar a vocês e vocês fazem com ele o que quiserem’. Então as questões políticas internas também entram nisso”, explica Titze.

O alemão chamou o acordo desta quinta-feira de “sucesso muito importante”. “Isso mostra que, apesar das grandes discordâncias e visões diferentes, a comunidade global ainda pode se unir, arregaçar as mangas e resolver suas diferenças”, comemora Titze.

Biodiversidade é essencial à vida humana, mas está em declínio

A biodiversidade é essencial não só para a saúde do planeta, mas também para sustentar a vida humana. Especialistas estimam que mais de 75% das plantações de alimentos dependem de insetos e outras espécies para a polinização e que cerca de metade dos medicamentos modernos são derivados de recursos naturais.

Além disso, as florestas e os habitats oceânicos absorvem enormes quantidades de dióxido de carbono, ajudando a mitigar os efeitos do aumento das temperaturas globais.

No entanto, cientistas alertam que as espécies estão desaparecendo em ritmo cada vez mais alarmante. Um relatório afirma que o tamanho médio das populações de animais selvagens caiu cerca de 73% entre 1970 e 2020.

Os especialistas culpam as atividades humanas, como práticas agrícolas sem sustentabilidade, o desmatamento e a disseminação da poluição. Eles dizem que o mundo natural pode estar atingindo pontos de inflexão ligados a impactos “irreversíveis e catastróficos” para as pessoas e a natureza.

“Cometemos o erro de ver [a biodiversidade] como um tópico de nicho e algo que não é politicamente crucial”, constata Titze. “Quando olhamos para nossas sociedades, nossas economias, nossa segurança e até mesmo a saúde, todas essas coisas são sustentadas pela natureza.”

Fora o Vaticano, EUA é único país do mundo a desprezar acordo

Nos últimos anos, os países começaram a levar a perda de biodiversidade mais a sério. Em uma cúpula da ONU em 2022, os líderes chegaram a um acordo histórico, estabelecendo metas ambiciosas para proteger 30% das áreas terrestres e marinhas até o final da década. Eles também concordaram em restaurar 30% das áreas degradadas no mesmo período.

Para acompanhar o progresso em direção às metas, os governos tiveram que apresentar Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAPs) até outubro do ano passado. Quatro meses depois, 46 das 196 partes apresentaram suas propostas, além do Reino Unido, que se tornou a última nação do G7 a lançar sua estratégia no início da cúpula em Roma. Mas a lista não inclui os EUA, que é um dos dois únicos países – o outro é o Vaticano – que não fazem parte da Convenção de Biodiversidade das Nações Unidas.

“O fato de que quase todos os governos do mundo estão aparecendo e realmente levando isso a sério é encorajador para mim”, diz Jill Hepp, líder da política de biodiversidade da organização sem fins lucrativos Conservation International.

“Acho que isso mostra o fato de que a biodiversidade não se refere apenas às espécies carismáticas – embora elas sejam importantes – mas há muita consideração sobre a importância da natureza para fornecer alimentos, água e ar puro”, acrescenta.