DINHEIRO ? No livro, o sr. descreve os riscos que as pessoas correm na nova ordem financeira mundial. Que riscos seriam esses?
Robert Shiller ? Um dos principais riscos é a globalização, com o rápido fluxo de capitais de um país para o outro. Temos também a robótica e a cibernética. As tecnologias estão se desenvolvendo rapidamente e as máquinas estão substituindo os trabalhadores. Além do mais, há o que chamo de efeito ?o vencedor leva tudo?. Com o avanço das comunicações e da tecnologia da informação, aumenta o risco de que algumas pessoas se dêem muito bem, tenham um sucesso enorme, enquanto muitas outras fiquem para trás.

DINHEIRO ? O que o sr. sugere para resolver ou amenizar esse problema?
Shiller ? Esse é um problema duro para as pessoas e difícil de resolver. Como não existem muitas idéias circulando sobre o assunto, resolvi tratar do tema. Penso que existe esperança na nova tecnologia. A mesma tecnologia que está criando o problema tem um potencial para nos ajudar a resolvê-lo. O tema do meu livro é esse: com uma tecnologia melhor e maior entendimento da gestão de risco, podemos desenvolver as instituições e servir melhor as pessoas.

DINHEIRO ? Como se pode melhorar a situação de países
como o Brasil?
Shiller ? Minhas propostas não são soluções imediatas. São saídas futurísticas, apontam caminhos a longo prazo. Não é que não
possam ser feitas agora. Mas é que soam inusitadas neste
momento. O que todo país deveria fazer neste momento, e o Brasil não é exceção, é começar a diversificar seus riscos para investidores ao redor do mundo.

DINHEIRO ? Como seria essa solução, em termos práticos?
Shiller ? Um exemplo de um país que fez um pouco do que proponho no livro é a Bulgária. Em 1994, os búlgaros pegaram um empréstimo internacional emitindo títulos da dívida do país. A novidade é que o resultado dos papéis estava atrelado ao desempenho da economia. Ou seja, eram indexados ao PIB. O que isso significa? Se a economia não vai bem, paga-se menos aos credores. Foi isso o que ocorreu. Desde 1994, o desempenho da Bulgária foi frustrante. Por isso, não teve de pagar muito dinheiro. É o que proponho: empréstimos atrelados a algum tipo de medida de sucesso do país.

DINHEIRO ? Mas o sr. acredita que os investidores comprarão esses títulos, especialmente depois da experiência búlgara?
Shiller ? Essa não é uma prática comum e, por isso, há uma série de obstáculos. Mas as coisas estão mudando rápido no mundo. Em especial, por causa das alterações trazidas pelas novas tecnologias. Não estou dizendo que são coisas óbvias e simples de fazer. Mas temos algumas maneiras de tentar dar maior segurança aos países. Além de indexar a dívida ao desempenho da economia, proponho um esquema de troca de dívidas entre países (swap). Tenho defendido que esse conceito deve ser estendido à diplomacia internacional. É o que eles deveriam tentar implementar: países trocando dívidas com outros.

DINHEIRO ? Como funciona essa troca?
Shiller ? É um conceito muito bem entendido na comunidade empresarial, mas não por políticos. É só uma maneira de dividir o risco. Um país procura outro para trocar riscos. Essa ligação seria feita com a ajuda de um intermediário, como o Banco Mundial ou o FMI. Os dois países assinariam um contrato repartindo riscos: aquele que fosse extraordinariamente bem-sucedido e crescesse bastante, repassaria dinheiro para quem tivesse menos sucesso.

DINHEIRO ? Mas é viável?
Shiller ? Admito que soa estranho porque nunca foi feito entre
países, embora seja um conceito consagrado entre empresas e bancos. As pessoas dizem que é difícil de imaginar. Mas coisas que eram difíceis de imaginar no passado hoje são rotineiras. Isso vale muito para o mundo financeiro, como no caso da popularização dos seguros. Penso que uma proposta como essa faz tanto sentido que acabará sendo adotada.

DINHEIRO ? Com quem o Brasil trocaria seu desempenho?
Shiller ? Não pensei no caso brasileiro. Mas, no meu livro, lanço a idéia de uma troca entre a Argentina e a Coréia. Houve uma reação dos coreanos (risos)… Mas a Coréia se deu tão bem, comentou um jornalista. Ele me perguntou: você pensa que a Coréia mandaria dinheiro para a Argentina? Respondi: se assinasse um contrato de gestão de risco, os termos fossem bem entendidos e tivesse de pagar, a Coréia pagaria.

DINHEIRO ? Um país rico trocaria risco com um pobre?
Shiller ? Estava na China e, ao tocar nesse assunto, recebi uma reação cética. Eu estava dizendo se a China e os EUA fizessem um swap (troca) e, nos anos seguintes, a economia chinesa fosse mal, os americanos dariam dinheiro para os chineses. Então eles disseram: isso é bom. Então, continuei: se os EUA fossem mal, então a China mandaria algum dinheiro para lá. Eles acharam aquilo meio estranho.

DINHEIRO ? Mas faz sentido um país em desenvolvimento dar dinheiro para outro mais rico?
Shiller ? É preciso perceber que existe muito pouca caridade e doação no mundo. É um fato. O que proponho é a aplicação das técnicas modernas de finanças aos países. Esse é o preço de administrar risco: no caso de um swap, você tem a promessa de outro país que vai ajudá-lo num momento de dificuldade, em troca da promessa que você vai ajudá-lo caso ele tenha problemas. Pode parecer estranho. Mas quando você entende, é uma coisa maravilhosa a fazer.

DINHEIRO ? Como se pode convencer a população de um país que terá de dar dinheiro para ajudar outro se os próprios problemas não foram resolvidos?
Shiller ? Esse esquema deveria ser arranjado como um acordo internacional geral, que teria a forma tradicional de uma dívida. A maioria das pessoas acredita que seus países devem pagar as dívidas que contraiu. É um sentimento básico de honra que a maioria dos países têm. Só deixam de pagar os débitos quando estão em situação ruim. A diferença é que, num contrato como esse, você paga mais quando tiver sucesso.

DINHEIRO ? A quem já mostrou suas idéias?
Shiller ? Apresentei ao Banco Central Europeu e na China. Devo apresentar ao FMI porque acredito que Horst Köhler, diretor-gerente do fundo, pode ter um papel central nesse esquema . Existem vários economistas no FMI que têm idéias parecidas. Tenho falado com bolsas de valores, tentando que listem em seu pregão papéis atrelados ao desempenho da economia dos países.

DINHEIRO ? No livro, o sr. fala dos riscos das pessoas comuns. Que riscos seriam esses?
Shiller ? O avanço da tecnologia de computadores tem substituído o trabalho humano há muito tempo, mas a velocidade é cada vez mais rápida. O avanço tecnológico pode trabalhar para o benefício de todos, mas há um risco que teremos alguns vencedores, que ficam muito ricos, e muitos perdedores. Eu ponho isso no livro em termos concretos: uma pessoa que tem um bom emprego atinge a idade de 45 e é demitida. Olha ao redor e não consegue um trabalho parecido. Então se dá conta que não há mercado mais. Esse é o risco que realmente conta para as pessoas. Não há nada sendo feito para limitar esse risco.

DINHEIRO ? E o que o sr. propõe para enfrentar o problema?
Shiller ? Nessa era do computador, podemos desenhar contratos adequados para as circunstâncias pessoais. Sugiro um seguro para a carreira da pessoa. Já temos seguro para invalidez. Se a pessoa tem um problema de saúde e não pode mais trabalhar, então recebe uma pensão para que tenha alguma renda. A política tradicional não vai pagar se um computador substituí-lo ou algum estrangeiro vender sua força de trabalho mais barato que ele. Esses são riscos que as seguradoras não cobrem, mas deveriam ser cobertos.

DINHEIRO ? Quem pagaria pelo seguro?
Shiller ? Há uma relutância inicial, as pessoas não cuidam dos riscos a longo prazo. Elas se preocupam com os riscos imediatos. Algumas pessoas comprariam esse tipo de seguro. Outras precisariam de algum encorajamento. Esse é o papel das instituições: incentivar as pessoas e desenhar os produtos adequados para elas. Os sindicatos, por exemplo, estão fracos devido à globalização, não têm o poder do passado, mas têm que se preocupar com o futuro dos profissionais.

DINHEIRO ? Enquanto as idéias não são implementadas, o que as pessoas devem fazer?
Shiller ? No sistema atual, as regras são convencionais. Devem diversificar seus investimentos, evitar concentrar suas economias em investimentos com forte risco de dar errado. Devem analisar seu tipo de trabalho, pensar se os investimentos são vulneráveis a choques que afetem sua renda.

DINHEIRO ? O sr. previu o fim da bolha no mercado de ações dos EUA. Qual a sua avaliação do mercado neste momento?
Shiller ? As bolsas de valores caíram em todo o mundo. Em geral, o pico do mercado acionário foi ao redor do ano 2000. Para onde vai o mercado agora é uma pergunta difícil. Nos EUA, as ações continuam altas em relação aos valores históricos. Mas não tão altos como estavam. Não está claro o que vai acontecer. Um índice de confiança dos investidores que publico em meu site mostra que as pessoas estão animadas com as bolsas de valores. Estão animadas e, ao mesmo tempo, desapontadas porque perderam muito dinheiro com ações. Então, não está claro para onde o mercado vai.

DINHEIRO ? Acabou a exuberância irracional?
Shiller ? As pessoas estão confiantes que a queda acabou. Mas pode não ter acabado. Como os preços ainda estão altos, as bolsas ainda podem perder. A melhor coisa a fazer agora é diversificar. Tem pessoas excessivamente confiantes que o pior passou e podem se surpreender.

DINHEIRO ? Qual a sua avaliação da economia mundial?
Shiller ? A economia tem crescido pouco. E há um problema de confiança que pode levar a mais um período de crescimento lento. Mas não é certo. O que parece mais certo é que a economia se fortaleça dentro de seis meses a um ano. Mas existem riscos. Saímos da maior bolha especulativa desde os anos 20. A desilusão com as corporações é grande e temos os efeitos da Sars sobre a economia. A boa notícia é que o preço do petróleo não disparou com a guerra no Iraque e ainda não se viu uma onda terrorista na escala que se previu. Os piores medos estão passando. Essa é a boa notícia: os obstáculos para o crescimento econômico mundial são superados.