Um depoimento prestado no Ministério Público de Ribeirão Preto na segunda-feira 7 torna mais delicada a posição de Antônio Palocci à frente do Ministério da Fazenda. As revelações foram feitas pelo advogado Rogério Buratti, ex-assessor do ministro, na presença de duas testemunhas: Aroldo Costa Filho, o promotor de Ribeirão Preto que investiga as denúncias da época em que Palocci foi prefeito, e um assessor da CPI dos Bingos ? nessa mesma CPI, Buratti prestou um depoimento apenas morno na quinta-feira 10 e se despediu dos parlamentares com um revelador ?até breve?. Buratti sabe que voltará ao palco das CPIs. A razão principal é o fato de ter apontado conexões perigosas de Palocci com dois empresários de casas de bingo. Além disso, Buratti fez acusações muito mais graves que, se confirmadas, implicarão o ministro Palocci diretamente em esquemas de arrecadação de recursos ilegais para a campanha presidencial do PT em 2002. Além disso, revelarão que Buratti fez intenso tráfico de influência já no período em que Palocci era ministro do governo Lula. E mais: poderão indicar uma ligação da chamada ?República de Ribeirão Preto? com o escândalo da Visanet, empresa usada para desviar R$ 10 milhões do Banco do Brasil para o caixa dois do PT. Eis o que disse Buratti no depoimento, cujo teor foi revelado com exclusividade à DINHEIRO:

? Em meados de 2002, o empresário Roberto Carlos Kurzweill, que cede o carro blindado usado por Palocci e Delúbio Soares em São Paulo, teria intermediado a doação de R$ 1 milhão feita por dois donos de bingo ao PT. Seus nomes são José Paulo Teixeira Cruz Figueiredo, conhecido como ?Vadim?, e José Valente de Oliveira Caio, o ?Caio?. Embora sejam portugueses, os dois se apresentam como angolanos.

? O dinheiro teria sido entregue a Delúbio Soares e usado na campanha presidencial de Lula.

? Entre outubro e novembro de 2002, Palocci teria participado de um encontro no hotel Sofitel em São Paulo com os donos dos bingos, na presença de Valdomiro Diniz, o ex-assessor de José Dirceu que foi flagrado pedindo propina ao bicheiro Carlos Cachoeira. No encontro, Palocci teria prometido legalizar a atividade dos bingos.

? Quando Palocci assumiu o Ministério da Fazenda, Buratti se associou com Rodrigo Cavalieri, dono da MC Consulting, com o objetivo de liberar empréstimos internacionais do Banco Mundial e BID para prefeituras petistas. Esses empréstimos dependiam de autorização da Comissão de Financiamento Externo (Cofiex), órgão vinculado ao ministério da Fazenda. Buratti indicou dois empréstimos que teriam saído de forma irregular. Um deles, o de Goiânia, não passou pelo Cofiex. Palocci teria entrado em ação. ?Esse foi dele?, disse Buratti. O outro foi para Manaus. ?Esse é do José Dirceu?, disse.

? Buratti também revelou que Jorge Yazigi, um ex-diretor da Leão Leão, empreiteira sempre citada nos escândalos de Ribeirão, foi indicado por Palocci para o cargo de vice-presidente da Visanet. Isso mesmo, a mesma Visanet que teria sido usada pelo Banco do Brasil para desviar R$ 10 milhões para o PT, através do esquema Marcos Valério.

? Ele contou ainda que tentou entrar em um esquema em Angola de concessões de obras e serviços públicos, como coleta de lixo. Buratti foi a Luanda em 13 agosto de 2003, para tentar um contrato para a Leão Leão, mas não conseguiu. Quem conseguiu, segundo Buratti, foi outro empreiteiro de Ribeirão Preto, José Roberto Colnaghi, o mesmo que teria emprestado o jatinho para transportar dólares cubanos. De acordo com Buratti, Colnaghi conseguiu o contrato com ajuda de Palocci.

O depoimento de Buratti ainda não terminou. Começou na segunda-feira 7 e terá novas rodadas nesta semana. Tudo faz parte da delação premiada negociada com os promotores de Ribeirão Preto. Indiciado pelos crimes de fraude em licitações, formação de quadrilha e evasão de divisas, Buratti pretende reduzir sua pena revelando fatos novos. O ponto em que ele mais se deteve diz respeito aos portugueses ?Caio? e ?Vadim?. Além dos bingos, eles são donos de uma mina de diamantes em Angola, têm negócios no México e nos Estados Unidos e mantêm residência em Miami. No Brasil, onde estão há mais de vinte anos, têm um jato Falcon 2400, um iate de 80 pés ancorado no Iate Clube de Angra, são donos do restaurante Bela Sintra e gostam de ser vistos na companhia de belas modelos. ?Caio? é o mais expansivo. ?Vadim? é discreto. Os dois mantêm ainda uma mansão de cinema na Ilha de Capivari, em Angra dos Reis. África é o nome do iate. Vale US$ 3 milhões. O jato Falcon, US$ 22 milhões. ?Caio? e ?Vadim? entraram no ramo dos jogos montando a primeira indústria de máquinas caça níqueis do País, a Fabama. A pedido da CPI dos Bingos, desde a terça-feira 8 a Polícia Federal procura os dois portugueses. No dia 12 de outubro, o senador Aelton Freitas (PL-MG) apresentou requerimento para que eles sejam ouvidos pela CPI.

No depoimento de Ribeirão Preto, igualmente reveladora foi a história que Buratti contou sobre um esquema para a liberação de empréstimos internacionais junto à Cofiex para as prefeituras. Em suas conversas ao telefone, grampeadas com autorização judicial, Buratti falava muito de negócios no governo com um certo Rodrigo. O promotor Aroldo quis saber de quem se tratava. Burati então revelou que era Rodrigo Cavallieri Resende, 31 anos, dono da MC Consulting, com sede em Belo Horizonte. Eles se conheceram quando Rodrigo prestou consultoria para a Leão Leão, em julho de 2003, tempo em que Buratti era diretor ? e acabaram amigos. Ano passado começaram a trabalhar juntos para ?acelerar? a liberação dos empréstimos, segundo o verbo usado por Buratti. ?Mas o Rogério nunca foi meu sócio?, garantiu Rodrigo a DINHEIRO. A MC fechou contratos com os Estados de Sergipe (R$ 700 mil pelo serviço), Ceará (R$ 140 mil) e Distrito Federal (R$ 130 mil). Também fechou com as prefeituras petistas de Belo Horizonte, Recife, Joinville e Betim. Buratti tentou convencer o promotor de que ele e Rodrigo não teriam praticado qualquer irregularidade, mas apenas feito lobby legal. Então Buratti apontou dois casos que deveriam ser investigados: o de Manaus e o de Goiânia. No governo Lula, a Cofiex já aprovou aval federal para 169 empréstimos. Somente dois foram aprovados sem passar pelo exame (e voto) dos 10 conselheiros da Cofiex: Manaus e Goiânia.

Buratti também revelou ao promotor quem seria outro amigo, o ?Bill?, que aparece muito nos grampos telefônicos. Trata-se do executivo Jorge Yazigi, que foi diretor da Leão Leão, e que na reta final da campanha presidencial de 2002 passou a ocupar o cargo de vice-presidente de Relações com o Mercado da Visanet. Nesse posto, ?Bill? era responsável pelo marketing e pela publicidade da empresa. Foi para ele que o Banco do Brasil, em fevereiro de 2003, adiantou R$ 58,3 milhões para que a agência de Marcos Valério ? a CPI dos Correios já provou que R$ 10 milhões desse total foram repassados para o PT. Buratti contou que em meados de 2004, ?Bill? saiu da Visanet e começou a trabalhar com Rodrigo Cavalieri. Numa das gravações em poder do Ministério Público, Buratti propõe a Rodrigo que os dois dividissem um escritório com ?Bill? ? uma sala para cada um. ?Era brincadeira?, defende-se Rodrigo. ?O Bill estava desempregado e lhe arrumei uma consultoria?. Burati revelou também que Bill fazia parte do grupo de Palocci em Ribeirão Preto. A CPI dos Bingos tem em seus arquivos a agenda eletrônica da secretária pessoal que Palocci dividia com seu antigo chefe de gabinete na Fazenda, Juscelino Dourado. DINHEIRO teve acesso a essa agenda. Jorge Yazigi foi indexado três vezes. Como ?Bill?. Como ?Jorge Yazigi (Bill), da Leão Leão?. E como ?Jorge Yazigi, da Visa?. ?Teremos que quebrar os sigilos telefônico, fiscal e bancário de Cavalieri e de Yazigi?, diz o senador Efraim Morais, presidente da CPI.

Perto do que disse Rogério Buratti em Ribeirão Preto, o depoimento de Vladimir Poleto, outro assessor de Palocci, tomado na quinta-feira 10 pela CPI dos Bingos, tornou-se até menor. Quase folclórico. Poleto tentou na CPI negar que tivesse participado do transporte dos dólares cubanos para Ralf Barquete, um morto que foi braço direito do ministro da Fazenda. Confrontado com as gravações, Poleto disse que estava embriagado quando disse o que disse. Contra ele, pesam ainda várias suspeitas relacionadas ao Banco Prosper. Poleto foi contratado pelo banco logo após a chegada de Palocci à Fazenda com a missão de alavancar negócios com fundos de pensão e o BNDES. ?A situação do ministro está ficando insustentável?, disse o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). No próprio PT, muitos senadores dão como certa a sua saída e o próprio Palocci, na quarta-feira 9, chegou a pedir demissão ao presidente Lula (leia quadro abaixo).

Há ainda uma força tarefa sigilosa do Ministério Público de São Paulo, da CPI dos Bingos e da Polícia Federal investigando os possíveis esquemas de corrupção montados durante a passagem de Antônio Palocci pela prefeitura de Ribeirão Preto. Há quatro promotores em Ribeirão trabalhando em duas diferentes equipes. A primeira, chefiada por Aroldo Costa Filho, investiga o mapa dos esquemas montados na prefeitura, principalmente o Leão Leão que, segundo o advogado Buratti, rendia uma propina mensal de R$ 50 mil ao PT. Nessas investigações, Buratti o está ajudando a entender quem é quem ? e Aroldo repassa as informações sobre o governo federal para um assessor da confiança do relator da CPI. A outra equipe, chefiada pelo promotor Sebastião Sérgio da Silveira, está preparando processos formais contra os envolvidos. Na próxima semana, a equipe de Silveira deve pedir a prisão de pelo menos três pessoas próximas ao ministro da Fazenda, acusados de corrupção e formação de quadrilha. Os promotores avaliam que, contra essas pessoas, haveria provas fartas e contundentes. Eles também estão muito próximos de concluir a denúncia contra o ex-prefeito Palocci por improbidade administrativa. O principal caso é o Vale dos Rios, que consumiu R$ 5 milhões e previa a construção de uma ponte ? o dinheiro foi gasto e nada foi feito. ?Ribeirão foi o laboratório de tudo o que fizeram em Brasília?, diz o vereador Nicanor Lopes, que comandou várias CPIs municipais contra o prefeito. Com um cerco tão forte, a era de Palocci como czar da economia pode estar chegando ao fim.

Disputa com Dilma ou acordo?

O clima esquentou na manhã da quarta-feira 9, quando o presidente Lula conversou com os ministros Antonio Palocci, Dilma Rousseff e Paulo Bernardo. Queria pôr um fim ao chamado fogo amigo. “Ou vocês se aquietam ou o governo todo será prejudicado”, disse Lula, referindo-se às discussões entre Dilma e os dois colegas. Coube depois a Palocci um diálogo franco. Acuado com as denúncias e desgastado por exercer um papel duplo no governo ? o de conduzir a economia e contornar a crise política ? o ministro pediu demissão. Lula não aceitou e marcou para o dia seguinte um novo encontro. Na manhã da quinta-feira 10, Palocci foi à Granja do Torto e pediu para sair mais uma vez. Lula negou e reiterou sua confiança. Palocci só agradeceu e não falou mais nada. Mas há outra versão para os desentendimentos públicos. Parlamentares que conversaram com Palocci garantem que tudo não passa de um acordo. Ao contrário do que vinham pregando os simpatizantes de Palocci, as idéias para o ajuste fiscal vieram da cabeça de Paulo Bernardo, que trabalhou a fundo as orientações do deputado Delfim Netto. Palocci viu aí uma saída honrosa. “Melhor perder o debate econômico do que ser acusado de corrupto”, disse um senador amigo. “Palocci chegou a dizer que se insistissem em envolver seus assessores, ele sairia”. Coincidência ou não, o fato é que Palocci virou a bola da vez. Com a degola anunciada de José Dirceu, Palocci virou o alvo preferencial para se chegar ao presidente Lula, o próximo nome na lista da oposição.