18/12/2019 - 13:18
O Panamá recorda na sexta-feira a sangrenta invasão militar dos Estados Unidos em 1989, que derrubou o ex-ditador Manuel Antonio Noriega, uma intervenção que três décadas depois ainda gera suspeitas, apreensões e denúncias.
“Nestes 30 anos, houve um véu sobre tudo o que aconteceu. Agora, a investigação que deveria ter sido feita na época está sendo conduzida para determinar como os eventos ocorreram e suas consequências”, disse Juan Planells, presidente da comissão do governo panamenho que investiga a invasão.
Em 20 de dezembro de 1989, mais de 27.000 soldados americanos invadiram o Panamá para derrubar Noriega (1983-1989), reclamado por um tribunal de Miami por tráfico de drogas.
Apesar do tempo decorrido, as investigações foram realizadas “no ritmo de uma lesma” porque “havia um desejo de não investigar e tivemos que começar do zero”, reconheceu Planells à AFP.
A invasão dividiu os panamenhos por anos, embora agora pareça uma questão quase esquecida. Oficialmente, o número de mortos durante a operação “Just Cause” foi de 500, enquanto organizações de direitos humanos falam de vários milhares.
A comissão de investigação começará em janeiro as primeiras exumações para identificar as vítimas.
“Sem dúvida, as lendas urbanas de que milhares de pessoas morreram não têm base, embora, obviamente, depois de 30 anos, seja muito difícil alcançar o valor exato”, admitiu Planells.
– Causa… Justa? –
Segundo o então presidente dos Estados Unidos, George Bush (1989-1993), a invasão ocorreu para capturar Noriega, que foi colaborador da CIA, por sua relação com o narcotráfico, e libertar o Panamá da ditadura.
Após a invasão e até sua morte em 2017, Noriega esteve preso nos Estados Unidos, França e Panamá condenado por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e desaparecimento de opositores durante seu regime.
A captura de Noriega foi “um pretexto usado pelos Estados Unidos para propósitos estratégicos e geopolíticos subsequentes, não apenas no Panamá, mas na América Central”, estima Benjamin Colamarco, ex-líder das milícias populares que se opuseram à invasão.
Entre os supostos planos de Washington seria renegociar a entrega ao Panamá do canal interoceânico (que finalmente ocorreu em dezembro de 1999), punir Noriega por sua recusa em intervir contra o governo sandinista da Nicarágua, num momento em que os Estados Unidos temia o avanço do comunismo.
“Foi uma invasão brutal com grandes desproporções. Eles sabiam que não havia mais de 2.000 homens que realmente poderiam ser considerados soldados”, disse à AFP o coronel Roberto Díaz Herrera, número três do regime de Noriega que acabou se rebelando contra o ex-ditador.
“Bush dizia que eles vinham caçar um bandido, mas acontece que era ele o senhor que alimentava esse bandido, em sua condição de ex-diretor da CIA”, acrescentou.
– Contra o esquecimento –
Nos últimos anos, os atos comemorativos da invasão reuniram apenas um punhado de parentes das vítimas.
Além disso, em 30 anos, apenas um presidente panamenho foi às homenagens e nenhum governo cobrou a responsabilidade dos Estados Unidos, o maior parceiro diplomático e comercial do Panamá.
“Imagino que tenha a ver com o fato de se tratar dos Estados Unidos e de não querer introduzir elementos que possam dificultar esse relacionamento”, comentou Planells.
“Existe uma doença de Alzheimer histórica. Não podemos esquecer que existe uma influência rançosa e crônica dos Estados Unidos”, disse Díaz.
Foi pouco útil que, no ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apontou os Estados Unidos como responsável por “violações de direitos humanos” durante a invasão e pediu a Washington que “reparasse integralmente” as vítimas.
As autoridades também não quiseram declarar o dia 20 de dezembro como um dia de luto nacional, como pedem as vítimas, sob o argumento de uma suposta recusa empresarial em dar o dia feriado.
A advogada panamenha que processou os Estados Unidos em 1990 na CIDH, Gilma Camargo, lamentou que “o governo panamenho coloque em primeiro lugar os interesses pessoais das elites comerciais”.
“Eles nem são capazes de reconhecer um dia de luto nacional como qualquer Estado que se considera soberano”, disse Camargo à AFP.
Planells parece concordar.
“A caixa registradora não pode estar acima da nossa própria identidade”, afirmou.