30/01/2013 - 21:00
No dia 12 de setembro do ano passado, executivos do departamento de marketing da Samsung reservaram todas as mesas de um restaurante em Los Angeles. O clima era de apreensão. O local parecia uma verdadeira sala de guerra virtual, com laptops e tablets por todos os lados, nos quais eles faziam atualizações frenéticas de redes sociais e sites de notícia. Os diretores da fabricante coreana monitoravam, minuto a minuto, as reações do público ao iPhone 5, que era anunciado naquele instante por Tim Cook, CEO da Apple, a cerca de 600 quilômetros de distância dali, em São Francisco. Duas horas depois de Cook deixar o palco do centro de convenções onde fazia sua apresentação, o alto comando da Samsung já havia decidido como reagir à chegada do produto rival.
(esq.) Lee Kun-Hee, presidente do conselho de administração da Samsung.
(dir.) Tim Cook, CEO da Apple
A empresa resolveu colocar em prática rapidamente uma agressiva campanha publicitária baseada na comparação entre a nova versão do celular da Apple com o Galaxy S III, que havia lançado alguns meses antes. Em resumo, os filmes veiculados diziam que o equipamento da Samsung era muito, mas muito melhor que o da Apple. A intensidade do ataque da empresa coreana aumentou ainda mais na semana seguinte, quando o iPhone 5 chegou às prateleiras das lojas. Um comercial de tevê da Samsung de um minuto e meio satirizava os “fãs” da Apple, que estariam impressionados com novidades irrelevantes. “A entrada para o fone de ouvido agora fica na parte de baixo!”, comemorava o comprador de iPhone 5, no vídeo.
O comercial também teve uma repercussão enorme na internet. Foi o vídeo de uma empresa de tecnologia mais assistido em 2012, com mais 70 milhões de visualizações no YouTube. “Sabíamos que esse seria um grande momento para nós”, disse Todd Pendleton, diretor de marketing da Samsung nos EUA, na época. Essa guerra de comunicação é apenas a ponta do iceberg de uma disputa feroz entre as duas principais forças do mercado mundial de eletroeletrônicos. Batalha que agora adquire contornos que, há até poucos meses, eram impensáveis: o reinado da antes imbatível Apple, a empresa fundada pelo falecido Steve Jobs, que ditava os rumos do setor de tecnologia, outrora um celeiro inesgotável de inovação, está ameaçado.
“Uau, quanta coisa irrelevante”: publicidade da samsung fez piada com os fãs da Apple,
que fariam filas por celular sem novidades
Agora, a dona do iPhone, do iPad e do iPod tem uma adversária à altura, a Samsung, que, depois de assumir a liderança do mercado mundial de smartphones, em 2012, avança cada vez mais sobre o terreno da rival americana. Esse cenário é reforçado pelo fato de que os investidores e especialistas em tecnologia começam a mostrar-se céticos em relação à capacidade de inovação da Apple, justamente o principal atributo genético de seu DNA corporativo e maior diferencial no universo da tecnologia da informação. Essa incerteza é alimentada em função de a companhia comandada por Tim Cook não apresentar nenhum produto ou serviço realmente inovador desde a chegada do iPad, em 2010.
Outros fatores também demonstram que as pancadas da Samsung estão surtindo efeito sobre a Apple. Um deles diz respeito à linha de produtos. O portfólio da empresa de Cupertino, nos EUA, por exemplo, já dá indícios de desgaste. O principal sinal disso é a notícia de que os fabricantes japoneses Sharp e Japan Display reduziram a produção de telas LCD para smartphones da Apple. Motivo? As vendas globais do iPhone 5 estão menores que o esperado. Além disso, a produção de telas de 9,7 polegadas para iPad na fábrica da Sharp, na cidade de Kameyama, no Japão, caiu ao nível mínimo neste mês, depois de uma redução gradual de pedidos, iniciada no final de 2012.
Galáticos: Samsung usa o sistema Android, do Google, na maior parte de seu portfólio.
O Galaxy S III foi o mais vendido no terceiro trimestre de 2012
A diminuição teria acontecido porque a maior demanda migrou para o iPad Mini, cuja tela tem 7,9 polegadas. Esse fato, por si só, também é um sinal de que a capacidade da Apple de influenciar o mercado e de tomar iniciativas pode ter diminuído. Afinal, o comum sempre foi a companhia apostar num formato ou recurso, e ser copiada pelos concorrentes. Desta vez, se deu o contrário. A Apple foi atrás do mercado. Os tablets com telas menores, ao estilo do iPad Mini, foram lançados pelos competidores, entre eles a Samsung, algum tempo antes. No mesmo dia em que anunciou o iPad Mini, em outubro, a empresa também divulgou a quarta versão do iPad.
O aparelho não causou frisson, como aconteceu com os modelos anteriores, e fez a mídia especializada torcer o nariz. Também não houve filas gigantescas nas lojas Apple para comprar o aparelho, que veio com poucas inovações em relação à terceira versão – a principal delas é um novo conector na parte de baixo do tablet, o que serviu de mote para a Samsung, mais uma vez, fazer troça da Apple em seus comerciais. Por situações como essas, a consultoria australiana Macquarie Research estimou que as vendas de iPads despencarão cerca de 40% neste trimestre em relação aos três meses anteriores, passando dos 13 milhões de unidades para oito milhões.
Igual, só que depois: funcionários de Apple Stores vendem iPad mini, tablet de 7 polegadas
apresentado com dois anos de atraso em relação a um aparelho da Samsung com o mesmo tamanho
PREOCUPAÇÃO Diante de um cenário como esse, criou-se um clima de apreensão entre os analistas de mercado e investidores nos dias que antecederam a divulgação do balanço da Apple, na quarta-feira 23. Afinal, a maior companhia de tecnologia do mundo, em valor de mercado, se notabilizou nos últimos anos por sempre apresentar faturamento e lucros vultosos a cada balanço. Sim, sabia-se que os números seriam invejáveis para qualquer empresa. Mas a simples possibilidade de que o desempenho pudesse não ser tão bom como o de costume fez com que as ações da Apple alcançassem a menor cotação em quase um ano.
Desde 21 de setembro, quando foi cotada a US$ 705, o papel AAPL sofre queda de 36%, fazendo com que a empresa tenha perdido cerca de US$ 200 bilhões em valor de mercado daquele momento até agora. Na quarta-feira, 23, os resultados foram divulgados, e os temores se confirmaram. No quarto trimestre de 2012, que corresponde ao primeiro trimestre no calendário fiscal da empresa, as vendas somaram US$ 54,5 bilhões. Embora o valor seja 18% superior ao do mesmo período de 2011, ficou 0,7% abaixo das previsões dos analistas. Outra ressalva com o balanço foram as vendas do iPhone, somando todas as versões, que chegaram a 47,8 milhões de unidades no trimestre.
Apesar de terem sido recordes, elas ficaram abaixo das estimativas iniciais de 50 milhões. O que também desapontou o mercado foi o fato de o lucro da Apple, embora respeitável, não ter aumentado e ficado em US$ 13,1 bilhões, o mesmo patamar registrado em igual período do ano anterior. A reação do mercado foi imediata: na quinta-feira 24, a ação caiu 12%, fechando a US$ 450. O resultado abaixo das expectativas eleva a pressão sobre Cook. Além de perceber a Samsung em seu encalço, a tensão se explica também pela sombra provocada pelo antecessor genial: o fundador Steve Jobs, morto em 2011, o cérebro responsável por uma série de produtos de sucesso. Na tentativa de imprimir sua marca no comando da empresa, Cook se atrapalhou em alguns momentos.
No ano passado, por exemplo, a Apple passou vergonha em razão de seu sistema de mapas próprio ter apresentado vários problemas. Logo ao estrear, em setembro de 2012, o serviço Maps confundia aeroportos com fazendas e sugeria caminhos inexistentes para os seus usuários, o que levou a uma avalanche de críticas e piadas nas redes sociais. O que Jobs, conhecido pelo zelo obsessivo com os produtos, diria de um episódio como esse? O caso fez com que Cook pedisse desculpas públicas e recomendasse aos clientes que usassem os serviços de concorrentes. O escorregão com o sistema provocou um efeito colateral. Scott Forstall, um dos arquitetos dos sistemas operacionais móveis da Apple, saiu da empresa por supostamente não ter concordado em assinar a carta de desculpas.
Saudade: Steve Jobs, fundador da Apple, deixou um legado
de inovações. seu sucessor, Tim Cook, não conseguiu
emplacar um novo produto de impacto
FORÇA ASIÁTICA Enquanto a Apple patina, a Samsung, do chairman Lee Kun-Hee, que faturou US$ 188,2 bilhões, em 2012, coleciona bons momentos. A maré favorável teve seu ponto mais alto em maio do ano passado, quando a dona da linha de celulares Galaxy ultrapassou a Apple como líder no mercado de smartphones. O crescimento da empresa tem sido vertiginoso. Segundo a consultoria americana ABI Research, a participação no mercado global de celulares da Samsung cresceu de 8%, em 2010, para acima de 30% em 2012. Segundo previsões da mesma empresa, a Apple vai atingir um pico de 22% de participação em 2013 e se manter estável até 2018.
A consultoria multinacional Strategy Analytics, por sua vez, registrou que, no terceiro trimestre do ano passado, a Samsung vendeu 56,9 milhões de smartphones, mais que o dobro dos 26,9 milhões de unidades da Apple. “Exceto por um improvável colapso nos negócios da Samsung, a Apple terá de correr atrás, em 2013 e no futuro, da liderança da empresa coreana em tecnologia, software e dispositivo”, diz o analista da ABI, Michael Morgan. A diversificação de portfólio é uma das estratégias que fizeram a Samsung crescer no mercado de smartphones, que deve movimentar US$ 259 bilhões em 2015, de acordo com a Markets and Markets.
Sua relação de produtos é extensa, com itens de diferentes tamanhos, preços e configurações, capazes de atender a uma ampla gama de clientes. A estratégia cai como uma luva nos mercados emergentes, que assistem a uma expansão acelerada da classe média. “A estratégia mundial da empresa é oferecer produtos para todos os tipos de público, desde os aparelhos básicos aos sofisticados”, afirma Paula Costa, diretora de marketing da Samsung no Brasil. Só no País, são 55 modelos de celulares e smartphones. “Pelas características do País, é importante ter variedade de modelos, com diferentes faixas de preço”, diz Roberto Soboll, diretor de produtos da Samsung.
A Apple, por sua vez, segue o caminho oposto. Em smartphones, ela prefere concentrar forças no iPhone, produto responsável por uma margem de lucro elevada, entre 49% e 58%, mas com preço proibitivo para boa parte da pop ulação dos países do BRICs. O preço de partida do aparelho costuma ficar em torno de R$ 2,5 mil. Destinado a um consumidor das classes A e B, o iPhone responde por quase dois terços do faturamento da Apple, o que cria uma dependência excessiva de um único produto. Em outras palavras: se por um lado essa estratégia proporciona uma lucratividade invejável, o problema é que assim os ovos da Apple ficam na mesma cesta.
Em todo lugar: Roberto Soboll, diretor de marketing de produto da Samsung, destaca
que a empresa tem os países emergentes como um dos principais focos para gerar negócios
Para comparar: as receitas de US$ 188 bilhões da Samsung, não apenas são 20% superiores às da concorrente americana, mas estão distribuídas por uma ampla gama de produtos e categorias, que vão dos smartphones aos notebooks, passando por eletrodomésticos da linha branca, televisores, entre outros. Um grande trunfo da Apple é o fato de que ainda é a mais rentável das duas: no ano fiscal de 2012, seu lucro chegou a US$ 41 bilhões, quase o dobro dos US$ 22,3 bilhões obtidos pela Samsung, o maior de sua história. Com um portfólio tão restrito, a necessidade da Apple de surpreender é ainda maior. E não tem sido o caso. A última versão de seu smartphone, o iPhone 5, não trouxe nenhuma grande inovação.
O destaque do equipamento foi a tela, que aumentou de tamanho. No caso da Samsung, o aumento da tela e a diminuição da espessura caíram nas graças do público. O Galaxy S III, com tela de 4,8 polegadas e 8,6 mm de espessura, foi o celular mais vendido do mundo, no terceiro trimestre de 2012, segundo a Strategy Analytics. Foram 18 milhões de unidades comercializadas naquele período, enquanto o iPhone 4S vendeu 16,2 milhões. “A Apple se beneficia da margem espetacular obtida por unidade de iPhone vendida, enquanto a Samsung alcança um público mais amplo, nas camadas da classe média emergente, algo que a Apple não busca”, afirma Ivair Rodrigues, sócio da consultoria IT Data.
O cenário, como se vê, é formado por dois gigantes da tecnologia que lutam a partir de estratégias e condições distintas. Tal como numa luta de boxe, a Samsung, a desafiante, parte para o ataque com vigor, desferindo golpes certeiros e se movimentando com agilidade no ringue. A Apple, por sua vez, é o alvo a ser batido, o pugilista cuja missão é defender o cinturão. Ainda é cedo para saber quem vai levar a melhor. Mas uma coisa está clara: a destreza dos jabs e cruzados da companhia asiática já colocou – quem diria? – a todo-poderosa do Vale do Silício na defensiva. Aguardemos os próximos assaltos.