Pode anotar. Dia 22 de março, quarta-feira. Será tipo final de Copa. Aquela data de suspense perfeita para quem acompanha os movimentos macroeconômicos. Por aqui, o Comitê de Política Monetária (Copom) vai divulgar a Selic. Nos Estados Unidos, o Fomc (o equivalente ao Copom do Fed) vai divulgar o Federal Funds Rate. Na parte de baixo do planeta, nos trópicos, já sabemos a ladainha. Tiro, porrada e bomba para cima do Banco Central (BC). Se o juro não ceder (independentemente de existir condições para isso) Roberto Campos Neto vai virar trending topics e ser mais insultado que decisão de VAR. No hemisfério Norte, respeito a qualquer que seja a decisão do Fed. E um inquestionável Jerome Powell vai afirmar o porquê de tal medida ser decidida. Provavelmente com nova elevação.

Voz das mais comedidas e consistentes dentro do reinado Lula III, até a ministra do Planejamento, Simone Tebet, passou a pressionar pela queda da taxa básica de juro. “Não queremos nenhuma generosidade do Banco Central, mas um gesto positivo, a favor do Brasil, na próxima reunião do Copom”, afirmou na quinta-feira (2), após a divulgação do PIB de 2,9% e dois dias depois do anúncio sobre a reoneração parcial do preço da gasolina. Lida de maneira mais direta, o que Tebet disse foi que se o Copom não definir pela queda da Selic, estará ‘contra o Brasil’. Um erro de Tebet. Não é nem a forma mais técnica nem a forma mais civilizada de tratar do tema. Seu texto tem mais cara da velha guarda desenvolvimentista do que da ministra ponderada que sugere ser.

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Lula, ao exorcizar a taxa de juro brasileiro, como se fruto de algo oriundo do pensamento único de Roberto Campos Neto, só confunde a plateia – aquela eficiente massa ignóbil e manipulável de sempre. O III saber que a decisão é de um time altamente técnico e qualificado. E convém explicar como funciona o Copom. Talvez poucas coisas que a gente chama de republicanas neste projeto de Nação sejam tão transparentes e republicanas quanto o BC e, junto, o Copom. Ali, ao contrário de qualquer outra instância – repito: qualquer outra instância (Executivo, Legislativo, Judiciário, MP) – trabalha-se um roteiro 100% comme il faut. É tudo justificado. É tudo registrado. É tudo tornado transparente.

Vale entender como rola o Copom. Criado por aqui em junho de 1996, ele surgiu à semelhança do Federal Open Market Committee (Fomc), antes de seus equivalentes na Inglaterra (1998) e BC Europeu (1999). Não é nem de perto a p*t*r*a que muitos tentam (ignorantemente ou criminosamente) fazer parecer. Suas oito reuniões anuais (a cada 45 dias, mais ou menos) se dividem em dois blocos. No primeiro, participam o presidente do BC e os oito diretores* da instituição. Além deles, se juntam os chefes dos seis departamentos**. Funcionários ocasionais também podem ser convocados. Na reunião de janeiro, a última, foram 14 nomes.

*Diretorias do BC (8): Administração; Assuntos Internacionais & Gestão de Riscos Corporativos; Fiscalização; Organização do Sistema Financeiro e de Resolução; Política Econômica; Política Monetária; Regulação; e Relacionamento, Cidadania & Supervisão de Conduta

**Departamentos do BC (6): Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos (Deban), Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab), Departamento Econômico (Depec), Departamento de Estudos e Pesquisas (Depep), Departamento das Reservas Internacionais (Depin) e Departamento de Assuntos Internacionais (Derin).

No primeiro bloco, o primeiro dia das sessões do Copom (no caso próximo, dia 21 de março), os seis chefes de departamento apresentam uma análise técnica de conjuntura. Isso vai contemplar falar (com d-a-d-o-s, com n-ú-m-e-r-o-s) sobre inflação, atividade econômica, sinalização de curva do PIB, evolução dos agregados monetários, finanças públicas, balanço de pagamentos, situação macroeconômica internacional, câmbio, reservas, mercado monetário, mercado aberto. Não é um par-ou-ímpar da Selic. Depois disso, vem o bloco 2 (22 de março), com o presidente e os oito diretores. O segundo dia de sessões. Dele participa ainda, mas sem direito a voto, o chefe do Depep, para uma avaliação t-é-c-n-i-c-a de projeção da inflação. Em seguida, os membros do Copom, por maioria simples de votos, decidem a meta da Selic. Fica onde está. Sobe. Cai.

O resultado desta deliberação ocorre no mesmo dia, depois do fechamento dos mercados: às 18h. Seis dias depois, as atas das reuniões são tornadas públicas. Com os votos abertos de cada um. Já as atas técnicas (dos departamentos) são divulgadas de quatro a oito anos depois. Além disso, ao final de cada trimestre (março, junho, setembro e dezembro), o Copom publica o Relatório de Inflação. Segundo o BC, “as decisões são tomadas visando com que a inflação medida pelo IPCA situe-se em linha com a meta definida pelo CMN”. Simples assim.

Na decisão mais recente, da primeira reunião do ano, de janeiro, a ata traz o seguinte: “Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano”, afirmou-se no documento. “Essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva (…). Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.” Cara. Se você acha isso zoado, você deve acreditar em fraude de urna eletrônica. O sistema Copom é muito mais sólido e transparente. No próximo dia 22, de toda forma, Roberto Campos Neto vai conduzir a mais tensa reunião da história do Copom.

Já a caminho do fim vale dizer que muita gente anda esperneando, dizendo que inflação aqui e taxa de juro aqui são anacronismos comparadas às dos Estados Unidos ou Europa. Pois essa gente ou não faz conta ou é pilantra mesmo. O range do Federal Funds Rate há um ano (março de 2022) era de 0,25% a 0,50% (https://www.forbes.com/advisor/investing/fed-funds-rate-history/), hoje está entre 4,50% e 4,75%. Pegando pelo teto (0,50% contra 4,75%), multiplicou-se 9,5 vezes. Pegando pela base (0,25% contra 4,50%), multiplicou-se por 18. Aqui, no mesmo intervalo de tempo, o BC elevou o juro básico de 11,75% para 13,75%, menos de 1,2 vez mais. E lá Powell já disse que ‘dane-se o que o mercado ou políticos esperam’, ele vai ‘domar a inflação’. Em inglês elegante, na verdade ele afirmou, depois da reunião do Fomc de janeiro: “Dada a nossa perspectiva, não vejo cortes nas taxas este ano.” Por lá, o juro deve escalar para os 5,50%.   

Ahhhhh1: por fim, mas não menos importante. Inflação se controla com credibilidade, estabilidade e previsibilidade. E esse trinômio tem como DNA a expectativa de gastos e receitas. Pode chamar de ‘Teto Fiscal’. Ou de ‘Gorro de Lula III’. Ou ‘Vai-Haddad’. Dane-se. Desde que algo similar exista. Ahhhh2: nada destrói mais o pobre e gera desigualdade do que inflação elevada ou fora de controle. O BC sabe disso. Boa parte deste governo, não.