16/07/2003 - 7:00
Primeiro, as folhas perdem o brilho. Em seguida, elas caem e os galhos secam. Por fim, a árvore morre. Tudo isso em apenas dois meses. A doença que está atacando os laranjais do norte de São Paulo e sul de Minas e levando pânico aos produtores ganhou o alarmante nome de Morte Súbita. Ela é a mais nova praga que atinge a citricultura nacional, depois do amarelinho e do cancro-cítrico. Mas, desta vez, a sobrevivência dos laranjais brasileiros, que movimentam US$ 5 bilhões por ano, pode estar em risco. Até agora mais de 1 milhão de pés de laranjas já foram dizimados e ninguém tem idéia de quantos mais estão contaminados. A doença fica incubada por dois anos e, depois de se manifestar, o processo é devastador, provocando uma espécie de colapso entre as raízes e o resto do árvore. A fruta, no entanto, não oferece perigo nenhum aos consumidores. Ainda pouco se sabe como evitar a Morte Súbita ? o primeiro caso foi notificado há dois anos. Mas o que já se descobriu deixou o setor em estado de alerta: já foi detectado que o vírus da Morte Súbita é um mutante do vírus da Tristeza, doença que dizimou os pomares brasileiros nos anos 40. Se a experiência se repetir, cerca de 145 milhões de pés podem estar na mira desse vírus. ?Será um desastre para a citricultura nacional?, diz Ademerval Garcia, presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Cítricos. Hoje, os brasileiros são líderes mundiais no plantio e industrialização da laranja. O País exporta 1 milhão de toneladas de suco concentrado da fruta por ano. ?Poderemos ser obrigados a gastar até US$ 10 bilhões na renovação dos pomares.?
É justamente a velocidade da doença que joga contra os produtores. A primeira notificação da Morte Súbita ocorreu em julho de 2001 em Comendador Gomes, Minas Gerais. Até agora, a doença já foi diagnosticada em uma área de mais de 150 quilômetros quadrados entre o norte de São Paulo e o sul de Minas. E até outubro, ápice da seca na região, será possível ver o avanço da Morte Súbita em relação ao ano passado. ?O estágio real em que a doença se encontra hoje só será possível conhecer daqui a dois anos. Pode haver muito mais plantas contaminadas do que se imagina?, diz Fernando Reinach, presidente da Allelyx, empresa de biotecnologia do Grupo Votorantim. Reinach conhece bem os problemas que afligem o setor. Ele foi o coordenador do projeto que seqüenciou o genoma do amarelinho, doença que matou 20 milhões de pés de laranja nos anos 90. Agora, a empresa que ele comanda já investiu US$ 2 milhões para desenvolver um teste capaz de identificar as plantas contaminadas. O exame é vendido aos produtores por ?alguns milhares de dólares?, segundo Reinach. Logo, é economicamente inviável testar 100% dos pomares brasileiros. Hoje, uma equipe de 30 pesquisadores no Brasil, nos Estados Unidos, na França e na Espanha está envolvida na pesquisa do vírus, cujo vetor de transmissão é um inseto ? o pulgão preto. O Ministério da Agricultura já liberou R$ 10 milhões para a pesquisa da Morte Súbita. Desse dinheiro, muito pouco chegou aos laboratórios. ?É uma corrida contra o tempo?, diz o pesquisador Elson Gimenes, secretário executivo do Fundecitrus, entidade que coordena as pesquisas da Morte Súbita. ?A pressão dentro do setor é enorme?, conta ele.
Apesar da mobilização dos citricultores, os produtores ainda tratam a Morte Súbita como um tabu. Ninguém gosta de admitir que é vítima da doença. Sabe-se que tanto os pesos pesados do suco de laranja como os pequenos produtores foram afetados. Eles comunicam a ocorrência apenas ao Fundecitrus, pois não há nada a fazer. Muitos temem que sua produção seja associada à doença e que isso acabe influenciando o preço da laranja que hoje é comercializada. Até agora a Morte Súbita já causou um prejuízo de US$ 20 milhões com a morte das plantas. Um valor pequeno se comparado aos lucros que o setor gera. A safra brasileira de 2003, de 361 milhões de caixas de laranja, não deve ser afetada. Mas os produtores temem que a doença já possa ser sentida nos próximos anos.
A única certeza entre os produtores é que qualquer solução vai custar caro à citricultura brasileira. Uma vacina está sendo pesquisada pela Allelyx. A empresa deverá investir alguns milhões de dólares atrás da cura. Logo, o remédio, quando for comercializado, não será barato. Isso, é claro, se uma vacina for encontrada. Os pesquisadores podem gastar anos e não chegar a lugar nenhum. Se isso acontecer, boa parte dos pomares deverá ser renovada. Mas aí surgem novos problemas. No caso da região hoje atingida, apenas algumas variedades de laranja poderiam sobreviver à Morte Súbita. Mas seriam necessários grandes investimentos em irrigação. Por conta disso, o produtor Marcos Schrank já sabe que deverá reduzir em mais de 50% a área de cultivo de laranja. A Morte Súbita já matou 400 árvores em sua propriedade na cidade de Colômbia, interior de São Paulo, onde há 80 mil pés de laranja. ?A doença está progredindo muito rápido?, conta o produtor. A família de Schrank está na lavoura de laranja desde os anos 70. Deve trocar metade dos pomares por cana-de-açúcar. ?Mais de 90% das fazendas na região estão afetadas. É uma situação muito triste?, diz Shrank. Sem dúvida, um golpe profundo à citricultura nacional.