03/12/2022 - 7:01
Por anos, os clientes do Pão de Açúcar viram as lojas decaírem. Acostumados a serem bem tratados – e pagando mais caro por isso -, acompanharam a saída de cena de empacotadores, sommeliers, especialistas em pães, queijos, cafés e até mesmo a gentileza de boa parte dos funcionários. Já os investidores viram a empresa perder musculatura, especialmente após a saída do Assaí de sua estrutura. Com a rentabilidade reduzida e crescendo menos do que a inflação, o resultado apareceu nas carteiras: ao longo de 2022, as ações do GPA perdem mais de 9%.
Aos 49 anos, o presidente Marcelo Pimentel foi chamado em abril para mudar este cenário. Responsável por uma reestruturação recente ofuscada pela pandemia nas Lojas Marisa, chegou à rede de supermercados com o plano de trazer de volta a rentabilidade e o peso perdidos pela marca, nos próximos três anos. “Minha missão é fazer o Pão de Açúcar voltar a ser o supermercado premium do Brasil”, disse ele ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que marca a nova estratégia do GPA?
O foco da estratégia é o formato premium. Queremos voltar a ser o supermercado premium do Brasil. Somos o único que pode fazer isso pela capilaridade, com mais de 190 lojas nesse formato. Como elas são bem estabelecidas, vimos como oportunidade formar uma extensão, com o Minuto Pão de Açúcar. O modelo é estar em bairros de classe A e B, nos quais os clientes possam chegar em 5 minutos a pé – e temos mais pontos disponíveis para proximidade do que supermercados, principalmente em cidades em que já estamos presentes. Para a expansão atual, não prevemos entrar em Estados novos. Vamos abrir 50 supermercados em três anos, o que é um desafio bastante ousado.
Como as novas lojas serão financiadas?
O modelo de proximidade é financiado com nosso capex (recursos separados para essa finalidade). Já no modelo de supermercado, é feito de forma build to suit (quando outra empresa constrói e, a partir do funcionamento do supermercado, a renda da loja paga o aluguel).
Na Marisa, o sr. fez uma “virada” buscando sair da proposta “fast-fashion”. O raciocínio é parecido no caso do Pão de Açúcar?
Não, é diferente. Naquele contexto, estávamos saindo do “por baciada”, mas ainda para o cliente C e D. Aqui não. Enquanto vivemos o avanço dos atacarejos e a competição forte com o modelo de hipermercado, o cliente da classe A e B foi sendo negligenciado. A ideia é mudar issso. A opção de compra (para esse consumidor) precisa ter sortimento maior, além de uma oferta de perecíveis diferenciada. Estamos trabalhando para que, no Pão, não tenhamos competição com hipermercados e atacarejos. O cliente busca, aqui, qualidade.
Mas hoje ele não encontra isso nas lojas…
Mas já começamos a mudar. O que aparece na loja é a materialização de uma negociação feita com o fornecedor. Temos feito todo um trabalho de revisão de frutas e na padaria, por exemplo, temos um especialista francês. São áreas que têm crescido, bem como em açougue, em cortes específicos. O corte mais popular no Pão é o filé mignon. Temos buscado aumentar a participação de perecíveis na loja. Em média, a participação desses itens é de 44% de cada compra. Nessas lojas remodeladas, já ultrapassa 50%. Perecíveis são muito importantes porque trazem recorrência e margem melhor.
O Credit Suisse comparou o desempenho das lojas do Pão de Açúcar com as do St Marché, e a conta foi favorável ao concorrente. Eles são a meta a ser atingida?
Ao contrário. O Pão de Açúcar foi o precursor da experiência de varejo alimentar premium no Brasil. A partir da marca, foram nascendo novos modelos. O Pão de Açúcar é o modelo mais rentável da companhia e vem em uma crescente. Por isso, estamos fazendo esse trabalho, de revisão de sortimento e de foco no perecíveis. A proposta de ter 190 lojas e crescer com mais 50 não há igual (na concorrência). Ninguém no Brasil tem a capilaridade de uma oferta de varejo alimentar premium como o Pão de Açúcar. Meu foco não é usá-los (St. Marché) como referência e, sim, usar o cliente como referência.
A marca deixou de ser?
Temos feito muitos grupos de escuta de clientes, e o que eles falam, basicamente, é “fazer com que o Pão volte a ser o que era historicamente”, ou seja, um varejo premium. Voltamos com empacotadores, especialistas em vinhos, queijo, café e com a qualidade dos produtos frescos. No primeiro trimestre, o Pão de Açúcar tinha um NPS (metodologia de aprovação da marca) de 44. Estamos terminando o ano com NPS de 76. Investimos mais de 200 mil horas em treinamento dos funcionários. Treinamos absolutamente todos na operação de caixa e especialistas em carne, padaria e peixaria.
O diferencial, em relação aos concorrentes que lidam com o público A/B, seria o tamanho da operação?
Exato. Já tenho muito mais lojas (do que concorrentes comparáveis), e o plano de expansão é muito maior. O desafio é diferente quando se têm 10, 20 lojas, do que entregar essa consistência em mais de 200 lojas para todos os clientes. É um processo de “turn around” que vai demorar três anos. Não estou prometendo milagres. Começamos em 2022 e vamos até o fim de 2024. É uma retomada que envolve vários pontos, entre eles que existam os produtos que o cliente procura na loja e a qualidade nos perecíveis. Melhoramos 5 pontos porcentuais a nossa ruptura (falta de produtos).
E em relação ao atendimento, também alvo de queixa?
Investimos 200 mil horas em treinamento, do técnico à coordenadora de atendimento, função que havia sido extinta.
Mas não haverá redução de pessoal, como foi falado com analistas?
As reduções foram feitas nos escritórios centrais, e não nas lojas. Estamos comprometidos a protegê-las para devolver a experiência de compra do cliente. O mercado quer ver o Pão voltando a ser o melhor modelo de varejo premium, com a melhor rentabilidade. Não há opção de não fazer isso.
O investidor vai esperar três anos para voltar a ter rentabilidade?
Ele não vai esperar três anos porque é uma trajetória gradual. Ano que vem, cresceremos acima da inflação, algo que não conseguíamos até então. A gente começa a ter sinais muito positivos em relação a essa inflexão. Pela primeira vez em anos voltamos a ganhar participação de mercado. Durante três meses, voltamos a ganhar clientes premium, que são muito valiosos. Um cliente premium representa o equivalente a nove clientes tradicionais.
Como os problemas financeiros do controlador do GPA atrapalham a retomada da marca no Brasil?
O plano de negócios para os próximos três anos não tem correlação com a realidade do acionista fora do Brasil. O que temos trabalhado no mercado nacional (elimina a) necessidade de aporte estrangeiro. A realidade que estamos vivendo é de alinhamento e comprometimento, bem como um mandato do conselho, para que esse crescimento ocorra. Até para que o Pão, que hoje tem valor de mercado muito depreciado, se recupere. Temos a oportunidade de fazer esse ativo crescer muito, e para isso a gente precisa voltar a investir. O Pão precisa voltar a ser o Pão que ele era, o que precisa ser reconhecido pelos clientes. Feito isso, não tenho dúvidas da valorização desse papel. Não fazer nada é a pior opção. Temos a marca mais valiosa do varejo brasileiro. No contato com os clientes, percebemos que é uma torcida unânime dos clientes para que o Pão volte a ser o Pão. O cliente ficou sem essa opção.
O que isso significa em termos de números?
Vamos terminar o ano com 110 lojas remodeladas que priorizam perecíveis, serviços, espaços de convivência. Elas têm, em média, sete pontos porcentuais de venda acima das lojas não reformadas. Os perecíveis aumentam a penetração de 44% para 51%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.