Há algumas semanas, o jornalista Fabio Barros, de São Paulo, assistia à televisão quando sua filha Mariana, de 5 anos, lhe fez um pedido. A garota disse que gostaria de usar o tablet do pai para ver o desenho animado A Branca de Neve e os sete anões. Barros pegou o aparelho e encontrou o filme no YouTube. Assim que acionou o vídeo para a filha, virou as costas e voltou a ver tevê. Qual não foi a surpresa quando, minutos depois, ele passou a ouvir, em alto e bom som, gemidos e palavras de baixo calão vindos do aparelho. Rapidamente ele pegou a máquina das mãos da menina e constatou que ela havia acessado uma versão picante da obra da Disney. 

 

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Pequenos digitais: as novas gerações demonstram habilidade para lidar com os tablets desde

bem cedo, o que leva muitos pais a comprar o equipamento para seus filhos 

 

Sem ter noção do que via, a criança havia clicado nesse vídeo – uma paródia de cunho sexual – graças aos conteúdos relacionados indicados pelo YouTube. “Explicamos para ela que é preciso ter cuidado com o que acessa na internet”, diz Barros. “Mas não é o caso de proibir o uso. Ela gosta muito do tablet e sabe usá-lo perfeitamente.” Episódios como esse, que afligem um número cada vez maior de pais, abriu um nicho de negócios para as empresas de produtos eletroeletrônicos: o de tablets desenvolvidos especificamente para crianças. Como esses equipamentos contêm filtros de conteúdo, que impedem o acesso a sites inapropriados para menores, com sexo e violência, fabricantes brasileiras como Estrela, Tectoy, DL e Multilaser resolveram investir nesse segmento. 

 

Elas estão de olho em consumidores como Fabio, preocupados em garantir uma navegação na internet segura aos filhos e livre de pornossurpresas. Os números explicam o interesse das companhias por esse novo nicho do mercado. De acordo com uma pesquisa da consultoria americana Nielsen, sete entre dez crianças nos EUA que moram em domicílios que dispõem de tablet usam o aparelho. Quatro em dez pais já tiveram de levar o equipamento a um restaurante para o filho brincar enquanto faziam suas refeições. Atenta a esse movimento, até a americana Amazon, cujos produtos não são adaptados para o público infantil, estreou na semana passada uma campanha publicitária televisiva com uma criança manuseando sua marca de tablet, o Kindle Fire. 

 

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Disneylândia móvel: a Tectoy, de Sergio Bastos, tem acordo com a Disney para usar

em seus aparelhos personagens da empresa, como o Mickey Mouse

 

No Brasil, não há estudos aprofundados sobre o tema, mas as empresas apostam na habilidade tecnológica das crianças para gerar bons negócios. Entre as principais diferenças entre um tablet convencional e o destinado à garotada está, além do desenvolvimento de conteúdo direcionado, o design, que é mais resistente e colorido. As estratégias de negócio, no entanto, variam conforme o fabricante. A Tectoy, por exemplo, aposta nas crianças que desejam aparelhos com configuração parruda, similar à dos equipamentos dos pais. Seu modelo Magic Tablet tem capacidade de armazenamento de 8GB, conta com sistema operacional Android 4.0 e tela de 7 polegadas, características presentes nos modelos destinados a adultos. 

 

“Mas o diferencial mesmo é o conteúdo”, diz Sergio Bastos, CEO da Tectoy. A fabricante conta como um de seus trunfos nesse quesito um convênio com a Disney – os aparelhos levam marcas de personagens famosos, como o Mickey. “Desenvolvemos aplicativos e jogos específicos para o público infantil.” Vendido a R$ 600, o produto foi lançado em dezembro – a quantidade de unidades comercializadas não foi revelada. A empresa tem planos de lançar uma versão atualizada do tablet ainda neste ano. Aproveitando a onda, a Tectoy estuda recolocar no mercado um brinquedo de muito sucesso na década de 1990: o Pense Bem, equipamento que simulava o funcionamento de um computador. 

 

A intenção da empresa é relançá-lo em forma de um aplicativo. A empresa, no entanto, não terá vida fácil na tentativa de atrair os pequenos. A mineira DL, líder do mercado de tablets no Brasil, também tem opções para atender esse público e aposta nos preços baixos. Com configuração parecida com a do Magic Tablet, mas sem a ajuda do Mickey, o HD7 Kids custa cerca de R$ 160 a menos que o produto concorrente. “Adaptamos nosso tablet para que funcione bem com jogos”, afirma o diretor comercial e de marketing da DL, Ricardo Malta. Segundo ele, a empresa vendeu 50 mil unidades de seu tablet infantil em 2012 e pretende triplicar o número neste ano. 

 

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DL e Tectoy, que têm a seu favor o fato de terem ingressado primeiro no mercado de tablets infantis, passaram a ficar atentas neste ano à movimentação de outras duas companhias nacionais. Uma delas é a Multilaser, que montou uma divisão inteira de produtos infantis, a Multikids. A empresa tem a meta de se tornar uma das três maiores fabricantes de brinquedos do País até 2016. Entre suas apostas para isso, claro, estão os tablets para crianças. “Vamos lançar cinco modelos para esse público neste ano”, diz Luiz Fiorini, diretor da Multikids. Um deles, o Kid Pad, já está sendo comercializado. Com o avanço da divisão, a companhia espera um faturamento de R$ 1 bilhão neste ano, o que representará uma expansão de 30% em relação a 2012. 

 

A outra competidora que está de olho nesse filão é a tradicional marca de brinquedos Estrela. A empresa, que já produziu 25 mil artigos diferentes desde sua fundação, em 1937, lançou há poucas semanas o tablet PimPamPum, voltado para crianças a partir de 18 meses. O aparelho tem sete atividades educativas envolvendo cores e letras, mas não tem conexão com a internet nem permite a instalação de aplicativos. Segundo o diretor de marketing da Estrela, Aires Fernandes, o produto tem tudo para divertir crianças da primeira infância. “Esse equipamento é destinado aos pais que, de forma inadvertida, têm dado seus próprios tablets para as crianças”, diz Fernandes. Ao contrário dos concorrentes, a Estrela não vai colocar seu produto nas redes varejistas de eletrodomésticos. Seu foco será a comercialização em supermercados e lojas especializadas em brinquedos. 

 

ECONOMIA O interesse de marcas como Estrela, Tectoy, DL e Multilaser nesse segmento se explica, basicamente, por dois fatores, segundo Ivair Rodrigues, diretor de pesquisa da consultoria paulista IT Data. O primeiro deles é que a meninada não tem necessidade de executar tarefas complexas na internet. “Basicamente, eles querem acessar a rede para falar com os amiguinhos ou ver um desenho”, diz Rodrigues. A outra razão é bem mais prosaica e tem a ver com a economia com possíveis acidentes e quedas com os aparelhos. “Os tablets são mais baratos do que computadores e não doem tanto no bolso dos pais caso ocorra algum acidente”, diz Rodrigues. 

 

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Novo foco: es tablets infantis fazem parte do plano da Multilaser, de Luiz Fiorini, de se tornar

uma das três maiores empresas de brinquedos do País até 2016 

 

De acordo com ele, hoje já é possível encontrar tablets por R$ 300, e a tendência é de que o preço caia ainda mais. A IT Data estima que serão vendidos oito milhões de tablets em 2013 no Brasil. “A tendência é esse produto se massificar ainda mais nos próximos anos”, afirma. “E em todas as faixas etárias.” O avanço desses equipamentos é apenas uma face do processo – inevitável – de digitalização das novas gerações. Segundo Luciana Maria Allan, doutora pela USP em informática educativa e diretora do instituto Crescer, a febre pelos tablets pode até passar, em função da evolução tecnológica, mas a relação com a internet não. “As crianças de hoje já estão acostumadas a essa enorme revolução no aprendizado e nos relacionamentos sociais e familiares”, afirma Luciana. 

 

Diante desse cenário, os pais devem tomar um cuidado similar ao dedicado à tevê. “Assim como não é aconselhável deixar uma criança o dia todo na frente de um televisor, não é bom que ela fique mexendo por muitas horas em um tablet.” Um subsídio importante para essa discussão vem de uma pesquisa feita pela consultoria americana de marketing Kids Industries. De acordo com um levantamento realizado no ano passado pela empresa, 77% dos pais acreditam que os tablets têm um impacto positivo na educação dos filhos, ajudando principalmente no desenvolvimento da criatividade. Luciana concorda. “A forma de aprendizado hoje mudou em relação à da geração anterior”, diz. “Agora, as crianças querem interagir com o conteúdo.” 

 

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