Uma faxina nas gavetas e armários em geral é uma viagem no tempo. Encontram-se cartas de amor, fotos antigas e lembranças, como a coleção de moedas do seu avô. Com um pouco de sorte, o valor do que é encontrado não é apenas afetivo. Além das moedas, o vovô pode ter comprado algumas ações de empresas no passado, papéis que ficaram esquecidos no fundo do baú e que valem dinheiro. 

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Foi praticamente o que aconteceu com o engenheiro civil Luiz Eduardo Junqueira, 30 anos, de São Paulo. Seu pai, Luiz Paulo Junqueira, investiu em ações da empresa de cimento Portland Itaú (não tem relação com o banco) e do Banco do Brasil, no fim dos anos 70. 

 

Nunca mais mexeu nas cautelas de ações ao portador. No ano passado, ele as encontrou e pediu ao filho, um investidor habitual da bolsa, que verificasse se ainda valiam alguma coisa. Luiz Eduardo foi até uma agência do BB e descobriu que o pai tinha direito a dez ações ordinárias do banco, cerca de R$ 300 pela cotação atual. O resultado magro não o desanimou. 

 

Ao consultar a situação das ações da companhia de cimento, ele recebeu mais R$ 10 mil. Nada mau para alguns papéis amarelados. Para o engenheiro, o procedimento foi simples. “O mais trabalhoso foi descobrir quais bancos foram contratados por essas empresas para fazer a conversão das ações antigas em papéis que se pudesse negociar”, diz.

 

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“O mais trabalhoso do processo foi descobrir quais bancos iriam converter as ações”

Luiz Junqueira resgatou R$ 10, 3 mil para seu pai

 

Esse obstáculo pode ser resolvido com um simples telefonema ou e-mail. No caso das companhias que ainda existem, basta procurar a área de relações com investidores. Mas algumas já desapareceram. A alternativa, neste caso, é procurar pelo serviços especializados de um escriturador, responsável pelos registros das ações. 

 

Os principais escrituradores são Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Santander. O Banco do Brasil, por exemplo, é responsável pela conversão de 36 empresas. No ano passado, lidou com 470 processos envolvendo ações destas empresas. Em 2010, já são 328 até agora. 

 

Todo acionista de uma empresa, desde que comprove a propriedade das ações, tem direito de recebê-las. As mais procuradas são empresas de telecomunicações oriundas da cisão da Telebrás. Ou seja, quem comprou linha telefônica por meio do plano de expansão de 1975 a 1995, pode ter direito a ações da companhia. 

 

Em 2010, as consultas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para estas companhias se multiplicaram, principalmente por conta da reativação da Telebrás. No primeiro semestre, foram 3.020 consultas, em comparação com 2.742 em todo o ano de 2009. Segundo o Bradesco e o Banco do Brasil, ações ainda em vigor de grandes companhias, como Vale, Eletrobrás, Petrobras e bancos, também estão entre as “velhinhas” mais requisitadas.

 

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“Vou resgatar o dinheiro. Não faz sentido que ele fique parado”

Niles Simone Filho irá recuperar R$ 1,2 mil em ações do Bradesco

 

Para reaver o investimento esquecido, é preciso juntar dados do dono dos papéis e documentos que comprovem a sua posse. Até o fim dos anos 80, ainda havia ações em papel circulando no mercado. Por isso, é comum que os investidores dos anos 70, quando houve uma onda de popularidade das ações, tenham comprovantes físicos e devem apresentá-los. 

 

Nos anos 90, as ações em espécie foram extintas e as empresas abertas tiveram de escriturá-las, ou seja, convertê-las em registros eletrônicos. Descobrir quem fez o serviço é essencial para comprovar a propriedade das ações e pode dar algum trabalho para o investidor. 

 

Caso o investidor tenha algum problema no resgate, a orientação é procurar a CVM, que também fornece dados das companhias abertas e dos prestadores de serviço de ações escriturais. Não se assuste se receber menos ações ou dinheiro do que você esperava. 

 

“As ações passaram por desdobramentos, algumas empresas deixaram de existir, o que diluiu os valores ao longo do tempo”, afirma o professor Ricardo Torres, da Brazilian Business School. No caso de empresas que faliram, o investidor pode ter direito a receber alguma coisa. 

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“A companhia primeiro honra com seus credores e o acionista arca com os lucros e os prejuízos”, afirma José Alexandre Cavalcanti Vasco, superintendente de proteção e orientação aos investidores da CVM.

 

O administrador de empresas Niles Simone Filho não vai deixar de resgatar suas ações antigas do Bradesco por causa disso. Ele terá direito a R$ 1.200, valor correspondente a 38 ações atuais da empresa. “Vou resgatar este dinheiro. Não faz sentido que fique parado”, diz. 

 

Ele prepara a documentação para retirá-las, depois de 20 anos. “Não é verdade que não valem nada. Muitas vezes são papéis líquidos e o resgate vale a pena”, diz o professor de finanças da ESPM, José Eduardo Amato Balian.