17/06/2015 - 18:07
O bilionário Narayana Murthy, dono da fabricante de software Infosys, já esteve no Brasil mais de 30 vezes. E não se limitou a visitar a subsidiária da companhia, instalada em Belo Horizonte. “Já estive no Amazonas, no Sul, no Nordeste e em muitos lugares no Brasil”, afirma o empresário. Batizado pela revista americana Time como o “pai” do setor de Tecnologia da Informação indiano, Murthy, que comanda um gigante que faturou US$ 8,7 bilhões no ano passado, integra o conselho da fundação que reúne empresários e líderes globais para definir as prioridades dos projetos desenvolvidos pela Organização das Nações Unidas. Para ele, as dificuldades econômicas vividas pelo Brasil são passageiras e os dois países possuem muitos pontos em comum quando o assunto é crescimento sustentável: ambos precisam enfrentar grandes desafios como a pobreza e a corrupção. “Há muitas coisas que a Índia pode aprender com o Brasil e outras tantas que o Brasil pode aprender com a Índia”.
DINHEIRO – Como o sr. avalia as dificuldades econômicas que o Brasil está enfrentando?
NARAYANA MURTHY – Sou um grande admirador do País e sou um otimista. Todos os ciclos econômicos têm períodos de crescimento, outros de queda. A Índia teve 9,9% de crescimento anual, há seis anos. Em 2014, o PIB avançou 4,9%, mas neste ano a previsão é de 7,5%. Por isso, acredito que, mesmo no caso do Brasil, nós iremos ver a retomada do crescimento nos próximos anos. Porque este País tem todos os recursos, pessoas inteligentes, excelentes políticas e boas empresas que atendem o mercado interno e o externo. Olhando todos esses pontos, não podemos ser pessimistas em relação ao futuro do Brasil.
DINHEIRO – Mas, em 2014, o Brasil cresceu apenas 0,1% e para este ano a previsão é de queda do Produto Interno Bruto (PIB)…
MURTHY - Há algumas razões que explicam esse baixo desempenho. Um deles é o fato de o Brasil ser um grande parceiro comercial da China, cuja economia se desacelerou um pouco. Tivemos crise financeira em muitos países. Mas eu entendo que os líderes empresariais brasileiros são muito bons. Situação semelhante já aconteceu na Índia. Eu vejo similaridades, pois houve períodos em que crescemos de forma acelerada, seguidos de redução do crescimento.
DINHEIRO – O sr. acredita que o Brasil e a Índia estão no mesmo patamar econômico?
MURTHY – O Brasil é muito mais rico que a Índia. O PIB dos dois países está em dois trilhões de dólares. Mas nós temos 1,2 bilhão de habitante, enquanto o Brasil tem 200 milhões. Isso faz com que o Brasil seja seis vezes mais rico que a Índia. Mas há mais coisas em comum entre os dois países. Ambos ainda têm problemas de desigualdade, pois há muitos pobres no Brasil e na Índia. Mesmo assim, o Brasil é mais rico do que a Índia. E menos desigual. Os problemas são comuns, como pobreza, dificuldade de acesso à educação, dificuldades de acesso à saúde. Há muitas coisas que a Índia pode aprender com o Brasil e que o Brasil pode aprender com a Índia.
DINHEIRO – O sr. acredita que a Índia pode vir a ser um grande parceiro do Brasil?
MURTHY – A China continuará sendo o maior parceiro brasileiro. Já foram os Estados Unidos. Nós mesmos importamos muito da China, porque ela tem uma grande força de trabalho, pessoas inteligentes, a segunda maior força econômica do mundo e porque somos vizinhos. Mas, ao mesmo tempo, acredito que os líderes brasileiros e indianos precisam se aproximar mais. Entre esses países, o Brasil é o único que tem uma fábrica de aviões, a Embraer. E isso é ótimo. Eu viajei nos EUA em um avião desses e achei muito bom. O Brasil está fazendo um grande trabalho na indústria aeronáutica. Na Índia, somos bons em Tecnologia da Informação. Acredito que há muito potencial para o Brasil e a Índia se tornarem mais próximos, como acontece entre a Índia e a China.
DINHEIRO – A Índia possui grandes empresas em tecnologia, enquanto o Brasil é forte em outras áreas. Como aproveitar essas vantagens competitivas de know-how em conjunto?
MURTHY – Acredito que somos complementares. Nós somos uma grande produtora de software, a China é de hardware e o Brasil tem outros conhecimentos. Nós podemos comprar bens do Brasil, como aviões, e o Brasil da Índia.
DINHEIRO – Mas a face brasileira no exterior continua sendo as empresas de processamento de alimentos, mas não de tecnologia. Isso não seria um problema?
MURTHY – Como já disse, vocês têm uma grande companhia altamente tecnológica, que é a Embraer. Todo país é competitivo em algumas áreas. A China tem excelentes trabalhadores, por isso mesmo é chamada de a fábrica do mundo. Tudo é feito na China. Mas ela decidiu ser esse país há 30 anos. A Índia sabe que precisa de democracia, mas não é um processo que se construa de forma simples, muito menos rápida. Há uma questão de partidos que não se entendem, semelhante ao que acontece no Brasil. Nós não podemos ser outra China rapidamente. O que podemos fazer com que temos, que são pessoas de baixa educação, mas com conhecimento em inglês? Podemos fazer software, um setor que não necessita de grande infraestrutura de rodovias, portos, e nem de grande disponibilidade de energia. Foi por isso que a Índia encontrou na indústria de software um caminho para crescer e gerar empregos.
DINHEIRO – Mas o sr. acredita que o Brasil poderia crescer sem uma infraestrutura de portos para escoar sua produção?
MURTHY – Tanto a Índia quanto o Brasil precisam aprender com a China nesse quesito. Não há nenhum país que tenha conseguido fazer o que eles fizeram, em tão pouco tempo. Geraram emprego para um Brasil inteiro, nos últimos 15 anos.
DINHEIRO – A corrupção é uma questão que afeta tanto o Brasil quanto a Índia. Quais os efeitos dessa prática no crescimento da Índia?
MURTHY – Os economistas dizem que a corrupção custa de 1% a 1,5% do PIB, anualmente. Porque a corrupção não permite que os recursos sejam usados em projetos necessários para o país, porque não se escolhe o melhor parceiro para realizá-los. E, mesmo que o projeto esteja atrasado, as agências que deveriam regular não têm esse poder. A corrupção é muito prejudicial para qualquer economia, mas particularmente para países em desenvolvimento, porque precisamos crescer muito rápido para ser competitivos. Esse é o ponto.
DINHEIRO – O sr. acompanhou as denúncias envolvendo a Petrobras? Acredita que o Brasil tem de passar a limpo essas questões para continuar crescendo?
MURTHY - Não sei detalhes do que acontece no Brasil. O que posso dizer é o que a Índia está fazendo. Para acabar com a corrupção é preciso uma oposição forte e dispor de um sistema judiciário independente e capaz de punir pesadamente os culpados. Além disso, é preciso que haja transparência em todos os projetos. Esses são os princípios para combater a corrupção.
DINHEIRO – E como a Índia está trabalhando para acabar com esse tipo de problema?
MURTHY - Ainda temos alguns escândalos, contudo estão sendo todos investigados. Temos um novo governo, desde o ano passado, que está dando importância à conclusão das investigações. Acredito que a corrupção será muito menor nos próximos anos.
DINHEIRO – O que o sr. acredita que o Brasil possa ensinar para a Índia?
MURTHY – Fabricar aviões. Como já frisei, acho a Embraer um grande exemplo. Mostra que o País está no caminho certo, pois os aviões dessa companhia brasileira estão operando nos EUA, o país mais competitivo do mundo. Eu tenho muito respeito por isso.
DINHEIRO – E sobre a redução da pobreza, como o sr. avalia que essa questão poderia ser atacada?
MURTHY - A única forma de eliminar a pobreza é gerando emprego, com rendimento adequado. Se um país como o Brasil, Índia ou China quer reduzir a pobreza, tem de tornar mais simples o empreendedorismo, seja para os locais ou para estrangeiros, incentivar a indústria e os investimentos. Isso permitiria ter mais empregos, mais impostos e todos cresceriam. Empreendedorismo é converter uma idéia em empregos e bem-estar. A melhor maneira de o Brasil reduzir a pobreza é incentivar atividade empreendedora, tornando esse processo mais fácil para todos.
DINHEIRO – O Brasil tem outros problemas, como a burocracia e a carga tributária. O mesmo acontece na Índia
MURTHY – A carga tributária chega a 33%, na Índia. Felizmente, ainda não há impostos para investimentos de longo prazo e o país é muito aberto para investidores vindos de fora. Contar com um sistema tributário simples é muito importante para o crescimento de um país, principalmente para aqueles que estão em estágio de desenvolvimento.