Em meio a divergências bilaterais – pequenas ou nem tanto – e às tensões circundando as eleições europeias, presidente e primeira-dama da França apostam na aproximação entre os povos vizinhos, bastiões da União Europeia.O presidente Emmanuel Macron e a primeira-dama Brigitte Macron iniciam neste domingo (26/05) um giro de três dias pela Alemanha. A última visita oficial de um chefe de Estado francês ao país foi a de Jacques Chirac, em 2000. É muito tempo, considerando que as duas nações mantêm laços tão estreitos.

Mas essa lacuna tão longa é sem relevância política: afinal, seus chefes de governo e ministros se encontram regularmente, a cada poucos meses. E durante uma visita de Estado, o foco não é política, mas o contato com o país e seu povo. O anfitrião não é o chanceler federal Olaf Scholz, mas o presidente federal Frank-Walter Steinmeier, cuja função é, em grande parte, representativa.

Além de Berlim, o roteiro do casal presidencial inclui Dresden e Münster. Nesta cidade, Macron receberá o Prêmio Internacional da Paz da Vestfália, destinado a “um indivíduo de destaque comprometido com a unidade e paz da Europa Federal”.

Originalmente, a visita estava marcada para julho de 2023, mas foi cancelada devido aos distúrbios populares na França. Embora, no momento, as coisas não estejam muito mais calmas para Macron: às vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, as pesquisas de intenção de voto indicam que a populista de direita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, pode se tornar o partido mais forte do país.

Além disso, em fevereiro uma consulta do Eurobarômetro indicou uma indiscutível “fadiga da Europa” entre os franceses: de todos os 27 membros da União Europeia, é na França que o Parlamento Europeu tem a reputação mais baixa – justamente o país em que o órgão legislativo se reúne e que, ao lado da Alemanha, é considerado a força propulsora por trás da UE.

“Quem tem visões deve ir ao médico”

Falando em abril na Universidade Sorbonne, em Paris, Macron apelou por mais soberania e mais defesa conjunta para a Europa, com uma frase provocadora: “Nossa Europa pode morrer”.

Não é a primeira vez que o político de 46 anos esboça visões grandiosas para a comunidade. Em 2017 ele assumiu um tom semelhante ao propor a criação de um ministério europeu das finanças. Na época foi rebatido pela então chefe de governo alemã, a democrata cristã Angela Merkel. Desta vez o social-democrata Scholz louvou na plataforma X (ex-Twitter) os “bons impulsos” do discurso para a Europa – mas sem fornecer respostas concretas.

O diretor do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg, Marc Ringel, explica tratar-se também de uma questão de mentalidade: “visões” são “uma variante muito francesa para explicar uma abordagem das coisas que não se encontraria na Alemanha”. “Helmut Schmidt [chanceler federal alemão de 1974 a 1982] disse, certa vez: ‘Quem tem visões deve ir ao médico.’ Essa, penso eu, é a versão sóbria alemã.”

No entanto, mesmo agora há diferenças políticas em muitas questões. Paris aposta na energia nuclear, enquanto Berlim desativou em abril de 2023 os últimos reatores alemães. Macron não descarta o envio de tropas de solo para combater os russos na Ucrânia, enquanto Scholz rejeita a ideia.

Recentemente, Friedrich Merz, presidente do principal partido de oposição alemão, a União Democrata Cristã (CDU), chegou a afirmar que há décadas as relações bilaterais nunca estiveram tão mal, citando um “racha” entre Scholz e Macron no tocante ao apoio militar à Ucrânia.

Macron quer que a Alemanha encomende armamentos europeus – melhor ainda: franceses – enquanto os alemães estão contentes em comprar dos Estados Unidos. Também progridem muito lentamente os projetos franco-alemães para um tanque e um avião de combate, o FCAS.

“A defesa sempre foi um tópico controverso entre a Alemanha e a França, pois ambas têm culturas de segurança diversas”, explica Ringel. O lado alemão estaria “alinhado muito de perto com a Otan”, em contraste com a “autonomia estratégica que a França reivindica para si”.

Amizade franco-alemã por trás dos idiomas e dos clichês

Apesar de tudo, os dois líderes fazem questão de pelo menos mostrar ao mundo exterior que estão em sintonia. Num breve vídeo publicado no TikTok, eles até trocaram de idioma entre si para esse fim.

Quando Macron lê a pergunta de um cidadão sobre se a parceria binacional ainda é importante. Scholz responde, em francês: “Olá, caros amigos. Eu confirmo: vida longa à amizade franco-alemã!” E Macron replica, em alemão: “Obrigado, Olaf, eu concordo totalmente com você.”

Mas: e a amizade entre os dois povos, para além do turismo, cerveja e vinho tinto? Ringel cita uma pesquisa realizada em março pelo instituto Infratest: “A aprovação, entre os alemães, da França como parceira diplomática continua alta: mais de 80%, muito acima de outros parceiros. Isso também se vê, espelhado, na França.”

Entretanto o interesse pelo idioma do país vizinho vem decaindo de ambos os lados do rio Reno. Consta que o ex-presidente Valéry Giscard d’Estaing teria comentado, certa vez, com resignação: “On s’arrange avec l’anglais” (A gente se arranja com o inglês.

O inglês como língua franca é uma coisa, admite Ringel. Mas o declínio no estudo das línguas poder significar uma normalização das relações: “As pessoas se respeitam entre si, mas o outro se tornou tão familiar, que elas se esforçam um pouco menos.”

De qualquer modo, o diretor do Instituto Franco-Alemão não está especialmente preocupado com o estado do intercâmbio entre os jovens das duas nacionalidades: “Não são só intercâmbios escolares: há também oportunidades de estágios, por exemplo no Serviço Voluntário Francês. Há muitas chances, e elas são muito populares.”