23/03/2001 - 7:00
Quando o jornalista britânico Kevin Davies concluiu Decifrando o Genoma, no final do ano passado, o mundo ainda não sabia que um ser humano tem pouco mais que o dobro dos genes de uma minhoca. Essa informação vagamente perturbadora só veio a público em 12 de fevereiro passado, quando os dois grupos que competiam pelo mapeamento cromossômico do Homo Sapiens divulgaram seus resultados. Pois basta juntar essa peça de atualização às 469 páginas do livro de Davies, publicado pela Companhia das Letras, para que se tenha um painel completo sobre o ramo mais fascinante, mais promissor e mais polêmico da ciência moderna. Embora seu autor seja PhD no assunto e editor de revistas especializadas, ele não fez um livro para a turma do laboratório. Davies coletou 40 anos de histórias de pesquisa ? humanas, técnicas e empresariais ? e as encadeou de forma a produzir uma leitura agradável. Sua tese é que o final do Projeto Genoma Humano encerra, também, o ?primeiro tempo? da ciência genética. Agora, diz ele, termina a infância da humanidade e começa a utopia.
Assim como a tese, seu livro é dividido em dois tempos. No primeiro, relembra-se a revolução em seus primórdios: 1953, quando James Watson e Francis Crick, com insuperável modéstia, apresentaram ao mundo a descoberta de que a informação para montar um ser vivo está armazenada na dupla hélice em espiral do DNA, formada por três bilhões de combinações de bases químicas. A partir dessa história conhecida, ele evolui para retirar do anonimato dezenas de outras histórias, contando como os cientistas estão lavrando os 23 pares de cromossomos humanos para extrair deles compreensão e cura de doenças hereditárias. A metade final do livro é dedicada ao famoso Projeto Genoma e sua feroz competição com a Celera Genomics, a empresa criada em 1998 por um cientista que sonhava patentear as informações do DNA humano. Davies revela que a animosidade entra as equipes era tamanha que os cientistas do projeto público divulgavam à noite as informações que obtinham durante o dia, para impedir que os pesquisadores da Celera as patenteassem. Não é muito edificante ? ou é ? mas ajuda a vislumbrar a natureza humana e passional sob os aventais dos cientistas.