Apesar das tensões entre Paquistão e Estados Unidos após a eliminação de Osama bin Laden por um comando americano, nem Washington, nem Islamabad, seu aliado-chave na guerra contra o terrorismo, podem se dar ao luxo de romper relações, segundo especialistas.

O ataque das forças especiais é inegavelmente o maior êxito americano em quase dez anos de guerra contra a Al-Qaeda, mas ocorreu em um momento em que o casamento de conveniência concluído no final de 2001 entre os Estados Unidos e o Paquistão, aliado crucial na frente da “guerra contra o terrorismo”, estava afundando.

Os mais altos funcionários americanos denunciavam o “jogo duplo” de pelo menos parte do onipotente Exército paquistanês e de seu serviço de inteligência, o ISI, acusados de não “fazer o bastante” na luta contra a Al-Qaeda e os talibãs afegãos, que utilizam as zonas tribais paquistanesas como um santuário, ou mesmo abertamente suspeitos de cumplicidade.

E o Paquistão, que enfrenta uma onda extremamente violenta de atentados suicidas (mais de 2.400 mortos em quase quatro anos) dos talibãs paquistaneses aliados à Al-Qaeda, tem que conviver com uma opinião pública majoritariamente anti-americana.

Vários paquistaneses acreditam que o “terrorismo” que sacode seu país é um “mal importado” pelos Estados Unidos, incapazes de eliminar os talibãs no Afeganistão vizinho, permitindo que os líderes da Al-Qaeda fugissem para o outro lado da fronteira depois de 2001.

O líder da CIA, Leon Panetta, disse na terça-feira que o Paquistão não tinha sido informado do ataque por temor que vazamentos provocassem o fracasso da operação, o que deixa claro o nível de confiança em relação a esse país que Washington financia com bilhões de dólares em seus esforços de guerra contra os talibãs paquistaneses e a Al-Qaeda.

Em troca, o Paquistão, constrangido pela operação realizada em seu território sem advertência, denunciou uma violação de sua soberania, sem deixar de saudar a morte de Bin Laden.

Mas os analistas consideram geralmente que, presos no Afeganistão onde procuram uma porta de saída, os Estados Unidos não podem abrir mão do envolvimento do Paquistão na guerra ao longo da fronteira afegã-paquistanesa e em eventuais negociações com os talibãs.

Eles acreditam que Washington também não pode assumir o risco de uma escalada do Islã radical nesse país, única potência nuclear militar do mundo muçulmano e com mais de 180 milhões de habitantes.

O governo de Barack Obama considera que as zonas tribais paquistanesas, onde foram tramados todos os atentados islamitas e tentativas em Estados Unidos e Europa depois de 11 de setembro de 2001, são o abrigo “dos homens mais perigosos do mundo”. Lá provavelmente estão escondidos outros líderes da Al-Qaeda, o número 2 Ayman al-Zawahiri no comando, e as forças vivas dos talibãs afegãos, em particular a rede Haqqani, grande inimiga das forças americanas do outro lado da fronteira.

“Os americanos têm certamente vontade de perseguir os outros dirigentes da Al-Qaeda, entre eles Zawahiri, e acredito que estão convencidos que também estejam no Paquistão”, explica Rahimullah Yusufzaï, editorialista paquistanês, especialista em zonas tribais e um dos maiores especialistas da rede de Bin Laden.

Por outro lado, depois que Bin Laden foi morto no Paquistão quando Islamabad jurava que não estava em seu território, “haverá também pressões americanas sobre o Paquistão para eliminar a rede Haqqani e será difícil para o governo paquistanês recusar uma cooperação”, considera Yousufzai.

Mas, quanto mais as tropas americanas permanecerem atoladas no Afeganistão, fortemente dependentes dos portos e rotas paquistaneses para se abastecer e se equipar, o Paquistão pode ficar tranquilo, dizem os especialistas: Washington não está preparado, segundo eles, para reduzir o fluxo de dólares que mantenha sua economia livre da falência.

“Não há alternativa a não ser a cooperação por enquanto, mas os problemas podem aumentar quando os americanos se retirarem do Afeganistão”, adverte Rahimullah Yousufzai.

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