A dinâmica do endividamento público brasileiro – em trajetória ascendente, mais caro e com perfil pior – vem reduzindo a potência da política monetária. A continuidade desta deterioração exigirá uma dose mais forte de juros do que há dez anos, quando a taxa nominal ficou estacionada cerca de um ano e meio em 14,25% – mesmo nível para onde o Comitê de Política Monetária (Copom) deve elevar a Selic em março. O cenário internacional, com taxas de juros mais elevadas, também é outra fonte de pressão, embora menor.

“Estamos partindo de um ponto pior agora do que o que tínhamos no governo Dilma Rousseff. E o arcabouço fiscal atual não conserta isso. Pelo contrário, faz a dívida continuar aumentando”, considera o ex-diretor de Política Econômica do BC e head de macroeconomia do ASA, Fabio Kanczuk. “Em 2015/2016, havia pedaladas e um contexto político complicado, mas o País não estava com a relação dívida/PIB ascendente a partir de um nível tão elevado”, complementa o professor da FGV EPGE e ex-diretor de Política Econômica, Sérgio Werlang.

A dívida bruta terminou 2024 em 76,1% do PIB, elevação de 12,7 pontos porcentuais frente a 63,4% do produto no fim de 2014, segundo dados do BC. Em 2015, avançou para 65,5% do PIB. Já em 2020, na pandemia, alcançou 86,94% do PIB, tendo chegado ao pico de 87,68% em outubro daquele mesmo ano.

“O juro é alto no Brasil porque a dívida é alta, assim como o déficit é alto”, afirma Reinaldo Le Grazie, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e sócio da Panamby Capital, para quem o nível bruto do endividamento deve atingir 88% do PIB no fim de 2026.

O próprio colegiado afirma, na ata da reunião mais recente, que a potência da política monetária é impactada por um conjunto de fatores que incluem as incertezas sobre a estabilização da dívida pública, o menor esforço para fazer reformas estruturais e estabelecer a disciplina fiscal, e o aumento de crédito direcionado.

Sinal amarelo

O perfil do endividamento vem piorando ao longo da última década. O volume cada vez maior de Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), títulos indexados à variação da taxa Selic, ocorre em detrimento de papéis com taxas prefixadas e atreladas à inflação. Dados do Tesouro Nacional mostram que a parcela de prefixados recuou a 22,0% da Dívida Pública Federal (DPF) em dezembro passado, o menor valor desde 2005 para o mês, enquanto os remunerados por índices de preços encerraram o ano em 27,0%.

Já a participação de LFTs, apelidados de papel das crises, chegou a 46,3% em dezembro de 2024, o maior nível desde 2005 para o mês. Isso é mais do que o dobro dos 22,8% em 2015. No Plano Anual de Financiamento (PAF) para este ano, o intervalo para as LFTs está previsto entre 48% e 52% do estoque. De acordo com cálculos mais recentes do BC, cada 1 ponto porcentual de variação da taxa Selic, mantido por 12 meses, tem reflexo de 0,41 p.p. na dívida bruta no mesmo sentido, o que representaria R$ 48,60 bilhões em valores de janeiro.

Le Grazie ressalta que a dívida cada vez mais cara suscita dúvidas entre seus detentores sobre a capacidade de pagamento do governo. “A dívida está cara porque ela é muito alta e começa a haver dúvidas sobre o pagamento. Estamos nessa. Dívida e inflação não é um bom caminho”, diz.

Exterior conta

Os juros mais elevados no exterior também entram na conta para a condução da política monetária, uma vez que as taxas internacionais afetam o juro neutro doméstico, segundo Kanczuk. Há dez anos, as chamadas tips, títulos do Tesouro americano atrelados à inflação para o prazo de cinco anos, tinham retorno perto de zero enquanto agora gira entre 1,7% e 2,0%.

“Ficou bem mais difícil. Está todo mundo precisando de juros maiores. Isso é uma coisa que também faz o juro neutro ser maior. Além do fiscal ser pior, o mundo está todo pedindo bem mais juros. Esse também é um fator pior agora”, avalia Kanczuk.