DINHEIRO ? O Wal-Mart chegou ao Brasil em 1995, cercado de expectativas, mas demorou a decolar. Pode-se dizer que hoje a empresa entende melhor o Brasil e vice-versa?
VICENTE TRIUS
? Qualquer empresa global quando entra em um novo país passa por uma fase de aprendizado. Com o Wal-Mart não foi diferente. Somos uma companhia nova do ponto de vista global porque só saímos dos Estados Unidos há 12 anos. Tivemos, sim, problemas de adaptação, mas também trouxemos inovações para o mercado brasileiro. Uma delas foi o grande sortimento de produtos a um preço bastante agressivo, beneficiando os consumidores com a redução do custo de vida.

DINHEIRO ? O País foi uma prova de fogo para o grupo?
TRIUS
? Nós entramos no Brasil com uma operação tímida para os padrões da corporação. Eram apenas duas lojas em São Paulo, um mercado bastante competitivo no qual concorríamos com as gigantes do setor. Isso nos deu a possibilidade de conhecer os consumidores e também de aprender a rentabilizar um negócio em um ambiente adverso.

DINHEIRO ? Mas desde então a rede já gastou cerca de US$ 1 bilhão em aquisições. Como isso foi definido do ponto de vista estratégico?
TRIUS
? Desde que entramos no Brasil tínhamos a opção de crescer também por meio de aquisições. No entanto, uma compra para ter sucesso tem de dar retorno aos acionistas, adicionar talento e novas culturas à companhia. Entramos em disputas em 1998 e 1999 apenas para participar, porque os custos não se encaixavam no que imaginávamos razoável. Adquirimos o Bompreço e o Sonae porque eles representavam uma ótima oportunidade, do ponto de vista financeiro, para o Wal-Mart.

DINHEIRO ? Pode-se dizer, então, que a dita morosidade do Wal-Mart era estratégica, já que o sr. comprou ativos de destaque sem entrar em leilão?
TRIUS
? Sem dúvida. A década de 90 foi marcada pela sobrevalorização de ativos, um jogo do qual não nos interessava participar.

DINHEIRO ? Qual a mágica para crescer quando a venda de alimentos está praticamente estagnada?
TRIUS
? O segredo é saber posicionar as bandeiras em matéria de sortimento, preço e tipo de formato ideal para cada bairro ou cidade: hipermercados, supermercados, atacado e unidades direcionadas para a baixa renda.

DINHEIRO ? A bandeira Todo Dia tem uma clara identificação com as camadas populares. A idéia foi pegar carona no incremento de renda gerado pelo Bolsa-Família?
TRIUS
? Para nós sempre foi claro que o maior espaço para crescer está nas camadas populares. Até porque 75% da população brasileira pertence às classes C, D e E. Achamos que os efeitos do Bolsa-Família estão sendo sobrevalorizados. Nos últimos anos tivemos, isso sim, um incremento importante no valor do salário mínimo e é ele que vem influenciando o consumo das camadas populares. Em um país como o Brasil, para ganhar dinheiro é preciso olhar essa fatia da população.

DINHEIRO ? Não é aposta de risco, já que a economia vem crescendo menos de 3%?
TRIUS
? Absolutamente. Cheguei ao Brasil há quase dez anos e tenho acompanhado as vitórias obtidas pela sociedade. A estabilidade e o controle da inflação são bons exemplos. A redução da dívida dolarizada também. Trata-se de variáveis importantes que dão as bases de sustentação para se fazer as reformas que vão ajudar o País a crescer no mesmo patamar de países como Rússia e Índia, cujos PIBs avançam acima de 6%. Para que isso se torne uma realidade falta apenas fazer alguns ajustes.

DINHEIRO ? Quais?
TRIUS
? A reforma política deve ser atacada de imediato porque ela é pré-requisito para as demais. Com a fidelidade partidária, por exemplo, fica mais fácil aprovar mudanças nas áreas fiscal e previdenciária e também destravar o processo legislativo para dar mais agilidade a todas as votações.

DINHEIRO ? Isso seria suficiente para fazer com que o Brasil voltasse a crescer em um patamar mais elevado?
TRIUS
? Acho que sim. Estamos na faixa de 3% ao ano e se chegarmos a 4% ou 4,5% já seria um feito considerável…

DINHEIRO ? Esse otimismo todo é fruto de uma convicção pessoal ou é apenas para, digamos, brasileiro ouvir?
TRIUS
? Sou um otimista realista. A sociedade já demonstrou que tem maturidade política para enfrentar os problemas que aparecem pelo caminho, como o escândalo do mensalão e outras denúncias que surgiram em 2005. A reforma política não estava na pauta até então, mesmo sabendo que ela é vital para o desenvolvimento do País. E hoje discute-se esse assunto. Isso me faz acreditar na capacidade de o País voltar a crescer em um patamar mais elevado e de forma mais consistente.

DINHEIRO ? Mas para fechar essa equação não seria necessário mudar também a política de juros?
TRIUS
? Desde que desembarquei no Brasil não me lembro de uma taxa de juros tão baixa quanto os 13,25% atuais. É claro que ainda é um patamar alto em relação aos demais países. Mas para descer abaixo de 10% somente com a implantação das reformas política e fiscal.

 

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“A aquisição do Bompreço foi feita na hora certa. Não compramos ativos sobrevalorizados ” 

 

DINHEIRO ? E o governo está empenhado nesse projeto?
TRIUS
? Os diferentes representantes do governo dizem estar obcecados em fazer o País voltar a crescer. Eles também se mostram comprometidos em relação às reformas fiscal e política. Por isso, só me resta acreditar que é verdade.

DINHEIRO ? O sr. acha, então, que chegou a hora de o governo Lula colher os frutos da estabilidade econômica?
TRIUS
? Acredito que a marca do segundo mandato do presidente Luiz Inácio será recolocar o Brasil na rota do crescimento. Ele tem a chance de terminar esse período sendo reconhecido não apenas pela estabilidade, mas também pelo desenvolvimento, em um ritmo só visto no início do Plano Real.

DINHEIRO ? Dá para comparar o que está acontecendo no Brasil com o que foi feito em outro país, a Espanha, por exemplo?
TRIUS
? São momentos históricos diferentes. Mas existem semelhanças. Na Espanha, por exemplo, também havia um governo de esquerda e ele foi capaz de unir a sociedade. Acho que Lula tem a possibilidade de construir esse tipo de consenso no Brasil.

DINHEIRO ? Para tudo dar certo não falta melhorar a qualidade da gestão pública, usando, por exemplo, instrumentos típicos da iniciativa privada?
TRIUS
? Sim. No mundo corporativo somos desafiados constantemente a superar metas e a gerar valor para os acionistas. E isso só pode ser feito quando existem projetos sólidos apontados para o futuro. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, tem dito que a busca da eficiência é uma outra vertente que o governo está buscando.

DINHEIRO ? Voltando ao Wal-Mart, quanto a rede vai investir em 2007?
TRIUS
? Estamos fechando 2006 com R$ 600 milhões, gastos na abertura de 14 lojas. Para 2007 pretendemos aplicar outros R$ 850 milhões na inauguração de 28 lojas.

DINHEIRO ? Como o grupo está financiando as operações?
TRIUS
? A expansão do número de lojas é feita normalmente com recursos gerados por aqui. Mas quando se trata de aquisição é natural que haja um aporte da matriz.

DINHEIRO ? O Wal-Mart tem uma marca de prestígio mundial. Apesar disso, a empresa manteve as bandeiras das cadeias compradas no Brasil. Por quê?
TRIUS
? Na maioria dos países nós mantemos as marcas locais das redes que compramos. A razão é simples: trata-se de bandeiras reconhecidas e seria um erro estratégico abandoná-las. Mas isso não quer dizer que deixamos de introduzir os valores Wal-Mart nessas empresas.

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“O consumo está crescendo graças ao aumento real do mínimo e não ao Bolsa-Família”

 

DINHEIRO ? E isso pressupõe abandonar as experiências e as histórias dessas empresas?
TRIUS
? De jeito nenhum. Não apenas mantemos como também ampliamos os serviços e os produtos reconhecidamente bem-sucedidos. Um bom exemplo é o Hipercard, o cartão de crédito que era exclusivo do Bompreço e hoje é usado em todas as nossas lojas.

DINHEIRO ? Qual o futuro do Wal-Mart no Brasil?
TRIUS
? Vemos o País como uma terra de oportunidades. O Brasil é um país-chave para a corporação.

DINHEIRO ? Isso significa dizer que o Wal-Mart pretende brigar pela liderança do mercado?
TRIUS
? Essa é uma pergunta recorrente que ouvimos desde que o Wal-Mart chegou ao Brasil. Sempre digo que para ter sucesso nesse setor é fundamental ter uma boa gestão de pessoas. Também é preciso ter como foco estratégico exceder as expectativas dos clientes em cada loja. Cada uma deve ser analisada do ponto de vista do cliente local. Se uma empresa faz essas coisas bem, a liderança é conseqüência.

DINHEIRO ? Mas, de qualquer forma, a expansão levou a empresa para a terceira posição, com um tamanho quase dez vezes maior que o quarto colocado, o Zaffari. Isso não indica uma grande concentração?
TRIUS
? As três grandes (Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart) representam somente 38% do segmento. Mas, se levarmos em conta todo o setor, detemos apenas uma fatia de 18%. Significa dizer que ainda existe muito espaço para crescer.

DINHEIRO ? Como o Wal-Mart deve fechar o balanço de 2006?
TRIUS
? Não divulgamos dados regionais. O que posso dizer é que nosso crescimento está em um ritmo acelerado. Vamos encerrar o ano com um avanço em torno de 4% em termos reais, ou seja, acima da inflação.

DINHEIRO ? O Wal-Mart sofreu acusações de discriminação contra as minorias. Como o sr. responde a isso?
TRIUS
? O que posso dizer é que nossa crença no respeito aos valores comunitários vem desde a fundação na empresa na década de 60. No Brasil, por exemplo, temos 35% de gerentes mulheres e 10,5% de funcionários que se declaram negros. Acho que erramos em não comunicar de uma forma clara e mais pró-ativa todos os nossos valores e o que fazemos em benefício da sociedade.