11/08/2019 - 14:00
Sempre que precisa ir ao médico para um exame nos olhos, Amarylis Ferreira, de 80 anos, tem companhia. Mas não da filha ou de um neto. Quem a ampara é uma “concierge”. A palavra francesa é requintada, mas revela uma necessidade corriqueira: a de evitar a solidão e proporcionar autonomia a idosos saudáveis no cenário de aumento da longevidade no Brasil.
“Ela faz toda parte que minhas filhas fariam se não tivessem de trabalhar. Ajuda a entrar no carro, ouve o que o médico tem a dizer para ver se não esqueço nada”, conta Amarylis. “Não é uma pessoa que fiscaliza, mas ajuda a ter noção do que está acontecendo. A gente sente que está mais dona de si.”
Difundidos no exterior, em países como Inglaterra e Estados Unidos, serviços de concierge para idosos chegam ao Brasil atrás de uma fatia do mercado que não para de crescer. As iniciativas se destinam a idosos sem limitações físicas ou cognitivas graves, mas que desejam apoio para continuar fazendo atividades, como ir à feira, consultas, gerir contas ou passear. A contratação quase sempre parte dos filhos, atarefados com crianças ou o trabalho.
“Minha mãe estava muito fechada em casa”, diz Cristina Ferreira, de 57 anos, filha de Amarylis. Recepcionista, está sempre ocupada com o trabalho ou atividades voluntárias. Já a irmã passa o dia todo no serviço. Antes das idas ao médico, Amarylis começou a sair com a concierge para escapadas culturais e aventuras gastronômicas, em grupos pequenos – outras idosas, também clientes da assessora contratada, podem se juntar ao programa. “Passeio com filho é bom, mas fica restrito ao assunto familiar”, diz. “(No grupo da concierge) ninguém critica, dosa. A família fica sabendo o que eu quiser contar.”
Luciene Bottiglieri, de 48 anos, atua como concierge na zona sul de São Paulo desde 2018. Os serviços, pagos por hora (três horas saem por R$ 230), podem incluir de aulas para desvendar o WhatsApp a companhia para caminhadas. “O idoso não quer só artesanato. Ele está no Facebook, Instagram, quer novidades”, afirma. Luciene já levou um grupo para conhecer um cabaré underground no centro – e também foi acompanhante em eventos tradicionais, como a missa de domingo.
“Meu pai é bastante católico, mas nós (filhos) não temos o hábito de frequentar missas. Ele se sentia mal de ir conosco, sabia que não era interesse nosso. E eu me sentia mal porque sabia que ele gostaria de ir”, diz Regina Salvetti, de 60 anos, filha de Fortunato Oliveira, de 94. Viúvo, ele é lúcido – lê jornais todos os dias -, mas caminha com dificuldade.
Perfil
Bilíngue e formada em Administração, Luciene se vale da experiência que teve ao cuidar dos pais. Há concierges autônomos, como ela, ou agências que “emprestam” os profissionais. O conceito é o de “aging in place” – envelhecer em casa, com independência. “Criamos um serviço que ajuda o idoso a envelhecer bem, um apoio pontual, não o cuidador”, diz Marcia Sena, fundadora da Senior Concierge, que faz o “match” entre profissionais e famílias.
Na empresa, os concierges são chamados “seniores interativos” e têm, em geral, formação em Enfermagem, mas dispensam o uniforme, para afastar a ideia de doença. “Ele vai com roupa esportiva. Pedimos para irem alinhadinhos”, diz Marcia. Um pacote de três horas com o idoso, duas vezes por semana, sai a R$ 890 mensais.
Uma das “interativas”, de só 20 anos, encontra Arlette Petroni, de 82, todas as quartas no apartamento da professora aposentada na Bela Vista, região central. A visita foi um pedido da filha Carla, de 43, que, após engravidar, teve receio de não conseguir acompanhar a mãe. “Ela ficou viúva, e a maioria das amigas já faleceu ou está doente, com Alzheimer.” Filha única, Carla encara a ajuda como alguém para “revezar a atenção”. Hoje, Arlette agenda médicos para o dia em que tem apoio da concierge e organiza idas ao cinema, um hobby antigo, com a jovem. “Sei que toda quarta posso fazer um programa.”
Ir aonde quiser também é o objetivo de Teresinha Miller, de 78 anos. Depois de levar filhos e netos para cima e para baixo durante anos, abandonou o volante, mas não sente confiança para usar apps de transporte tradicionais. Conheceu, então, o Eu Vô, um “Uber” para idosos e pessoas de mobilidade reduzida.
O motorista acionado recebe a ficha de saúde do passageiro e, além de transportar, pode acompanhar clientes fora do carro, quando desejado.
“Não me deixam carregar uma sacola”, comemora Teresinha, que chama o Eu Vô pelo telefone fixo toda vez que vai ao supermercado. A plataforma funciona hoje em São Carlos (SP), mas deve chegar à capital nas próximas semanas – 45 motoristas, que passaram por exames psicológicos e formação multidisciplinar, estão prontos para começar a dirigir.
Tabu trava discussões
Serviços terceirizados para garantir autonomia e evitar o isolamento de idosos são tendência em todo o mundo e acompanham transformações da sociedade. Mas, no Brasil, a dificuldade em falar sobre envelhecimento posterga discussões sobre o bem-estar na terceira idade.
“Mudanças culturais e sociais estão tirando as famílias desses papéis (de cuidadores). Casais de 45, 50 anos provavelmente têm filhos pequenos e pais idosos. Eles não conseguem suprir as necessidades – e não por falta de afeto. É questão de disponibilidade de tempo, principalmente nas grandes cidades”, afirma Valmari Aranha, psicóloga e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. “Por outro lado, temos uma população idosa ativa e demandando mais.”
Atenções mais direcionadas, como cuidadores ou concierges, porém, podem soar invasivas quando não há um reconhecimento de limitações próprias da idade. “O envelhecimento nos lembra que somos finitos. As pessoas têm dificuldade de se reconhecerem como envelhecidas”, diz Marília Berzins, presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento, que lançou uma capacitação para acompanhamento em atividades culturais.
Apoios externos podem ser uma forma de garantir independência e permanência por período maior de tempo em suas próprias casas, o que, por sua vez, é visto como um fator de saúde. “Autonomia, satisfação de vida, senso de autoeficácia são fundamentais para saúde mental e, consequentemente, para a saúde física”, diz Valmari.
Outros países estão à frente em propostas para um envelhecimento ativo – seja com a criação de residenciais estruturados ou com iniciativas para permanência em casa. “Nos Estados Unidos, idosos moram por opção em condomínios, têm amigos, fazem festas, usam campos de golfe”, exemplifica Inês Rioto, do Conselho Estadual do Idoso de São Paulo.
No Porto, em Portugal, um programa prevê a hospedagem de universitários em casas de pessoas com mais de 60 anos. Em troca do quarto, o jovem oferece sua companhia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.