30/04/2019 - 9:00
Imagine um futuro não muito distante. Na verdade, bem próximo. 2020. Você compra um carro autônomo da Tesla, usa quando for conveniente e nos períodos de ociosidade coloca o veículo para circular na frota de robotáxis da empresa de Elon Musk.
Foi isso mesmo que você entendeu. Você adquire o modelo da Tesla e passa a trabalhar como se fosse um motorista do Uber, mas, aí vem o melhor, sem precisar dirigir. Enquanto seu carro trabalha, você ganha seu “suado” dinheirinho dormindo.
O anúncio de colocar uma frota de táxis driverless para circular nos Estados Unidos foi feito pelo próprio Musk há poucos dias no Autonomy Day, evento da Tesla em que são apresentadas as principais novidades da marca no segmento de veículos autônomos.
A expectativa é lançar o serviço já no próximo ano, cobrando dos proprietários entre 25% e 30% do valor da corrida, um valor justo para quem vai, no conforto do lar, faturar “explorando” a Inteligência Artificial.
It’s all about Maps!
No universo da mobilidade urbana muito se pode esperar da evolução da Inteligência Artificial e do surgimento de novos serviços como os que estão nos laboratórios da Tesla, do Google e de outros ícones da tecnologia. Em todos estes negócios há um denominador comum que faz parte da história da humanidade desde a Grécia Antiga: Mapas.
Não é preciso ir longe para notar o avanço da cartografia nos últimos anos. Você nem mesmo tinha se acostumado com o aparelhinho de GPS e o Waze já estava se tornando uma febre mundial. Hoje ninguém consegue ir mais na esquina sem ligar o aplicativo. Nem que seja para checar como está o trânsito.
Historicamente os mapas sempre foram estratégicos tanto do ponto de vista político e militar quanto econômico e até mesmo religioso. Serviram para delimitar fronteiras e redefinir territórios. Os mais antigos datam de 2300 A.C. e foram desenhados na Babilônia. Grandes avanços aconteceram nos séculos XV e XVI para superar os desafios da navegação e passaram a incluir os desenhos da costa marítima, ilhas, rios e outros dados essenciais para uma viagem segura.
O primeiro mapa-múndi é atribuído a Martin Waldseemuller em 1507, o primeiro a utilizar o nome América para identificar o Novo Mundo. Na Era Moderna, a revolução veio com o nome de GIS (Geographic Information System), na década de 70, representando um novo paradigma na cartografia ao passar a utilizar dados digitalizados para disponibilizar informações georreferenciadas.
Podemos dizer que o GIS foi o embrião dos mapas digitalizados e anabolizados pelos algoritmos que hoje nos levam a qualquer lugar de uma forma bem mais prática, proporcionando uma experiência incomparável aos mapas de papel.
Quem aí não carregava o Guia de Ruas embaixo do banco do carro? Juntar as coordenadas G23 com X14 para tentar encontrar a rua que está procurando e descobrir que não conhecia nada em um raio de dezenas de quilômetros era praticamente embarcar em uma aventura de Júlio Verne.
Quando escreveu “A Volta ao Mundo em 80 dias”, o autor francês talvez não imaginasse onde os mapas poderiam nos levar no futuro, apesar de muitas das previsões que registrou em suas obras terem se tornado realidade, como a viagem à lua.
Quase um século e meio depois, o mesmo Musk da Tesla já está avançando com seus planos de levar turistas para Marte em foguetes da SpaceX. Só que antes de lançar sua primeira espaçonave, Musk e uma trupe de empreendedores munidos de mapas sabem que há muitas oportunidades a explorar aqui mesmo na Terra.
O desenvolvimento de soluções baseadas em mapas abriu fronteiras para um grande universo de startups. Uma busca no Angel List resulta em 403 “Maps Startups” com um valuation médio de US$ 3,6 milhões. Somente o mercado de sistemas para assistência ao motorista e veículos autônomos irá passar de US$ 3 bilhões em 2015 para US$ 96 bilhões em 2035, de acordo com relatório da Goldman Sachs.
Muitos destes novos empreendedores estão famintos por abocanhar uma fatia saborosa do mercado de carros autônomos se apresentando como uma alternativa ao Google Maps.
Há um exército de empresas que não querem deixar que a Alphabet monopolize as telas dos carros para ter acesso aos cobiçados dados de localização dos consumidores, o que comprometeria a privacidade, um assunto levado muito a sério em países como Alemanha e Áustria, e permitiria ampliar o domínio do Vale do Silício também na entrega de publicidade geolocalizada, uma mina de ouro que empresas de tecnologia, montadoras e startups também têm razões de sobra para querer garimpar.
Já imaginou o que os publicitários irão fazer quando conseguirem descobrir exatamente onde você está naquele exato momento? A cada passo, uma nova oferta. Se eu sei onde você está, eu sei o que você quer.
Não é à toa que o Google foi uma das primeiras empresas a colocar nas ruas um protótipo de um carro autônomo em 2009, negócio hoje conduzido pela Waymo, braço da Alphabet.
Na Europa, duas grandes estão na pista pisando fundo para deixar o Google comendo poeira: a TomTom e a HERE, que tem como acionistas um consórcio de fabricantes de carros da Alemanha, onde a BMW se aliou com a Mobileye e a Daimler com a Bosch para avançar nos seus planos de lançar entre 2020 e 2021 suas frotas de robotaxis, disputando posições com a Tesla.
Estão também na estrada o Uber e outras montadoras que vêm investindo pesado em projetos de carros sem motorista, como a GM e a Ford, todas colocando nas ruas suas frotas para criar mapas em alta resolução.
Já ouviu falar em LiDAR? Os mapas do futuro estão entrando em uma nova dimensão.
Entre as novas tecnologias que irão viabilizar a indústria dos carros autônomos e evoluções em diversas outras áreas, como no mapeamento de florestas e regiões de relevo acidentado, está o LiDAR, abreviação de Light Detection and Ranging, que utiliza um sistema de escaneamento a laser para medir e criar uma representação 3D de uma determinada área com precisão milimétrica, como de uma cidade inteira ou de uma selva de grandes extensões.
O principal desafio para viabilidade dos carros autônomos e drones entregando pizza na sua casa é justamente a navegação. O sistema precisa saber a localização exata do veículo, inclusive mapeando sua altura em relação ao solo para identificar, no caso de transitar sobre um viaduto, por exemplo, se ele está na via elevada ou na pista inferior.
Por isso, para que possam se localizar e transitar pela cidade, os veículos precisam ter acesso a mapas 3D contendo uma outra camada sobreposta com todas as informações semânticas dos obstáculos em sua volta, mas, que por não serem atualizados em tempo real, não conseguem identificar o surgimento de novos objetos e mudanças de direção de ruas, o que pode ser um problema para um carro que não enxergar um novo poste instalado no dia anterior.
A solução provavelmente virá de mapas abertos alimentados de dados o tempo todo pelos próprios usuários, como uma Wikipedia dos mapas, um caminho seguido pela startup sueca Mapillary, que recolhe fotos feitas pelos smartphones dos pedestres e motoristas e hoje alega possuir o maior banco público de imagens de ruas do mundo. Para construir o Street View, o Google teve o trabalho titânico de colocar uma frota gigantesca nas ruas de todo mundo para capturar fotos das cidades e construir um escomunal banco de imagens.
Nesta corrida contra o Google, estão também outras centenas de startups, como a Mapbox, que já recebeu um total de US$ 227,2 milhões e tem como um de seus investidores o Softbank. Seu modelo é fornecer soluções de localização para aplicativos de empresas como Mastercard, Snapchat, Airbnb, Pinterest e Tinder. Assim como na Mappilary, a plataforma open source da Mapbox atualiza e alimenta constantemente seus mapas em tempo real a partir de um crowdsourcing de dados enviados por sensores dos carros e celulares.
Outra empresa que segue este modelo para atender os carros do futuro é a DeepMap, que arrecadou um financiamento total de US$ 92 milhões e atua no poderoso mercado chinês. A Ford também está investindo em startups e colocou US$ 1 bilhão na empresa de Inteligência Artificial Argo AI LLC, que se tornou sua subsidiária.
Uma realidade aumentada
A revolução dos mapas não se dará apenas na chegada dos carros autônomos. Outro projeto que associa geolocalização e Inteligência Artificial e antecipou o que poderá vir a ser o futuro da publicidade foi apresentado no ano passado pelo (adivinhem!) Google, integrando realidade aumentada ao seu aplicativo de mapas para permitir, por exemplo, que os usuários tracem uma rota no modo Street View e visualizem na própria tela do smartphone exatamente qual direção devem seguir simplesmente apontando a câmera do celular para rua em que estão. Não um pokemon, mas uma raposa, virtual claro ;), ajudará o pedestre a encontrar o caminho.
Quer mais? Ao utilizar a câmera é possível também obter informações sobre os estabelecimentos ao redor através de pop-ups que saltam na tela com dicas, resenhas e comentários do restaurante, lavanderia ou pet shop que está logo ali em frente.
Com a disseminação dos mapas 3D e as tecnologias de realidade aumentada saindo das telas do cinema para se tornarem cada vez mais reais, muitas empresas estão de olhos bem abertos para oportunidades que irão nascer nos próximos anos.
Assim como o Google e outras empresas, entre elas Microsoft, Vuzix, Solos, Everysight, Epson e a canadense North, a Apple é outra gigante que está enxergando o potencial desta nova visão de mundo e adquiriu a Akonia Holographics, empresa especializada na produção de lentes para óculos de realidade aumentada.
A empresa também lançou o Apple ARKit, que pretende levar a experiência de consumo a um novo patamar permitindo aos desenvolvedores criar apps de realidade aumentada em minutos. A expectativa dos applemaníacos está no provável lançamento do Apple AR Glasses. É esperar para ver.
Uma das startups de destaque na tecnologia de realidade aumentada é a Scape Technologies, que está criando uma infraestrutura baseada em mapas para ser utilizada por equipamentos que também identificam com precisão onde o usuário está e o que há ao seu redor usando somente a câmera, a mesma interface apresentada pelo Google. No ano passado, a empresa levantou 7 milhões de euros de investidores como LocalGlobe, Mosaic Ventures, Fly Ventures e Entrepeneur First.
Esteja onde estiver, os mapas continuarão guiando sua vida e revolucionando a forma como nos movemos pela cidade, como consumimos e como descobrimos novas rotas, produtos e serviços. Portanto, amigo leitor, seja você um usuário, empreendedor ou investidor, fique de olho para não se perder no caminho. Ou vai querer continuar usando o velho e surrado Guia de Ruas?
(*) Omarson Costa é formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet
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